Camila Grinsztejn, Lais Botelho, Thaís Chaves - Do Portal
19/05/2010Em 1987, já sob os ventos da redemocratização, as Américas registraram 387 assassinatos de jornalistas, boa parte deles impune, contabiliza a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Nas décadas seguintes, o volume diminuiu (o Brasil somou oficialmente três casos de 2005 a 2010) mas o espectro da impunidade ainda assombra. Para afastá-lo, são necessáros avanços como um olhar menos "complacente" do Supremo Tribunal Federal, avaliou Janice Ascari, procuradora regional da República, em seminário na PUC-Rio, nesta terça-feira. Organizado pela SIP, com o apoio da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, o encontro Falhas e brechas da Justiça: Como evitar a impunidade nos crimes contra a imprensa reuniu jornalistas, advogados e acadêmicos em torno deste desafio. Embora tenham reconhecido progressos, eles ressaltaram a necessidade de aperfeiçoamentos para resguardar o exercício jornalístico dos riscos contra a integridade.
– O jornalista precisa ter segurança e autonomia para exercer o ofício, essencial à democracia – lembrou o professor Leonel Aguiar, coordenador de Jornalismo, ao mediar a primeira rodada de discussões – Somos uma universidade onde nós lutamos, e vamos continuar sempre lutando pelos direitos humanos, pelo avanço do processo democrático, pela garantia do exercício da profissão de jornalista, pela liberdade de expressão e pela liberdade de imprensa.
Não se trata de querer proteção especial para o jornalista, mas de assegurar que a profissão tenha condições de corresponder ao compromisso democrático, esclareceu o jornalista Marcelo Moreira, da TV Globo, mediador da segunda rodada de debates. Moreira admitiu que a autonomia da imprensa brasileira está em nível superior comparada com as intimidações e os vilipêndios sofridos por jornalistas em países vizinhos, embalados pela presunção de impunidade. Ele ressalvou, no entanto, que "ainda estamos longe do ideal".
Um dos caminhos para se reduzir o risco de impunidade é o da "federalização" do processo, sugeriu Janice (foto). A apreciação do crime passaria a ser competência da Justiça Federal, e assim o julgamento ficaria imune a influências de poderes locais.
– Quando o caso é apreciado por pessoas menos sujeitas a envolvimentos locais, o processo torna-se menos burocrático, mais ágil. Ninguém está preocupado com o que vai acontecer com o prefeito ou o governador do local. Cumpre-se simplesmente a lei – argumentou a procuradora.
O jornalista Marcel Leal lembrou que o processo referente ao assassinato do pai, Manuel Leal de Oliveira, diretor do jornal baiano A Região, ilustra a corrupção das investigações pelo poder local. Segundo Marcel, Manuel pagou a conta pelas denúncias de desvio de verba na prefeitura.
– Após a morte, a polícia sequer foi ao local do crime para isolá-lo. Só apareceu uma semana depois. O delegado responsável pela investigação reunia-se com o prefeito. Foi escolhido um promotor que assinava documentos sem ter participado efetivamente do processo – contou – É importante taparmos essas brechas no Ministério Público. O promotor que acompanha um caso desse não pode ser da cidade. Ele já é amigo do prefeito, do delegado...
Para Marcel, a melhor proteção ao jornalista seria ”publicar ameaças e manobras sofridas sempre na primeira página”. Ele acredita que, se o pai tivesse denunciado as ameaças que sofrera feitas, talvez ainda estivesse vivo.
Sidnei Basile, vice-presidente regional do Comitê de Liberdade de Imprensa e de Informação da SIP, observou a importância da cidadania para aperfeiçoar as condições jurídicas referentes ao exercício jornalístico. Ele considera o assassinato de Tim Lopes, em 2002 um caso emblemático:
– O assassinato de Tim criou uma consciência pública e uma pressão sobre as autoridades e a delinqüência. O desejo pela justiça tomou proporções inimagináveis. Mas uma coisa é certa: você pode matar um jornalista, mas não o jornalismo, é essa a batalha que está sendo ganha no Brasil.
A observação de Basile (foto) foi compartilhada por Angelina Nunes, diretora da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Para ela, a morte de Tim Lopes representou um divisor de águas e trouxe avanços no envolvimento social:
– Houve uma grande organização em torno de um objetivo comum: o de fazer valer a justiça. A partir daí, as autoridades passaram a tratar o assunto com mais cuidado e a população, a vê-lo com menos conformismo.
Viviane Tavares (foto), promotora do caso Tim Lopes, admitiu que a pressão popular favoreceu a relativa celeridade do processo, mas confessou-se "desalentada" com a execução penal. Para ela, a lei ainda cultiva brechas para a impunidade. Na opinião da promotora, a diminuição da pena, por exemplo, deveria adotar critérios mais rigorosos:
– Em 2003 era exigido um exame criminológico para o preso, um atestado médico de que ele teria condições ao beneficio e não voltaria a cometer crimes. Hoje, para ganhar a progressão de regime, basta que o preso cumpra o prazo e receba do diretor do presídio uma declaração de bom comportamento carcerário.
