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Rio de Janeiro, 2 de maio de 2024


Campus

Seminários na PUC discutem liberdade de imprensa

Luísa Sandes - Do Portal

18/05/2010

Getty Images

No último dia 12 de maio, o governo brasileiro recuou nos pontos relativos à imprensa sugeridos no seu Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH3), apresentado em janeiro. Entre outros objetivos, o programa pretendia, segundo o próprio documento, suspender o patrocínio e a publicidade ou mesmo não renovar as concessões de veículos que atentassem contra os Direitos Humanos em sua programação. Esse e outros assuntos, como a liberdade de expressão, a segurança dos jornalistas e a impunidade em relação a crimes contra a imprensa, serão debatidos em dois seminários, nos dias 18 e 19 de maio, promovidos pelo Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, em parceria com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).

O primeiro seminário, Falhas e brechas da Justiça: como evitar a impunidade nos crimes contra a imprensa, teve como foco a discussão jurídica. A intenção foi discutir que mudanças podem ser feitas para que a lei existente seja cumprida nos casos de crimes contra jornalistas e para que o Estado dê mais segurança à atividade jornalística.

 Divulgação/TV Globo Um dos crimes mais conhecidos contra jornalistas, por exemplo, foi o assassinato de Arcanjo Antonino Lopes do Nascimento, o Tim Lopes, que era produtor da Rede Globo. Por volta das 17h de 2 de junho, o jornalista foi até a favela Vila Cruzeiro, no bairro do Complexo do Alemão, subúrbio do Rio de Janeiro, com uma microcâmera escondida em uma pochete que levava na cintura. Ele planejava gravar imagens de um baile funk no qual ocorria exploração sexual de adolescentes e venda de drogas.

Sete acusados pelo crime foram condenados, entre eles, o traficante mandante do assassinato Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, um dos líderes do grupo criminoso Comando Vermelho. Em 19 de setembro de 2002, 109 dias depois do assassinato de Tim Lopes, o traficante foi capturado na Favela da Grota. Ele recebeu a sentença de 28 anos e seis meses de prisão, por homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver e formação de quadrilha. Elias Maluco cumpre a pena no presídio de segurança máxima em Catanduvas, no Paraná.

Três anos depois da morte de Tim Lopes, todos os acusados já haviam sido condenados. Em 2005, o último réu, Ângelo Ferreira, recebeu sentença de nove anos e quatro meses de prisão, menor pena entre todos, pois colaborou com a polícia. Juntas, as penas dos assassinos somaram 155 anos de prisão. Entretanto, um dos criminosos, Elizeu Felício de Souza, o Zeu, fugiu do presídio após ser beneficiado pela conquista do regime semiaberto. A polícia informou que ele saiu para visitar a família e não voltou mais.

Apesar dos assassinos de Tim Lopes terem sido condenados com rapidez, a maioria dos casos de crime contra jornalistas fica impune. Um exemplo é o homicídio de Manuel Leal, dia 14 de janeiro de 1998, na Bahia. Fundador do jornal A Região, ele foi morto quando voltava de carro para casa.

– A grande mídia consegue fazer com que a Justiça aja com eficiência e rapidez. Já a imprensa do interior do Brasil não tem poder de atuar em relação ao Judiciário e, muitas vezes, os autores intelectuais dos crimes se vinculam à alta sociedade, o que impede uma apuração mais rigorosa nesses casos – argumentou o professor Leonel Aguiar, coordenador de Jornalismo do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio. Camila Grinsztejn 

Segundo depoimentos de testemunhas, uma caminhonete com três homens permaneceu estacionada durante várias horas na rua de Manuel Leal, no dia em que o jornalista morreu. A vítima foi atingida por seis tiros quando descia do carro, na porta de sua casa. A família, ao tentar ajudá-lo, correu para a delegacia vizinha e, em seguida, para o Batalhão da Polícia Militar mais próximo, normalmente repleto de oficiais. Porém, encontrou apenas alguns guardas, pois a maior parte das tropas tinha sido enviada para "patrulhar a cidade". O local do crime não foi isolado para a coleta de provas e apenas os cartuchos de balas foram recolhidos pela polícia.

