Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Cultura

Niemeyer fora do Brasil: obras rompem fronteiras

Gabriela Duarte, Gabriela Costa e Roberto Soares - Da sala de aula

08/01/2008

Mondadori, Constantine, Havre, PCF. Achou estranho? Todas são obras elaboradas pelo arquiteto Oscar Niemeyer que completa cem anos de vida. A produção do arquiteto vai muito além de Brasília ou do Museu de Arte Contemporânea. Obras como a Sede do Partido Comunista, na França (foto), ou da Universidade de Constantine, na Argélia, mostram como Niemeyer ganha força e expressão no exterior, principalmente na década de 1960 quando ele, forçado pelo governo militar, se auto-exila.

O auto-exílio de Niemeyer aconteceu em 1967, após uma série de questões políticas que o impediam de trabalhar livremente. Declaradamente comunista, o arquiteto teve o projeto para o aeroporto de Brasília rejeitado pelo Ministro da Aeronáutica. A Universidade de Brasília (UnB), onde lecionava, foi invadida pelos militares; seu escritório e a revista Módulo, a qual dirigia, foram saqueados. O arquiteto deixou a UnB em 1965 com mais 200 professores.

“Niemeyer era conhecidamente comunista marxista, representando um perigo na visão do governo. Qualquer pessoa que contestasse os militares corria risco de ser preso ou morto se permanecesse no Brasil”, relata Vladimyr Lombardo Jorge, professor de Ciências Políticas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), lembrando que o período da ditadura militar brasileira fez com que o país perdesse parte dos seus artistas e intelectuais.

Durante seu exílio, Niemeyer se instalou na França, país onde se encontram algumas de suas principais obras, como, por exemplo, a Sede do Partido Comunista Francês. Danilo Matoso, mestre em Arquitetura e Urbanismo, com tese sobre as obras de Niemeyer, destaca o sentido político desta construção: “A sede do PCF é um exemplo claro dessa relação entre linguagem arquitetônica e ideologia. A monumentalidade excessiva – moderna ou historicista – enseja sempre a idéia de totalitarismo por parte do regime que a propõe. A arquitetura de Niemeyer, entretanto, está além deste tipo de relação simplista”.

A importância das obras de Niemeyer na França é tão relevante que no ano do seu centenário será realizada uma exposição em homenagem ao grande arquiteto. Projetos seus como o Centro Cultural de Havre e a Bolsa do Trabalho, ambos de 1972, são exemplos do prestígio do arquiteto no país e de como as obras dele inovaram a arquitetura européia. Suas obras marcavam o equilíbrio entre volumes e espaços livres, marcando princípios que considerava importantes.

Suas obras na Europa não se concentram apenas na França. Foi convidado, em 1968, por George Mondadori para projetar a Fundação Mondadori, onde hoje funciona a editora do mesmo nome. Mondadori idealizou uma construção diferente para a sede de sua fundação e Niemeyer decidiu manter exteriormente um jogo harmonioso de volumes e espaços livres, enfatizando sua poética singular.

Os projetos realizados na Argélia são exemplos de como Niemeyer tentou regionalizar sua produção. No país, o arquiteto projetou a Mesquita de Argel, em 1968. Um exemplo de como ele procurou, ao mesmo tempo, manter as características locais e acrescentar traços da sua arquitetura. Já na Universidade de Constantine, ele se preocupou em manter os traços particulares de sua arquitetura livre e flexível.

A produção de Niemeyer durante o exílio mostra que o tempo fora do país foi uma grande oportunidade para que sua obra se tornasse conhecida no mundo, em especial na Europa. A produção do arquiteto deste período foi tão expressiva, que até críticos contrários à liberdade plástica, pregada pela arquitetura Moderna, enalteceram suas construções. Entre estes, o crítico italiano Bruno Zervi, que considera a Praça do Havre uma das melhores obras da arquitetura contemporânea.

A importância de Niemeyer fora do Brasil não começou no exílio. A construção de Brasília lhe rendeu um convite para expor, em 1965, no Museu do Louvre, na França. Antes disso, as suas obras já tinham notoriedade no exterior, desde a exposição Brazil Builds, promovida pelo Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MOMA), em 1943. Danilo Matoso explicou que a publicação do catálogo dessa exposição abriu espaço para a obra de Niemeyer: “o catálogo teve ampla vendagem e divulgação, destacando as obras da Pampulha, de Niemeyer. Prova deste reconhecimento internacional foi o convite que recebe em 1946 para tomar parte da equipe encarregada de elaborar o anteprojeto da sede da ONU, em Nova York”.

A partir dessa publicação, vários livros de História e Arquitetura começaram a divulgar a produção de Niemeyer, como, por exemplo, o “An Outline of European Architeture” e o “Dicionário Penguin de Arquitetura”, ambos de N. Peusner. Nessas publicações, o autor ao mesmo tempo em que critica o “maneirismo” do arquiteto, elogia a ousadia das formas e as estruturas de concreto armado.

A presença de Niemeyer fora do Brasil não se limita a Europa e aos Estados Unidos. Projetos como a estátua de Simon Bolívar, na Venezuela, em homenagem ao presidente Hugo Chávez e a construção de um teatro em Cuba são apenas algumas das futuras obras que o arquiteto pretende desenvolver na América Latina, inaugurando, assim, um reencontro de Niemeyer com suas origens latinas e comunistas.

Leia as outras reportagens da série aqui.