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Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


Cultura

Velhos e novos hábitos compõem a rotina indígena

Evandro Lima Rodrigues - Do Portal

19/04/2010

Mauro Pimentel

Os pilotis testemunharam neste abril a ambiguidade do índio. Enquanto lutam para preservar os costumes, a saúde e a dignidade, os 650 mil remanescentes (460 em aldeias e 190 em cidades) do povo indígena confrontam-se com celulares, câmeras, internet. Em visita à PUC-Rio para divulgar suas tradições, representantes de tribos brasileiras dividiam-se entre a apresentação da “simbologia nativa de cura" e o uso de aparatos digitais.   

A pajé Niara do Sol (foto) mostrou a aplicação dos símbolos da natureza no tratamento e, principalmente, na prevenção de problemas como a dor de cabeça. Ao lado da mestranda em Sociologia Daniele Costa, ela explicava aos estudantes a terapia secular. Misturavam-se, aos ensinamentos curativos da tribo Funi-ô, de Pernambuco, cliques de celulares e máquinas digitais feitos pelos próprios índios. Ilustrariam o blog da pajé (índiosemmovimento). Um retrato dos contrates da vida indígena na era digital.

 Mauro Pimentel Na exposição de utensílios domésticos, outro casamento entre o velho e o novo. As cuias tradicionais já são feitas com tornos industriais. Representantes das tribos Guajajara, Pataxó, Apurinã e Funi-ô apresentaram também adereços corporais. A riqueza de detalhes dos brincos e colares juntava-se à perfeição das formas das pequenas cumbucas. 

– Como são utilizados tornos, os vasos ficam mais aprimorados – justifica Txawá, índio pataxó que há dois meses veio da reserva Parque Nacional do Monte Pascoal, na Bahia, para morar no Instituto Tamoio, na Tijuca, Zona Norte do Rio. Este centro de preservação da cultura nativa acolhe índios de diferentes regiões do Brasil.

O uso do torno industrial, no entanto, não é uma novidade para Txawá. Acostumado a incorporar novas tecnologias, ele volta a atenção para os aparelhos digitais. Antes de vir para o Rio, já havia experimentado a internet na escola da sua reserva. Txawá usa as mídias sociais e o blog para divulgar atividades do instituto.

 Mauro Pimentel No registro de imagens para o blog, os índios exibiam, com celulares e câmera digital, habilidade equivalente ao manejo de chocalhos durante a apresentação de dança. Projetos como o Rede Povos da Floresta, do Comitê para Democratização da Informática (CDI), conectou à rede mundial as aldeias Ashaninka e Yawanawa, no Acre, e Sapucay, no Rio. Com conexão via satélite, os computadores são movidos pela energia solar.

Outras seis comunidades indígenas contam com internet gratuita no Brasil. Os índios podem interagir por meio do portal Índios online, inaugurado em 2005. Para Niara do Sol, o índio "pode e deve aproveitar a nova realidade, mas sem cometer excessos":

– A tecnologia deixa as pessoas preguiçosas. Elas param de valorizar coisas simples e importantes à volta, como a natureza. Se o índio perder isso, ele perde a identidade – alertou a pajé.

Simbologia secular de cura

Se por um lado as inovações modernas são adotadas pelos índios, as práticas alternativas no tratamento de doenças ganham espaço entre os seres urbanos. Segundo Daniele Costa, a busca pelo aprendizado da cultura nativa é observada no Instituto Tamoio. Aulas de dança e artesanato dividem com terapias naturais a atenção crescente dos moradores da cidade. A mestranda, que há dois anos pesquisa o uso dos "símbolos nativos" na prevenção de doenças, explica: a prática da simbologia consiste em identificação, estudo e manipulação de variados símbolos da natureza com o objetivo de prevenir e até, em alguns casos, curar determinadas doenças. 

 Mauro Pimentel

O curso de "simbologia nativa de cura" é ministrado por Niara do Sol, que adquiriu este conhecimento na tribo pernambucana. Embora seja uma herança cultural repassada entre famílias, a pajé assegura que "qualquer pessoa pode ser iniciada no estudo".

– Aprendemos que as doenças estão ligadas ao desequilíbrio com a natureza. A simbologia ajuda a trazer de volta o equilíbrio perdido – observa Daniele, que aderiu à prática depois de passar pelo processo de iniciação.

A terapia alternativa não substitui a medicina convencional, esclarece Niara. Ela mesma já recorreu a um hospital quando estava com suspeita de dengue. Por outro lado, a pajé reforça que os benefícios da "simbologia nativa de cura" são comprovados:

– Senão, qual seria o interesse do instituto americano Amadeu, que patenteou grande número de símbolos e até hoje desenvolve estudos sobre o assunto? – argumenta.