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Rio de Janeiro, 2 de maio de 2024


Campus

Livro consolida novo método para ensino da física

Clarissa Pains - Do Portal

03/05/2010

 Fotos: Camila Grinsztejn


Física do Movimento: observar, medir, compreender, Maria Matos

A experiência começou com uma turma piloto de nove alunos. Atualmente, são 16 turmas, mais de 400 estudantes. Desde 2004, a disciplina Mecânica Newtoniana A, a primeira cadeira de física que o calouro do Ciclo Básico do CTC (Centro Técnico-Científico) da PUC-Rio enfrenta, deixou de lado as aulas expositivas, está mais próxima do curso de cálculo e oferece mais tarefas dentro do laboratório. Tudo isso para desmistificar a imagem de bicho-papão que a física “conquista” mesmo entre alunos de engenharia.

Neste semestre, foi lançado pela Editora PUC-Rio o livro Física do movimento – observar, medir, compreender, que reúne o conteúdo dos vários roteiros de aula produzidos a partir da nova metodologia. A resposta dos estudantes é positiva. Desde que o método foi implementado, aumentou de 40% para 60% a aprovação nas matérias seguintes à Mecânica Newtoniana A, o que demonstra um melhor preparo dos alunos para lidar com os temas da área. 

Hoje, 12 professores lecionam a disciplina, mas vários participaram de sua reformulação. Durante o período de elaboração desse projeto, que durou cerca de um ano, esses professores se reuniram semanalmente e prepararam ementas de física e cálculo compatíveis entre si. Em paralelo a esse esforço de integração das disciplinas do Ciclo Básico, o curso de física realizou uma integração entre teoria e laboratório.

Em conversa com o Portal PUC-Rio Digital, a professora Maria Matos, organizadora de Física do Movimento – observar, medir, compreender, explicou que a nova proposta é aprender física a partir de situações-problema, ajudando o aluno a desenvolver o seu raciocínio próprio.

Portal PUC-Rio Digital: Por que a disciplina Mecânica Newtoniana A foi reestruturada?

Maria Matos: Nós percebemos uma necessidade de dar aos alunos que entram uma ajuda maior nas matérias de física e cálculo para continuarem o Ciclo Básico com mais preparo, mais tranquilidade, dada a exigência dos cursos. A proposta era ensinar física a partir da observação experimental em laboratório. A física descreve o mundo real, então, antes de começar a aprender a teoria, o aluno deve fazer experimentos, tomar medidas, entrar em contato com esse mundo real. A partir da vivência no laboratório, são introduzidos os conceitos, percebidos no próprio experimento, o que ajuda muito a compreensão. Esses conceitos deixam de ser uma simples fórmula, uma noção abstrata, e passam a ser algo que o aluno mediu com as próprias mãos, o que ajuda a desenvolver o raciocínio formal. Em sala, os professores levavam muito em conta as dúvidas dos alunos para aprimorar os roteiros de aula. Eles propunham problemas, experiências, análises de experimentos, discussões. O livro se originou do processo de interação com os alunos em sala.

P: O que diferencia esse novo método de curso de um tradicional?

MM: O uso do laboratório como elemento de aprendizado, e não apenas como ilustração. Começar a aprender conceitos de física no laboratório é o maior diferencial. O aprendizado se dá dentro de um processo construtivo de aprendizado que envolve a observação experimental. A metodologia também se diferencia da tradicional porque não há aulas expositivas. A matéria é ensinada por meio de situações-problema que são resolvidas pelos próprios alunos.

P: Qual foi o maior desafio na implementação da nova metodologia?

MM: Para nós, professores, foi aprender a fazer a pergunta certa na hora certa para que o aluno possa responder usando o seu conhecimento. Isso tem que ser bem equilibrado porque se for muito difícil o aluno não consegue ultrapassar aquela etapa e fica extremamente dependente do professor. Se for muito fácil fica desestimulante. Foi uma experiência de acertos e erros: quando propúnhamos um experimento, tínhamos em mente onde queríamos chegar, mas, em sala, surgiam outras questões e dúvidas dos alunos que não haviam sido pressupostas pelo professor. Surgiu, por exemplo, a figura do observador, que tem hoje grande importância nesse curso, muito mais do que em qualquer curso tradicional. Quando se mede, por exemplo, a posição de um corpo, é preciso um sistema de referência, que na maioria das vezes é definido para o aluno previamente. No curso Mecânica Newtoniana A, o próprio aluno cria um sistema de referência por meio do processo de medição. Assim, ele compreende qual é o papel dele enquanto observador na obtenção daqueles dados. Numa segunda etapa desse experimento, seria introduzida a noção de um segundo observador, com outro sistema de referência. Dessa forma se discute a relação entre observadores e a questão do referencial na física, que é muito relevante. Toda a teoria da relatividade foi pensada com base nisso. Duas pessoas  fazendo a mesma medição, mas usando referenciais diferentes, podem chegar a resultados diversos em algumas grandezas. Isso aparece logo nas primeiras aulas do curso e foi inesperado a princípio, o que é interessante porque mostra que quando você vai para o laboratório o conhecimento está para ser redescoberto. Esse processo é bem mais complexo do que você pegar um livro onde tudo já foi feito, tudo já foi explicado e ali se apresenta o resultado. O processo do laboratório é muito rico e se for bem explorado pode ajudar muito o aprendizado da física. Grandes pensadores levaram anos para formular os tópicos da física de maneira clara e, em geral, apresentamos esses tópicos complexos ao aluno como se fossem óbvios. Quando o ele vai ao laboratório, pode compreender muito melhor como esses pensadores chegaram lá.

