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Rio de Janeiro, 20 de abril de 2024


Cultura

Ensino fundamental: 41% não sabem ver as horas

Lais Botelho - Do Portal

02/06/2010

A defasagem na construção dos conceitos de tempo na infância gera um déficit no aprendizado infantil. Com isso, ao ingressarem no ensino fundamental, crianças não teriam conhecimento suficiente para resolver, por exemplo, simples problemas de matemática envolvendo a medida. O alerta feito pela professora de Psicologia Educacional I da PUC-Rio Zena Eisenberg no seminário Reflexões sobre o TEMPO: Educação e História, nesta segunda-feira, sustenta-se numa constatação da especialista: grande parte das creches ignora os "artefatos temporais".

 - Desde que nasce, a criança está se adaptando ao tempo. Existe a hora de comer, brincar. Na creche, essa noção é mais rigorosa. Daí a necessidade de negociar conceitos: explicar para a criança o porquê da rotina. No entanto, não é comum vermos nas creches artefatos temporais, como referências a dia, hora, minuto - argumenta.

Segundo a professora, como as crianças não entendem o sentido convencional do tempo, elas precisam da rotina para se orientar. Assim, os educadores devem participar desse cotidiano e explicar cada etapa feita durante o dia. Esses ensinamentos, sugere Zena, podem ser aplicados por meio de brincadeiras:

- A utilização de um “relógio da rotina”, por exemplo, feito de papel e com cada hora correspondendo a uma atividade, permite que as crianças se situem no tempo e no espaço. Isso torna o aprendizado mais fácil. Deveríamos trazer para o currículo de pedagogia mais conversas sobre o desenvolvimento do tempo na criança.

Fátima Alves, professora de Ensino Aplicado à Educação, reforça que este aprendizado precisa ser aperfeiçoado. Para ela, boa parte dos professores acredita que a conceituação básica de tempo já é conhecida pelos alunos e assim acaba “passando batida” pelo assunto.

- Se não ensinamos à criança a utilização formal do tempo nos ensinos primários, atrasamos muito a compreensão dos conceitos - alega - Resultado: 41% dos brasileiros chegam ao quinto ano sem saber ler as horas em relógio de ponteiro e muito menos convertê-la em minutos e segundos.

De acordo com Fátima, este déficit de conhecimento nas séries mais avançadas é constatado pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), desenvolvido pelo Inep e aplicado em uma amostra de alunos de 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e da 3ª série do ensino médio.

- Numa questão os alunos tinham de calcular, em minutos, o tempo que o público permanecia numa sessão de cinema de duas horas e quarenta minutos. O percentual de erro chegou a 40% - exemplificou.

Para a pesquisadora Dominique Colinvaux, do grupo “Ciências, Sociedade, Educação” da UFF, a solução exige um diálogo maior entre a creche e a escola. Dominique propõe também mais aplicações do conceito de tempo no dia a dia:

- Devemos [nós seres humanos] aprender a usar o vocabulário temporal para depois aplicá-lo como medida. A partir desse momento, o tempo deve ser colocado em experiências concretas, como discussões sobre os ciclos astronômicos e aplicações físicas, ativando a percepção das crianças.

O desenvolvimento da noção de tempo pode ajudar na redução do sofrimento das crianças de um a dois anos ao entrarem em instituições educacionais. Para ela, alguns adultos já trabalham o assunto em casa utilizando a TV, ou seja, o aparelho vira uma espécie de relógio. Assim, a hora de dormir poderia estar associada a hora da novela, por exemplo.

 - O primeiro contato com as instituições nunca é traumático. As crianças encontram pessoas novas, brinquedos, e diversas novidades. O drama é quando cai a ficha de que aquilo é todo dia- afirma- Dessa forma o domínio do tempo passa a ser uma ferramenta de vida, o que situa as pessoas no espaço.

 Ao transcender a discussão formal, a pesquisadora acredita que a "problemática do tempo" deve ser trabalhada como forma de vida. Pois, atualmente "ele" seria um dos poucos elementos que nós não teríamos controle.