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Rio de Janeiro, 5 de maio de 2024


País

"Interesse do brasileiro sobre contas públicas vai aumentar"

Clarissa Pains - Do Portal

26/05/2010

Contas Abertas/Divulgação

Nesta sexta-feira, 28 de maio, entra em vigor a Lei Complementar Federal nº 131, conhecida como Lei da Transparência. A partir da data, todos os municípios com mais de 100 mil habitantes deverão disponibilizar suas contas na internet. As informações sobre as receitas e despesas deverão ser publicadas no mesmo dia ou no dia seguinte aos lançamentos. A lei é uma emenda da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que, criada em 2000, incentiva a participação do contribuinte no acompanhamento da aplicação dos recursos públicos e da avaliação dos seus resultados.

De acordo com o secretário-geral da organização Contas Abertas, Gil Castello Branco, que conversou com o Portal sobre a nova lei e o controle das contas públicas no Brasil, as recentes medidas em prol da transparência são fundamentais para o exercício da cidadania. “O brasileiro não se acostumou, como aconteceu em outros países, a fiscalizar e acompanhar mais as contas públicas”, afirma. No entanto, ele acredita que, com as informações na internet, a cultura do sigilo que predominou durante muitos anos no Brasil será mudada.

Fundado em 2005, o Contas Abertas é uma entidade da sociedade civil sem fins lucrativos que acompanha e fiscaliza as contas públicas em nível federal, estadual e municipal, incluindo o Distrito Federal. O site da organização contabiliza 14 milhões de acessos e é alimentado diariamente com matérias relacionadas às contas públicas brasileiras. Além de muitas vezes "pautar" a grande imprensa no país, o Contas Abertas realiza oficinas de jornalismo investigativo, como as que já fez em O Globo, a TV Globo e a Folha de São Paulo, por exemplo. Recentemente, esteve na PUC-Rio para um seminário desse tipo em parceria com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).  

Portal PUC-Rio Digital: O que representa a Lei Complementar nº 131?        

GCB: Essa emenda da Lei de Responsabilidade Fiscal, já aprovada, obriga as cidades, os estados e a própria União a colocarem na internet as suas contas, receitas despesas, e a deixarem claro o que estão comprando, de quem estão comprando, por qual valor, seu orçamento, suas licitações. Depois do dia 28, esperamos que todos os municípios acima de 100 mil habitantes disponibilizem essas informações on-line. No Rio de Janeiro, por exemplo, há 27 municípios que se enquadram nessa categoria, desde a capital, com mais de 6 milhões de habitantes, até a cidade de Japeri, com 102 mil. Municípios como Duque de Caxias, Nilópolis, Petrópolis, Cabo Frio, Araruama, por exemplo, têm mais de 100 mil habitantes. A lei foi aprovada no dia 27 de maio do ano passado e estipulava o prazo de um ano para que os estados, a União e os municípios com mais de 100 mil habitantes se preparassem. Como foi publicada no Diário Oficial no dia 28 de maio, contamos um ano a partir dessa data. Em 2011, as cidades com população entre 50 mil e 100 mil habitantes também terão que aderir a esse sistema. E, por fim, em 2013, entram as cidades com população inferior a 50 mil. Dessa forma, o cidadão pode exercer o controle social. Claro que não acreditamos que um médico vá chegar em casa e dizer: “Agora, não vou jantar porque vou fiscalizar os gastos públicos”. Mas será importante como ferramenta da sociedade civil organizada, da imprensa, das organizações não governamentais, dos sindicatos, dos estudantes. Os municípios que não cumprirem a determinação da lei estão sujeitos a perder os recursos das transferências voluntárias que o governo federal faz. Se de fato a lei for cumprida e as informações estiverem na internet com o detalhamento que se deseja, o cidadão será beneficiado e isso vai gerar uma grande mudança na cultura do sigilo que predominou durante muitos anos no Brasil.

P: A Lei n° 131 é uma emenda à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Qual é a importância da LRF para a democracia e a transparência no Brasil?