Em dezembro de 1997, o jornalista tinha denunciado as irregularidades do então prefeito de Itabuna, Fernando Gomes, com base em documentos do Tribunal de Contas do Município que atestavam o uso de notas fiscais frias (de empresa de fachada) e superfaturamento. Manuel Leal também acusou o delegado da Divisão de Crimes Contra Fraudes Econômicas e Financeiras, Gilson Prata, de crime de corrupção. O policial tinha sido encarregado de investigar uma fraude relacionada à arrecadação do IPTU e o jornal A Região revelou que, durante as investigações, Gilson Prata recebeu uma “ajuda de custo” de 4500 reais do prefeito e trabalhava o caso no próprio escritório do vice-prefeito.

O caso de Manuel Leal levou o governo brasileiro a reconhecer internacionalmente sua responsabilidade por não ter garantido a liberdade de imprensa no país. Em atendimento à recomendação da Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), o governo fez o pagamento de indenização à família do jornalista no valor de R$ 100 mil. Em 2003, o ex-policial Monzar Castro Brasil, apontado como autor dos disparos, foi condenado a 18 anos de prisão, porém só em 2007 o afastaram da corporação. Mesmo assim, “os autores intelectuais” do crime não foram punidos e, por isso, nesse ano o processo foi reaberto na tentativa de descobrir os mandantes.

De acordo com o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), instituição civil com base em Nova York, 811 profissionais da imprensa foram mortos em todo o mundo desde 1992. Ao mesmo tempo, como afirma o relatório World Press Freedom Review, do International Press Institute, lançado em fevereiro desse ano, o continente americano está em terceiro lugar na lista de regiões onde mais ocorrem crimes contra jornalistas: foram cerca de 162 mortes nos últimos nove anos. A quantidade é menor apenas do que a da Ásia e da África, onde 238 e 202 profissionais da imprensa foram assassinados, respectivamente, durante esse período. 

Segundo Carlos Lauría, coordenador do programa para as Américas do CPJ, as organizações criminosas são mais poderosas que o governo em várias áreas isoladas do Brasil. Desde 1982, de acordo com o Comitê, 20 jornalistas foram mortos no Brasil, 16 deles por motivos diretamente ligados ao exercício da profissão. Esse é o terceiro maior número de assassinatos contra profissionais da imprensa na América Latina. Arquivo pessoal 

– O Estado tem a obrigação de fornecer proteção para os jornalistas, mas infelizmente falha ao tentar garantir esse direito. Os repórteres deveriam se sentir seguros para denunciar a corrupção e o tráfico de drogas sem terem medo de virar alvo dos criminosos. Para isso, o Estado precisa respeitar e aplicar leis que mandam punir os responsáveis pelos crimes contra jornalistas – defendeu Lauría.

O México se tornou o pior lugar para os jornalistas investigativos nas Américas, onde apenas em 2009, pelo menos 11 profissionais morreram. Nesse ano, cinco jornalistas já foram assassinados no país. Logo a seguir vem a Colômbia, nação com maior número de assassinatos contra jornalistas ao longo da história. Desde 1992, 40 jornalistas morreram por terem feito denúncias em reportagens.

Segundo Lauría, a situação de segurança melhorou na Colômbia nos últimos cinco anos, porém muitas mudanças ainda precisam ser feitas. Somente de janeiro a maio de 2010, seis jornalistas foram assassinados no país por motivos que envolvem crimes e disputas regionais.

Da mesma forma, Lauría considera a Venezuela um lugar onde o confronto entre a imprensa e o governo resulta em problemas para os jornalistas, pois, segundo ele, o presidente Hugo Chávez usa todos os recursos que pode para reprimir a imprensa. Um exemplo é o fato do governo venezuelano não ter renovado a concessão do RCTV, um canal de TV que criticava o presidente. Além disso, no último ano, para o coordenador do CPJ, Chávez limitou a liberdade de imprensa do país ao fechar mais de 30 estações de rádio como forma de controlar a informação que circula na Venezuela.

Nesse sentido, o segundo seminário, Liberdade de imprensa: realidade, obstáculos e soluções, terá como foco as garantias de expressão para a atividade jornalística. Segundo o jornalista e professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio Chico Otávio, a liberdade de imprensa é fundamental para que o jornalismo desempenhe um papel de fiscal e porta-voz dos anseios da sociedade em relação às atitudes dos gestores públicos.

