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Rio de Janeiro, 5 de maio de 2024


País

Educadores discutem progressão continuada

Evandro Lima Rodrigues - Do Portal

31/05/2010

Mauro Pimentel

O Conselho Nacional de Educação (CNE), orgão formado por diversos representantes da sociedade, recomendou a adoção do regime de progressão continuada nos três anos iniciais do ensino fundamental, a partir do próximo ano. Embora a resolução ainda tenha de ser avaliada por um grupo de especialistas até seguir para a apreciação do ministro da Educação, Fernando Haddad, a iniciativa desperta a polêmica: até que ponto a iniciativa, voltada à redução do alto índice reprovação (74 mil crianças de 6 anos foram reprovadas no primeiro ano, em 2008), assegura melhor rendimento na alfabetização, ou pende para apropriações políticas? 

Profissionais da área, professores e pesquisadores advertem: o regime de progressão continuada, que permite a aprovação automática, só se converterá num ensino de qualidade superior se os princípios não forem desvirtuados ou manipulados por conveniências políticas e econômicas; e se forem assegurada estrutura para a sua aplicação e o seu desenvolvimento. Segundo a professora Alicia Bonamino, do Departamento de Pedagogia da PUC-Rio, pesquisas baseadas em dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) mostram que experiências de repetência "afetam negativamente a proficiência dos alunos", especialmente em português e matemática.

Por outro lado, o próprio ministro Hadadd reconhece que a simples aprovação automática também não assegura um melhor rendimento da criança nos primeiros anos escolares. Ao eliminar a reprovação nesta fase, o regime de progresso pretende, teoricamente, assegurar que o processo de alfabetização da criança entre 6 e 8 anos não seja comprometido por um fracasso escolar. O regime prevê também o acompanhamento regular do rendimento do aluno, para que sejam feitas intervenções imediatas e, supostamente, mais eficazes. De acordo com professores de escolas públicas do Rio, onde uma variação deste modelo foi adotado havia 10 anos, a teoria nem sempre corresponde à prática.   

– As pesquisas revelam que a reprovação e a repetência se distribuem desigualmente no Brasil, de acordo com as características dos alunos. Existe, por exemplo, uma distribuição heterogênea da repetência nas diferentes regiões brasileiras, que penaliza especialmente os alunos das regiões Norte e Nordeste.

A professora Glória Fátima Nascimento, vice-diretora do Setor Comunitário do Colégio Teresiano, na Gávea, lembra que, especialmente na fase de alfabetização, "reter o aluno por um ano" pode ser traumático. Ela ressalva, no entanto, que a aprovação automática deve ter parâmetros:

– A reprovação sem parâmetros se torna cruel para alunos empobrecidos. Em algumas escolas, o que se observa são alunos que chegam ao 4º ou 5º ano analfabetos. E isso se torna um grande sofrimento para o professor, que tem que educar aquele aluno, e um grande sofrimento para a própria criança, que vai sendo passada, passada, sem ter o real conhecimento.

Alicia lembra a importância do acompanhamento contumaz do aluno no ciclo não seriado de alfabetização. Ela propõe a avaliação diagnóstica como forma de identificação do nível de desempenho do estudante.

– Para validar a aprovação automática, também é importante conjugar outros esforços, como a conciliação de professores competentes e experientes nas turmas desse ciclo de alfabetização e o apoio aos alunos com dificuldades de aprendizagem ao longo dos anos escolares – acrescenta.

Denise Senhora,  professora há 22 anos do ensino fundamental, tem a mesma opinião. Ela acompanhou a implantação do programa no Rio e considera que houve uma certa inadequação entre a proposta original e a prática:

 Mauro Pimentel – No regime de ciclos, corre-se o risco de se achar que a criança tem mais tempo para aprender, e isso gerar um relaxamento. É preciso dar mais suporte para que o regime de progressão continuada dê resultado. Suporte tanto psicopedagógico, quanto material. 

A professora Adriana Teixeira, colega de Denise na Escola Luiz Delfino, na Gávea, também acredita que o programa possa melhorar o nível do ensino na fase de alfabetização. Ela condiciona, no entanto, o êxito a aperfeiçoamentos que devem ser desenvolvidos numa parceria entre escola, educador, governo e família. Pois, lembra Adriana, as dificuldades transcendem os muros da escola:

– É um impasse quando o aluno não consegue alcançar média no terceiro ano. Para resolvê-lo, é preciso uma parceria entre o professor, a família, o psicopedagogo e órgãos públicos e privados voltados a melhor a qualidade de ensino. Só assim, pode-se avaliar com mais precisão os motivos de a criança não estar avançando no processo de aprendizagem, para que sejam resolvidos.

Os resultados mais recentes do Sistema de Avaliação da Educação  Básica (SAEB) e da Prova Brasil indicam que não há necessariamente uma relação entre a promoção continuada e o baixo rendimento no ensino fundamental. O fraco  desempenho em leitura e matemática identificado na 4ª série (5º ano do ensino fundamental de 9 anos) pelo SAEB não se concentra nas escolas organizadas em ciclos não seriados.

Para Glória, a busca do melhor modelo de ensino exige uma discussão minuciosa e abrangente, sem contaminações políticas, econômicas e ideológicas. Na opinião da professora, a progressão continuada pode ser um bom caminho, "se for levada a sério".

– Por que a escola tem que ser seriada? A escola seriada é uma produção cultural de determinado momento histórico. Isso pode mudar – afirma.

Proposta marcada por divergências

Em novembro de 2007, professores da rede municipal de ensino do Rio realizaram paralisação para protestar contra a aprovação automática dos alunos, resultante do conceito "RR" (Registra Recomendações) instituído pela resolução 959 da Secretaria Municipal de Educação do Rio. O protesto pretendia convencer os 50 vereadores da Câmara Municipal a votar um PDL (Projeto de Decreto Legislativo) para barrar a resolução. Um mês depois, foi derrubada pela Câmara.

O então prefeito Cesar Maia desqualificou o PDL. Segundo ele, o mecanismo ere invpálido porque caracterizava uma interferência do Legislativo em atos de competência do Executivo. Mesmo com a insistência de professores, o modelo continuou sendo adotado.