O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) divulgou, no fim de abril, a intenção de soltar cerca de 80 mil presos menos perigosos, que seriam monitorados eletronicamente por meio de tornozeleiras. O anúncio foi feito depois do 12º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal, realizado de 12 a 19 de abril, em Salvador. Segundo o Depen, o controle eletrônico desses detentos aliviaria a superlotação do sistema carcerário brasileiro.
De acordo com dados divulgados no ano passado pelo próprio Depen, há 469 mil detentos nas cadeias brasileiras, construídas para comportar apenas 299 mil, o que resulta em um déficit de 170 mil vagas nos presídios. Para piorar a situação, algumas penitenciárias utilizam contêineres, estruturas de metal onde os presos ficam amontoados, como é o caso no Espírito Santo, divulgado recentemente pela mídia e condenado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
No entanto, o déficit de vagas é apenas um dos problemas das prisões no Brasil. Além da superlotação, a falta de água e ventilação, os problemas no atendimento médico e na alimentação dos detentos e a ausência de atividades educacionais são outros aspectos que fazem parte da realidade carcerária do país.
– Quem freqüenta as penitenciárias sabe que não só as condições sanitárias, mas também humanas, são precárias. Há violência interna entre presos e carcerários. A prisão no Brasil é como um barril de pólvora – afirmou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Wadih Damous.
Aline Yamamoto, coordenadora de projetos do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (Ilanud), acredita que se conhece o grau de civilização de uma sociedade pelos seus presídios. Para ela, no Brasil, o sistema penitenciário representa a negação não só da liberdade, mas também dos direitos do indivíduo.
Além da violência entre presos e funcionários, o acesso precário à alimentação e saúde provoca doenças em quem vive nesses locais. Contudo, para a especialista, a prioridade não é melhorar o sistema penitenciário brasileiro, mas construir novos presídios.
– Conheço uma mulher portadora de uma leve deficiência mental que furtou um xampu e por isso foi presa. Ela apanhou tanto na cadeia que perdeu a visão. Infelizmente, esse caso não é exceção – contou a coordenadora de projetos do Ilanud.
Uma alternativa para reduzir a quantidade de presos é a aplicação de penas alternativas. Para Aline, além disso, deveria haver uma mudança na lei para que esse tipo de sentença abrangesse mais casos. O modelo brasileiro que utiliza a medida é reconhecido pela ONU como uma das melhores do mundo. A organização recomenda, inclusive, que outros países sigam a prática.
De acordo com o professor do Departamento de Direito da PUC-Rio e membro do Conselho Penitenciário Estadual, Breno Melaragno, o monitoramento eletrônico nas tornozeleiras dos presos é uma forma de diminuir a superlotação penitenciária.
– O monitoramento eletrônico por meio de tornozeleiras, que poderia levar à libertação de 80 mil detentos, é muito válido para quem está cumprindo pena em regime semiaberto, aberto, livramento condicional e até para aplicação de pena alternativa. A maior parte dos juristas reclama porque isso feriria a dignidade da pessoa humana, mas eu não concordo com eles. Isso não impediria o preso de cometer novos crimes, mas seria um controle da rotina dos presos – declarou o professor.
Outra forma de medidas alternativas é a aplicação de penas restritivas, que têm curta duração, até quatro anos de condenação. Podem ser usadas para crimes praticados sem violência ou grave ameaça, como uso de drogas, acidente de trânsito, violência doméstica, abuso de ou desacato à autoridade, lesão corporal leve, furto simples, estelionato, ameaça, calúnia e difamação.
– Hoje, na prática, o sujeito em regime semiaberto vai para um estabelecimento prisional menos rígido e pode trabalhar dentro ou fora do sistema. Ele sai de manhã e volta à noite e pode receber um benefício chamado visita periódica ao lar. O problema é que desse modo eles podem fugir. Alguns dos que não voltam, cometem crimes. Aí vem o questionamento do porquê do benefício – disse Melaragno.
Segundo o Ministério da Justiça, o direito à educação para população prisional é garantido pela Constituição Brasileira e pela Lei de Execução Penal, entretanto apenas 18% dos detentos do país estão em atividades educacionais, enquanto 70% deles não têm o ensino fundamental completo.
Um programa chamado Diretrizes Nacionais para Educação nas Prisões, do Ministério da Justiça, aprovado em fevereiro desse ano, prevê políticas educacionais para os detentos brasileiros. O programa, no entanto, ainda precisa passar pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação. Além disso, apesar do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhecer a remissão de pena pelo estudo, a proposta ainda não faz parte da Lei de Execução Penal.
A Lei de Execução Penal deveria garantir, ainda, o direito à saúde e ao trabalho. Entretanto, de acordo com o professor Melaragno, Bangu 5 é uma das poucas penitenciárias que proporcionam aos presos o direito de ter uma ocupação. A cada três dias de trabalho, o preso diminui um dia da sua pena. Conforme a Lei de Execução Penal, “o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena”.
Segundo Aline Yamamoto, há poucas políticas de apoio aos presos para que eles consigam um emprego. Além de serem insuficientes, o preconceito em relação ao detento agrava sua falta de acesso ao mercado de trabalho, pois ele é muitas vezes excluído do processo de seleção. Aline contou que dentro de algumas prisões funcionam empresas, a maioria de trabalho manual. Contudo, não há vaga para todos, o que torna o direito de trabalhar um benefício para poucos.
As condições desumanas do sistema carcerário são agravadas no Espírito Santo, onde mais de 400 pessoas estão presas em contêineres de estruturas de metal. O uso delas se deve à superlotação das penitenciárias, já que há um déficit de cerca de 4 mil presos em relação ao espaço das prisões do estado.
Esse tipo de tratamento conferido aos presidiários resultou em uma reclamação da ONU e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que fez um acordo com o governo estadual para que esse tipo de cela seja desativado até agosto. Como alternativa, os presos mais perigosos podem ser levados para cadeias comuns e os outros para prisão domiciliar.
– O uso de contêineres é completamente desumano, quase inacreditável, comparável aos campos de concentração – denunciou Aline.
Para o professor Melaragno, o Poder Executivo trata o sistema penitenciário como "lixo social", e a precariedade das prisões é resultado da falta de políticas prisionais. O professor acredita que para mudar essa situação crítica, é preciso de infraestrutura material e humana.
– Conheço um rapaz de classe média que foi preso por tráfico de drogas. Ele ficou em uma carceragem que tinha capacidade para 20 presos, entretanto reunia mais de cem. Havia apenas um lugar entupido para eles fazerem as necessidades fisiológicas, por isso urinavam para fora da cela e estavam proibidos de defecar. Os dez dias que o rapaz passou na carceragem bastaram para ele desenvolver fobias psiquiátricas e pegar duas doenças – contou.
De acordo com o presidente da OAB, Wadih Damous, boa parte dos presos que cometem pequenos delitos saem da cadeia "pós-doutorados
– Nunca conheci ninguém que tenha saído recuperado da prisão no Brasil. O detento só sai de lá mais ressentido do que entrou e tem péssimas condições de adaptabilidade na sociedade, que tem preconceito e desconfiança em relação ao ex-presidiário. O Estado não promove políticas para recuperá-lo ou ajudá-lo – declarou.
Aline Yamamoto também chamou atenção para a falta de políticas específicas para os presídios femininos, já que a cada ano aumenta mais o número de mulheres presas. O Estado não disponibiliza absorventes e, muitas vezes, elas precisam usar pedaços de pão para substituí-los. Há ausência, também, de cuidados especiais com mulheres grávidas e de quadras de esporte nos presídios femininos.
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