Depois das sucessivas negociações com setores da sociedade incomodados com o texto original do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), o ministro Paulo Vannuchi, mostrava-se aliviado com o fim dos sinais de fumaça. “A polêmica pode estar se encerrando”, disse o titular da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, ao ministrar a Aula Magna de Direito, na PUC-Rio. O perigo de incêndio no ano eleitoral foi debelado com as concessões do novo texto, encaminhado pelo presidente Lula ao Congresso nesta quinta-feira. Nem a nota assinada por PSDB e DEM, na qual tucanos e democratas se comprometem em lutar contra o PNDH, ameaçou a sensação de dever cumprido:
– [A nota] é uma ferramenta de pressão política, influenciada pela eleição – contemporizou o ministro – Tenho certeza de que, passado esse período eleitoral, a defesa dos direitos humanos será retomada como ação do estado, qualquer que seja o resultado das urnas.
Diante do reitor da PUC-Rio, padre Jesús Hortal S.J.; da presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, Margarida Pressburger; do diretor do Departamento de Direito, professor Adriano Pilatti e do professor e deputado estadual Alessandro Molon (PT-RJ), Vannuchi afirmou que o “famoso e distorcido” PNDH-3 representou um avanço na luta pelos direitos humanos – “uma discussão apartidária”–, mas admitiu ter recuado para contemplar os segmentos da sociedade insatisfeitos com o documento, como as Forças Armadas, empresas de comunicação e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Foram extraídos do texto original, por exemplo, o trecho que proibia a exibição de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos e o que criava um ranking de comprometimento dos veículos de comunicação com os direitos humanos.
Para atender os militares, a expressão “repressão ditatorial” foi substituída por “violação dos direitos humanos”. Assim, os crimes cometidos pela guerrilha de esquerda entrariam também na mira da Comissão Nacional da Verdade, destinada a investigar abusos durante o regime militar.
– Ninguém vai concordar com tudo. Haverá contrários, mas que fique claro que este não é um documento chavista ou bolivarista como disseram por aí – disse Vannuchi.
Com o tema Direito à Verdade e à Memória, a aula do ministro foi precedida pela apresentação de seis filmetes da campanha da OAB/RJ pela "memória e verdade". Os professores e alunos presentes foram convidados a aderir a um abaixo-assinado pela abertura definitiva dos arquivos da ditadura.
– É um apelo por justiça, não por revanchismo. Queremos apenas dar uma satisfação às famílias que até hoje não têm notícias desses desaparecidos – explicou Margarida Pressburger.
O ministro observou que a Comissão da Verdade tem "apenas objetivos humanitários". É direito dos familiares "saber o que aconteceu com os seus entes".
– Espero que as Forças Armadas entendam que a sociedade espera delas um posicionamento humanitário. Em tempos de democracia, o melhor para os militares é a separação entre o joio e o trigo, para que essa culpa não pese para sempre sobre a instituição – argumentou.
O ministro fez questão de lembrar, na aula, os 122 anos da assinatura da Lei Áurea. Embora reconhecesse a "data importante para o país", o ministro ressalvou que o Brasil precisa avançar muito na promoção da igualdade racial:
– Ter um ministro negro no Supremo Tribunal Federal [Joaquim Barbosa] é motivo de comemoração, mas temos que lutar para que pelo menos metade da corte seja de representantes da raça negra, acompanhando a demografia do nosso país – exemplificou.
A mesma lógica ele aplicou ao "direito das mulheres". Num país em que a metade da população é do sexo feminino, Vannuchi classificou como inadmissível o fato de apenas 1% delas estar à frente de grandes empresas. O ministro defendeu ainda a “reconstituição” dos povos indígenas.
Polêmica
O Programa Nacional de Direitos Humanos causou polêmica desde o anúncio de seu lançamento. Em janeiro desse ano, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, ameaçou deixar o cargo se o projeto original não fosse alterado. Comandantes das Forças Armadas chegaram a ameaçar uma renúncia coletiva diante da possibilidade de militares serem investigados e punidos por eventuais crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-1985).
O secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, chegou a anunciar que poderia deixar o cargo devido ao desgaste político resultante das críticas ao programa. O ministro discordava da possibilidade de militantes da esquerda armada durante a ditadura militar (1964-1985) serem investigados, como exigiam o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e as Forças Armadas.
Setores da mídia também se posicionaram contrárias a proposta alegando que o PNDH-3 propunha o controle social da mídia e o cerceamento da liberdade de imprensa. Já a Igreja posicionou-se contra a proposta de descriminalização do aborto e da retirada de símbolos religiosos de instituições públicas.
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