Os debatedores também apontaram a qualificação das investigações como um caminho obrigatório para afastar a sombra da impunidade. Para Fernando Matos, diretor do Departamento de Defesa dos Direitos Humanos da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, a eficiência da investigação policial ainda está muito longe do ideal:
– A gente fala em sistema de justiça e segurança, mas nós não temos um sistema de justiça e segurança. Sou a favor do poder de investigação pelo Ministério Público. Dessa forma, talvez não seríamos enganados com os balanços no fim do ano: a Polícia civil dizendo que fez tantas investigações, a PM dizendo que prendeu tantas pessoas, o sistema presidiário, que recebeu novos "hóspedes"... – argumentou Matos, coordenador do Programa de Proteção à Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita)
Criado por lei em 1999 e instituído em 19 unidades federadas, o Provita pode servir também como suporte aos direitos dos jornalistas. No encontro, foi proposta uma associação entre o programa e a SIP:
– Quando houver casos de ameaça contra jornalistas, o contato entre a SIP e o programa de proteção às vítimas e testemunhas garantiria mais direitos para esses profissionais. Isso colaboraria para a qualidade da informação – observou Matos.
Na parte da tarde do seminário, foi exibido o documentário Jornalismo de risco no Rio de Janeiro, do fotojornalista e pós-graduado em Imagem e Ética pela PUC-Rio Guillermo Planel. O vídeo mostra como é feito o registro da violência no estado e o cotidiano dos jornalistas que trabalham em coberturas investigativas. Segundo Planel, o cinegrafista Junior Alves, homenageado no filme, é um dos que mais se arriscam para contar histórias de conflitos armados.
Durante o debate sobre o documentário, o diretor afirmou que o jornalismo esqueceu a comunidade como fonte de informação.
– É estranho ver que o jornalista se coloca atrás do policial armado. O fato de repórteres entrarem nas comunidades com coletes à prova de balas é uma ofensa aos moradores que circulam sem proteção.
Após a exibição do vídeo, a palestra Impunidade na América Latina: a justiça brasileira está melhor preparada para lidar com os crimes contra a imprensa? discutiu a impunidade em casos de assassinatos de profissionais da imprensa no exercício da profissão.
Clarinha Glock, jornalista e representante da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e que participa da Unidade de Resposta Rápida (URR), falou sobre os casos não resolvidos e desconhecidos do grande público. Seu trabalho na URR consiste em investigar e recolher provas e testemunhas para reabrir casos arquivados. O acompanhamento de todo processo do julgamento é feito até que a situação seja resolvida.
Segundo a jornalista, fatores como investigação inicial mal feita, perícia incompleta, testemunhas desaparecidas ou casos muito antigos prejudicam a retomada de alguns processos. Isso aconteceu, por exemplo, no caso do repórter Nivanildo Barbosa Lima, encontrado morto
Clarinha reforçou, ainda, a importância dos meios de comunicação para a divulgação desses casos.
– Desde que a SIP, a ABRAJI e outras entidades voltaram-se para essas questões que não tiveram tanta repercussão, a mídia passou a dar mais destaque para elas. Quando um profissional da área é agredido ou assassinado, no mesmo dia vira notícia.
Como precaução, a jornalista alertou os profissionais a terem um comportamento ético, que garanta respeito e proteção. Além disso, chamou a atenção para que a matéria seja assinada por mais de uma pessoa, para desviar o foco de possíveis ataques. Ela aconselhou os iniciantes a entrarem em contato com jornalistas locais, presidentes de associações de moradores e informarem-se bem para evitar riscos desnecessários quando forem fazer matérias em regiões consideradas perigosas.
A palestrante elaborou um mapa de jornalismo de risco no Brasil, entre 2004 e 2006. Além disso, repórteres mapearam regiões na Colômbia e no México. Para Clarinha, a fronteira é a área de maior perigo, pois o pistoleiro pode matar e seguir para o outro lado com a certeza da impunidade.
A jornalista citou também as diferenças de risco nas regiões do Brasil. Para ela, a situação da região Sul é diferente, por exemplo, da região Nordeste. Segundo a palestrante, os estados do Rio Grande do Sul, São Paulo e Brasília têm atuação jurídica muito forte e, por isso, raramente ocorrem atentados. Já o Nordeste tem riscos para temas específicos, como prostituição e crimes de colarinho branco. No Norte, os problemas são ligados ao desmatamento, má relação com fazendeiros e questões ligadas à terra.
Marcelo Moreira, vice-presidente da Abraji e conselheiro do International News Safety Institute (INSI), relacionou a impunidade dos crimes no Nordeste e no Norte, marcados pela forte presença do coronelismo nas cidades pequenas, com os crimes nas regiões Sudeste e Sul e com o restante da América Latina. Para ele, México e Colômbia são países onde a impunidade ocorre em graus muito elevados. Por analogia, a situação nas regiões Norte e Nordeste do Brasil se equivale à do México e da Colômbia.
– O Brasil, de 2009 até hoje, deixou de estar na 13ª posição para não figurar mais no ranking. A situação do país não é considerada ruim internacionalmente, apesar de todos os crimes citados.
Segundo o palestrante, os crimes contra profissionais da imprensa continuam pela falta de punição, e a impunidade gera o problema da auto-censura. Dessa forma, o jornalista, por medo e desconfiança no sistema do país em que vive, deixa de exercer sua principal função, que é informar e ser a voz da sociedade.
– A punição dos crimes deve ser igual em todo país, tanto nas regiões Nordeste e Norte, como no Sul e Sudeste - finalizou.
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