GCB: A LRF é de grande importância porque, antes de sua elaboração, era muito comum que, em ano eleitoral, prefeitos “torrassem” o dinheiro da prefeitura apenas para tentar se reeleger e acabavam deixando para o sucessor uma prefeitura quase quebrada. No fim das contas, quem bancava o prejuízo era o próprio governo federal, ou seja, todos nós. Nem a prefeitura, nem o estado, nem a União geram um centavo. Todos os recursos públicos são obtidos a partir dos impostos e das contribuições que nós pagamos. A LRF criou, então, alguns parâmetros. Por exemplo, o governante não pode gastar com o pagamento de funcionários mais do que sua receita. Agora, o mais importante, a meu ver, é o que acontece a partir do dia 28 de maio.

P: Como surgiu a iniciativa do Contas Abertas?

GCB: O Contas Abertas surgiu da intenção de criar uma organização que representasse a sociedade civil e que pudesse fomentar a transparência, o acesso à informação, principalmente às informações orçamentárias e financeiras. Nós acreditamos que existindo a transparência e o acompanhamento da sociedade em primeiro lugar, por meio de um controle social, vamos conseguir melhorar a qualidade e a legalidade do gasto.

Divulgação 

P: Como o senhor avalia a forma como os recursos públicos são gastos no Brasil?

GCB: Ainda podemos melhorar muito a qualidade e a legalidade do gasto público no Brasil. O Índice de Percepção de Corrupção, divulgado pela Transparência Internacional, sai uma vez por ano e ele sempre coloca o Brasil numa posição intermediária. São 170 países e, na última divulgação, o Brasil ficou na 75ª posição. É claro que isso é apenas uma percepção, já que é muito difícil quantificarmos a corrupção. Não há como avaliar nota fiscal ou recibo porque, na ilegalidade, nada disso existe. Mas acredito que o Brasil esteja mesmo numa posição intermediária e que pode melhorar significativamente nesse ranking. Se a sociedade participar mais, ela pode discutir melhor a questão da alocação dos recursos, das prioridades do gasto.

P: Como o senhor compararia o controle dos gastos públicos no Brasil com o realizado em outros países?

GCB: Países como Dinamarca, Finlândia, Nova Zelândia são os que, em geral, melhor aparecem no ranking da Transparência Internacional. São países que têm uma estrutura diferente da nossa, tanto no tamanho, quanto na economia e na cultura. Nem sempre é fácil estabelecer comparações entre realidades tão diferentes. Mas, de qualquer maneira, o Brasil ainda pode avançar na questão da transparência, que é o primeiro passo no combate à corrupção. Hoje em dia, mais de 70 países no mundo possuem uma lei de acesso à informação. Por essa lei, as pessoas ficam autorizadas a pedir qualquer informação a um órgão público, que, por sua vez, fica obrigado a fornecê-la. Então, fica claro que qualquer informação é pública a não ser que esteja ligada à segurança do Estado ou à privacidade do cidadão. O Brasil, entretanto, ainda não possui esse tipo de lei. No momento, um projeto de lei tramita no Congresso Nacional. Já foi aprovado na Câmara, mas ainda depende de ser aprovado no Senado. Temos muito o que avançar, principalmente na transparência dos estados e dos municípios. Na verdade, a administração federal direta é mais transparente que a dos estados, que, por sua vez, é mais transparente que a dos municípios.

P: Qual a importância política de um controle efetivo da sociedade sobre as contas públicas?

GCB: Na própria Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, há um capítulo inteiro dedicado à participação da sociedade. Internacionalmente, existe o conceito de que só quando a sociedade se envolve é possível conseguir um bom resultado no combate à corrupção e na melhoria da qualidade do gasto. No entanto, para a sociedade se envolver, é preciso transparência e acesso à informação. O artigo 13 da convenção da ONU deixa isso claro, inclusive seu título é “Participação da sociedade”. Politicamente, fomentar a transparência e o acesso à informação é importante para um administrador que deseja a legalidade do gasto. Isso é, de certa forma, mudar a cultura existente no país, a cultura do sigilo que prevaleceu durante muitos anos por causa principalmente da revolução militar e depois por causa de uma inflação muito alta. O brasileiro não se acostumou, como aconteceu em outros países, a fiscalizar e acompanhar mais as contas públicas. Agora, eu diria que isso está melhorando. Estamos numa democracia consolidada e com uma inflação debelada, em patamares internacionais. Então, acredito que o brasileiro vai cada vez mais se interessar em acompanhar e discutir a forma como os recursos são empregados.

