No ano passado, a população brasileira consumiu quase duas toneladas de sibutramina, medicamento que atua como inibidor de apetite. Os dados foram apresentados no final de março pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), durante a divulgação do primeiro relatório do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC). A sibutramina é proibida em países europeus e sofre restrições nos Estados Unidos. No Brasil, o medicamento só pode ser vendido com a apresentação de receituário especial.
Os inibidores de apetite atuam em zonas do nosso cérebro que aceleram o metabolismo. O corpo passa a funcionar como uma máquina, de maneira artificial. O uso desse tipo de medicamento possibilita complicações cardiovasculares, como arritmia cardíaca e pressão elevada. Também pode causar insônia, agitação e, a longo prazo, os usuários ficam predispostos à depressão.
A estudante de Desing da PUC-Rio Marcella Prado, por exemplo, consumiu sibutramina durante três meses, pois se sentia gorda. Ela conseguiu a receita médica clandestinamente e, após tomar o medicamento, emagreceu dez quilos.
– Até hoje tenho insônia. Quando eu tomava o remédio, dormia duas horas por noite. De dia, ficava muito cansada e então eu tomava o remédio de novo para conseguir ter gás para fazer as coisas. Meus amigos reclamavam de mim, diziam que eu estava diferente, muito agitada – contou Marcella.
Segundo a professora de Psicologia da PUC-Rio Maria Teresa Creuza, a mulher brasileira é a maior consumidora de remédios para emagrecer, antidepressivos e soníferos do mundo, enquanto o homem brasileiro é líder no consumo de viagra. Esses medicamentos causam diminuição na expectativa e qualidade de vida. Maria Teresa acredita que a obsessão pela magreza tem um forte aspecto cultural, principalmente no Brasil.
– Há um modelo de beleza no imaginário feminino que é inatingível. Essa perseguição torna a mulher ansiosa, deprimida e com baixa autoestima. Ela tenta se disfarçar e fantasiar permanentemente. Na nossa cultura, o corpo é um capital de uma pessoa, principalmente para a mulher, que geralmente, quando tem mais de 40 anos, sente inveja das moças mais jovens, bonitas e com corpos bonitos – declarou.
Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), depois dos Estados Unidos, o Brasil é o país que mais faz intervenções desse tipo no mundo. Em 2008, data da última pesquisa publicada pela SBCP, 88% dos 629 mil brasileiros que se submeteram a procedimentos cirúrgicos eram mulheres. A operação das mamas é a mais realizada e corresponde a 33% das cirurgias, seguida da lipoaspiração, que totaliza 20%.
Em uma pesquisa realizada com 3200 mulheres de dez países, só as japonesas são mais insatisfeitas que as brasileiras em relação ao próprio corpo. Enquanto 37% das mulheres do país estão descontentes com o físico, apenas 1% das brasileiras se acha bonita. Sete por cento das mulheres do Brasil já fizeram plástica, índice mais alto entre os países pesquisados, e 54% já consideraram a possibilidade de se submeter a procedimentos cirúrgicos.
Os principais motivos das mulheres são atenuar os efeitos do envelhecimento, corrigir defeitos físicos e esculpir um corpo perfeito. O Brasil é o segundo país no mundo no ranking de uso de botox e no implante de próteses de silicone, logo após os Estados Unidos. Desde 1995, o número de cirurgias para aumentar os seios das brasileiras quintuplicou e, nos últimos anos, o número de cirurgias nos seios das adolescentes cresceu 300%.
– O Brasil tenta seguir o modelo europeu de beleza, no qual as mulheres são magras, loiras e têm olhos claros. A mídia influencia muito esse tipo de atitude. Em toda cultura, há uma tendência de imitar aqueles que atingem sucesso e prestígio. Essa imitação não passa pelo nível consciente, é um processo de identificação no qual as pessoas querem ser semelhantes aos atores de novela, às modelos, apresentadoras de televisão, cantoras e artistas de cinema. A beleza, a magreza e a juventude são paradigmas a serem alcançados pelas pessoas para que elas conquistem liberdade econômica ou consigam um emprego melhor – avaliou a professora.
Doenças como anorexia e bulimia se tornaram quase uma epidemia nos últimos anos, principalmente entre as top models. Os distúrbios alimentares, que podem levar as pessoas à morte, passaram a ser cada vez mais discutidos.
– O padrão entre as modelos tem mudado por causa da vigilância social. As pessoas começaram a contestar e questionar a magreza excessiva no mundo da moda – disse Ana Wambier, jornalista especializada em moda.
Em 2006, por exemplo, a Semana de Moda da Espanha definiu que modelos magras demais, com índice de massa corporal (IMC) abaixo de 18 kg/m², não poderiam desfilar nas passarelas. De acordo com o governo local, a decisão foi tomada porque as modelos têm grande influência sobre as adolescentes.
Nesse novo cenário do mundo fashion, destaca-se a top model americana Crystal Renn, que veste manequim G e tamanho 42/44. Com projeção internacional, ela já foi capa da Vogue, fotografou para grandes nomes da moda e esteve em outdoors de marcas como Mango e Evans. Entretanto, quando começou a ser modelo, Crystal sofreu de anorexia para tentar se adequar ao padrão de mercado e, mesmo muito magra, foi rejeitada por um agente.
A modelo relembra esse período e fala sobre a pressão para perder peso no livro Hungry: A Young Model’s Story of Appetite, Ambition and the Ultimate Embrace of Curves (na tradução literal: “Faminta: a história do apetite, da ambição e da redenção às curvas de uma jovem modelo”), lançado em setembro nos Estados Unidos. Para representar uma beleza menos padronizada, mulheres acima do peso como Crystal Renn desfilaram na última Semana de Moda de Londres.
– É complicado para a cabeça da mulher não se aceitar como produto da mídia. Parece que há uma regra de como a mulher deve ser. No Brasil, já houve uma tentativa de humanizar esse padrão por parte da marca Dove, quando fez uma campanha chamada “Mulheres Reais” na qual as mulheres eram todas diferentes entre si, gordas e magras – lembrou Ana, que acredita em uma mudança nos padrões de beleza.
Seguindo essa tendência de valorizar as curvas femininas, a edição desse mês da revista francesa Elle traz na capa a modelo americana Tara Lynn, de manequim 48. Ela posou para um editorial de 20 páginas que inclui uma foto da "top plus-size" nua. No ensaio, aparece vestida de grifes como Chanel, Chloé, Hermès e Tommy Hilfiger. Quando veem modelos como Tara Lynn e Crystal Renn em capas de revistas, mulheres costumam escrever cartas para agradecê-las.
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