P: Qual a importância desse novo método para o ensino da física em geral?

MM: Esse método é importante principalmente para a física básica. Acredito que o laboratório também ajudaria muito no trabalho com forças e vetores, assim como na parte da eletricidade e do magnetismo. Os alunos iriam ao laboratório observar um fenômeno antes de se formalizar a expressão matemática daquela lei. Eu sempre acreditei na importância de se concretizar o raciocínio formal, de se ter um esquema para organizar o pensamento. Assim, se desenvolve também a visão espacial. Uma das grandes causas da dificuldade no aprendizado da física é o fato de o aluno não conseguir ver que a fórmula no papel representa um fenômeno existente no mundo a sua volta. Ajudar o estudante a vivenciar isso até o estimula, porque sua participação aumenta.

P: Quais as principais diferenças entre um aluno que fez Mecânica Newtoniana A tradicional e um que experimentou esse novo curso?

MM: Segundo os professores e monitores dos cursos subsequentes, é mais fácil trabalhar com os alunos que fizeram o novo curso, o tipo de pergunta que eles fazem denota mais clareza. Em geral, eles têm uma assimilação maior dos conceitos básicos da física. Como consequência, o nível de aprovação nos cursos seguintes também é maior.

P: Esse método pode ser levado para outras disciplinas?

MM: Acredito que ver o fenômeno antes de formalizá-lo, levar o aluno a transformar aquilo que mediu em uma expressão matemática lógica, possa ser tentado em outras disciplinas. A Física é a chamada “ciência por excelência”. O método de ensino que experimentamos tem inspiração no próprio método científico, na maneira como o cientista trabalha. A física se construiu a partir da observação. A grande revolução da ciência moderna foi Galileu, que resolveu começar a medir coisas e relacionar as medidas que obtinha. Mas, embora esse método científico seja próprio da física, talvez pudesse se fazer algo semelhante em outra ciência. Na química, por exemplo, que teve sua face moderna iniciada com Lavoisier pesando os gases.

P: Poderia ser experimentado também no Ensino Médio?

MM: O papel do laboratório como iniciador no aprendizado é muito importante. No Ensino Médio, principalmente, seria muito bom experimentar algo assim. Se isso fosse feito na escola, talvez não precisássemos fazê-lo na universidade. Aí seria um ganho fenomenal: colocar os alunos dentro do laboratório, onde eles fariam experiências, por exemplo, com luz refratada, luz refletida. Eles se perguntam o que é isso, mas veem isso o tempo todo, no dia a dia. Usar o laboratório para aprender física é diferente de visitar um museu de ciência, porque, apesar de o museu despertar o interesse, lá ninguém aprende. Não basta olhar um experimento, é preciso medir, relacionar medidas, tentar transformar o que você vê em uma lei física ou uma expressão matemática. A passagem da observação para a formalização é o principal. Por isso, acredito que há muito a ser aperfeiçoado na escola secundária. Hoje, as ementas estão muito aceleradas: em três anos, os alunos “aprendem” praticamente toda a física. No entanto, é um ensino muito superficial, um tanto simplista, de uma disciplina que não é nada simples. O que é dado no curso Mecânica Newtoniana A em um semestre, é dado num livro tradicional em dois capítulos, o equivalente a cerca de duas semanas de aula. Acredito que, para um aprendizado eficiente, o conteúdo básico do Ensino Médio teria que necessariamente diminuir. Aí as provas de vestibular teriam de levar isso em conta, porque o vestibular sinaliza para as escolas o que a universidade quer. Não faz sentido propor uma questão sobre magnetismo a um aluno que não entendeu qual o papel da gravitação, algo que ele vê todo dia. Até que ponto isso está funcionando? O que vemos é que não está.