Contas Abertas/Divulgação 

P: O Contas Abertas existe desde 2005. De lá para cá, quais foram as principais contribuições da organização?

GCB: Temos procurado contribuir no fomento à participação do cidadão no controle dos gastos públicos. Nosso trabalho é muito dirigido ao jornalista porque entendemos que ele tem um efeito multiplicador. Sabendo acompanhar bem as contas públicas, ele pode produzir matérias que influenciem o cidadão a criticar a qualidade e a legalidade do gasto. Nos últimos 12 meses, nós treinamos cerca de 500 jornalistas, por meio de cursos presenciais e à distância. O curso é, justamente, sobre como fiscalizar o gasto público. Também temos uma grande parceria com a imprensa, ajudando a obter informações ligadas ao gasto público. Por isso, ganhamos o prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa de 2007 e fomos finalistas do prêmio Faz Diferença do jornal O Globo, no mesmo ano. Um trabalho marcante, por exemplo, foi o acompanhamento do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que é, afinal de contas, o principal programa de investimentos do governo atual. Desde que o programa começou, é provável que ninguém o tenha acompanhado tão de perto como o Contas Abertas. Nós pautamos veículos de comunicação e fomos citados por eles sobre esse assunto mais de 2 mil vezes. Fomos convidados a participar como observadores da 3ª Conferência dos Estados Partes da Convenção da Nações Unidas contra a Corrupção, realizada no ano passado em Doha, no Qatar. Também fomos convidados pela Embaixada da Nova Zelândia, país cuja administração pública é considerada uma das mais modernas do mundo, a participar da 5ª Conferência Internacional de Comissários da Informação, reunião de pessoas que lidam com informação no mundo inteiro.

P: Além do Contas Abertas, quais seriam os outros mecanismos que possibilitariam um controle mais efetivo da sociedade civil sobre as contas públicas?

GCB: Existem várias organizações, cada uma se especializa em um tipo de atuação. Há, por exemplo, o Instituto de Fiscalização e Controle (IFC), que trabalha para diminuir a corrupção nos municípios. O IFC orienta o cidadão que não sabe como proceder diante de alguma irregularidade. Há também a Transparência Brasil e um instituto cuja origem é francesa, mas que atua bastante aqui no Brasil, o Article 19. Uma entidade pioneira no combate à corrupção no Brasil foi a Amarribo, a Associação de Amigos de Ribeirão Bonito, em São Paulo. Nesse município, havia uma prefeitura bastante corrupta, mas, com a união da sociedade, tanto o prefeito quanto seus secretários foram derrubados. A Amarribo é hoje uma entidade reconhecida internacionalmente por ter conseguido, a partir de uma simples denúncia, derrubar todo o secretariado de um município.

P: Que mensagem o senhor daria para um futuro jornalista interessado em fiscalizar os atos do governo brasileiro?

GCB: Hoje em dia, conhecer essas ferramentas modernas para investigar e acompanhar os gastos públicos é uma excelente oportunidade para os estudantes de jornalismo e recém-formados, porque é uma forma de obter espaço no mercado. Eu costumo dizer que o jornalismo está mudando. Antigamente, um bom jornalista era aquele de mais idade e que, por isso, tinha ótimas fontes. Logo, somente ele possuía determinada informação devido ao tempo de vida e à experiência profissional que ele tinha. Hoje, essa situação é completamente diferente. Com a internet, a informação geralmente está mais ao alcance de um jornalista novo, que tem muito mais facilidade de lidar com a informática e com essas novas formas de comunicação do que aquele jornalista antigo. A fonte está, na verdade, debaixo do nariz do jornalista, não é preciso se preocupar em conquistar um contato com alguém. A mão-de-obra que conhece essas informações é muito valorizada dentro das redações. Além do fato de que todos nós, enquanto cidadãos, devemos estar preocupados com a qualidade e a legalidade do gasto, o jornalista encontra nas novas ferramentas de acompanhamento das contas públicas uma oportunidade de conquistar espaço na carreira e no mercado.