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Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


Cidade

Ele estuda por um lugar no céu

Fabiana Paiva - Do Portal

20/12/2007

Mal sobra espaço para se locomover. Pilhas e mais pilhas de livros, revistas e jornais se amontoam no pequeno quarto que serve de moradia para o porteiro do Edifico Flamboyant, no Alto Leblon. O ambiente, além de dormitório, é utilizado como redação do jornalzinho local editado por Edílson Lima, aluno do 6º período de Serviço Social da PUC. Poderíamos estar falando de mais uma publicação feita por amadores, mas esta tem uma característica peculiar: é exclusivamente pensada para dialogar com os empregados domésticos da região.
Sereno e sempre sorridente, Edílson conta, entre um chamado e outro dos moradores do edifício, que a idéia de criar um veículo voltado para pessoas de sua classe social surgiu da paixão pela leitura. Inconformado com o pouco conhecimento dos colegas, o estudante decidiu compartilhar o aprendizado adquirido durante a faculdade.
– Ele (Edílson) é um exemplo para todos nós porteiros. É guerreiro e nos motiva a estudar. O cara é um caso raro. Vir do Nordeste e conseguir estudar na PUC é difícil, destaca Severino da Silva, amigo e colaborador do Jornal do Alto Leblon.
Nascido e criado em Mamanguape, interior da Paraíba, Edílson começou a trabalhar como ajudante numa oficina mecânica com quinze anos. Aos dezenove, com apenas a 8ª série concluída, decidiu vir para o Rio de Janeiro em busca de melhores oportunidades e dar continuidade aos estudos. “Percebi que lá eu não ia conseguir muitas chances e nem entrar na universidade”, conta o estudante.
Chegou ao Rio em março de 2001 e, meses depois, já dava início à dura rotina. Durante o dia, trabalhava na portaria do edifício e, à noite, fazia o Ensino Fundamental no Colégio André Mauróis, no Leblon. Para alcançar o sonho universitário, ele não se deixou abater pelo cansaço e cursou, paralelamente ao terceiro ano, o Pré-Vestibular Comunitário oferecido aos sábados, no mesmo colégio.
– Foi um processo doloroso e difícil. Era um pique impressionante. Até eu me perguntava: “Como que eu agüento?” Mas tudo resultou em vitória e consegui passar para a PUC-Rio com uma bolsa de 100%, comemora Edílson.
Engana-se quem pensou que ele ia parar por aí. Com o passar do tempo, o número de atividades se intensificou e hoje, aos 25 anos, o estudante se divide entre cinco funções diferentes. Das 7h às 16h30m, trabalha como porteiro. Em seguida, sai correndo para a aula que começa às 17h na Universidade. Aos sábados, atua como professor voluntário no Pré-Vestibular onde estudou. Duas vezes por semana, faz estágio pela manhã no Instituto Nossa Senhora de Lourdes, no Parque da Cidade. E, além disso, edita o Jornal do Alto Leblon. Ufa.
– Isso é para você ver como o cara luta. O Edílson serve realmente de espelho. Aqui devem ter mil porteiros. Procure saber quem faz o que ele faz, elogia Silva, que começou a cursar pré-vestibular por incentivo do amigo. Ele é meu ídolo. Depois de 30 anos meu filho voltou a estudar por causa dele, completa Sebastião da Silva, porteiro e colunista político do jornal.
A vontade de atuar na área social e intervir na realidade foi o que motivou Edílson a criar a publicação. “Quero espalhar conhecimento. O caráter do jornalzinho é fazer com que as pessoas amem a leitura. Sem isso, a vida fica sem sentido”, afirma o estudante.
Editada no word e impressa numa folha A4, a publicação quinzenal traz as notícias que estão na mídia com uma linguagem mais simples. Prestes a completar um ano no dia 15 de dezembro, o jornal faz sucesso na região. Se no início eram só vinte exemplares, hoje são 300, distribuídos nos prédios do bairro e nas salas de aula onde Edílson estuda.
Nos grandes jornais o leitor opina através do espaço destinado à Carta dos Leitores, já aqui, o processo de sugestão é diferente. Os empregados passam na portaria e discutem com Edílson sobre o tema gostariam de ler no jornal. “Depois de escrever mostro para a pessoa ver se era o que ela tinha pensado”, explica Edílson, que realiza as reuniões de pauta no play do prédio.
– É um jornal que dá voz a quem não tem. São assuntos que, muitas vezes, estão restritos a um pequeno grupo. E nós os tratamos com simplicidade, afirma Monique Lomeu, colunista da publicação e namorada do estudante. Monique, que estuda com Edílson, não se queixa do pouco tempo que sobra para o lazer do casal.
Para ela, a iniciativa do namorado só reafirma a disponibilidade que ele tem em se doar para os outros. “Além disso tudo, quando dá, ele monta grupo de estudos para ajudar os colegas”, conta.
Mesmo com a rotina apertada, o estudante sempre dá um jeitinho de manter a leitura dos textos sempre em dia. Quando o movimento na portaria diminui, ele aproveita para ler os jornais e também o conteúdo passado pelos professores.
– Ele tira pouco tempo para se distrair. Às vezes, desce durante cinco minutinhos, contados no relógio, e volta para estudar. Mas, apesar de ser muito atarefado, não o vejo reclamar de nada. Está sempre sorridente, declara Severino da Silva.
Segundo a professora Verónica Turrado, do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio, o aluno é um exemplo de quem consegue conciliar muitas atividades, desenvolver o prazer de aprender e empreender novos desafios.
– Trata-se de um aluno que precisa diariamente vencer o cansaço e renovar a sua motivação. Com suas experiências, ele melhorou a capacidade de participar e analisar esta realidade social cada vez mais complexa e a pensar vias para intervir nela, avalia Verónica, que deu aula para Edílson no primeiro e agora no sexto período.
Caçula de sete irmãos, e o único a entrar na universidade, Edílson mantém sonhos normais para os jovens da sua idade: ter um bom emprego na área social, casar, ter uma casa própria e um carro. Mas, além destes, a paixão pelo conhecimento o incentiva a prosseguir.
- Até aqui foi um caminho. Mas não posso parar por aqui. Quero fazer mestrado, doutorado e me tornar professor universitário. O espaço acadêmico, para mim, é o céu. É como se fosse o mundo das idéias, afirma Edílson.