Divulgação/O Globo  – Se inibida, essa mesma imprensa deixa de atuar como a sociedade espera e a gestão da esfera pública perde a tão necessária transparência garantidora da qualidade do serviço prestado – disse.

De acordo com o jornalista, hoje as maiores ameaças à liberdade de expressão no Brasil partem de decisões tomadas pelo Poder Judiciário.

– Não quero discutir a importância da legislação até porque acho que o jornalista é um cidadão como outro qualquer, sujeito às leis, mas me assusta muito o perigo que a judicialização da mídia tem trazido para as redações. Muitos jornalistas, com medo de responderem a ações penais ou civis e de terem que ceder espaço do noticiário para o direito de resposta, preferem apelar para a auto-censura, ou seja, não publicar nada como alternativa mais segura ao risco e dor de cabeça de enfrentar uma decisão judicial – afirmou.

Na opinião do coordenador do curso de Jornalismo, Leonel Aguiar, há um conflito entre liberdade de expressão e de imprensa. Para ele, enquanto a primeira é um direito fundamental para o avanço democrático em qualquer sociedade, a outra sofre restrições de acordo com a linha editorial de cada empresa jornalística, que nunca vai ser ampla o bastante de modo a atender aos anseios de liberdade de expressão que a sociedade deseja.

PROGRAMAÇÃO

Falhas e brechas da Justiça: como evitar a impunidade nos crimes contra a imprensa

Dia: 18 de maio de 2010

9h - abertura oficial

Sidnei Basile – Vice-presidente regional do Comitê de Liberdade de Imprensa e de Informação da SIP
Angelina Nunes – Diretora da Abraji
Leonel Aguiar – Coordenador do curso de Jornalismo da PUC-Rio

9h30min - O Código Penal e suas entranhas - artigos e recursos que permitem adiar o cumprimento das leis.

Ricardo Trotti - Diretor de Liberdade de Imprensa e Informação e do Instituto de Imprensa da SIP
Fernando Matos – Diretor do Departamento de Defesa dos Direitos Humanos da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República
Hélio Bicudo - Jurista
Janice Ascari - Procuradora Regional da República
Viviane Tavares - Promotora de Justiça do Rio de Janeiro 
Marcel Leal – Jornalista, filho de Manoel Leal de Oliveira
Mediador: Marcelo Moreira ­– Jornalista 

11h - O que fazer para combater a impunidade? Sugestões práticas (todos os convidados)

INTERVALO PARA ALMOÇO

14h - Lançamento do vídeo Jornalismo de Risco no Brasil, dirigido por Guillermo Planel.

14h30min - Impunidade na América Latina: a Justiça brasileira está melhor preparada para lidar com os crimes contra a imprensa?

Marcelo Moreira – Jornalista e vice-presidente da Abraji e conselheiro do International News Safety Institute (INSI)
Clarinha Glock - Jornalista, integrante da Unidade de Resposta Rápida da SIP no projeto Impunidade.

16h – Encerramento

 

Liberdade de imprensa: realidade, obstáculos e soluções

Dia: 19 de maio de 2010

9h às 9h20 - Cerimônia de abertura

Angeluccia Hebert - Diretora do Departamento de Comunicação da PUC-Rio
Julio C.F. Mesquita - O Estado de São Paulo; ex-presidente da SIP
Chico Otávio - Jornalista do O Globo; Abraji

9h20 às 10h30 - Direitos humanos fundamentais, liberdade de expressão e de imprensa e garantias internacionais e constitucionais

Jessica Carvalho Morris - Faculdade de Direito, Universidade de Miami; Amnesty Internacional
Leise Taveira - Departamento de Comunicação da PUC-Rio
Carlos José Guimarães - Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil

10h30 às 11h - Principais ameaças à liberdade de expressão no Brasil

Chico Otávio - Jornalista do O Globo; Abraji
Leonel Aguiar - Coordenador do Departamento de Comunicação da PUC-Rio

11h às 11h25 - Café

11h25 às 12h10 - Mesa-redonda com estudantes

Moderador: Leonel Aguiar
Ciclo de perguntas dos estudantes

12h10 às 12h25 - Impunidade nos crimes contra jornalistas

Ricardo Trotti - Diretor de Liberdade de Imprensa, SIP

12h30 - Encerramento
Entrega de certificados de participação