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Rio de Janeiro, 30 de abril de 2024


Mundo

"Mein Kampf serviu de publicidade para Adolf Hitler"

Luísa Sandes - Do Portal

13/04/2010

Wikimedia Commons

Mais de 80 anos depois de ser escrito por Adolf Hitler, o livro Mein Kampf (Minha luta) foi proibido na Rússia, no último dia 26 de março. Segundo a Justiça russa, o documento faz parte de uma "literatura extremista". Publicado em dois volumes em 1925 e 1926, o livro atingiu o auge de sua venda na Alemanha em 1940, quando foram vendidos 6 milhões de exemplares.

Autor do livro Mein Kampf: L'histoire d'un livre, recentemente lançado na França, e de um documentário sobre o tema, o jornalista francês Antoine Vitkine contou ao Portal PUC-Rio Digital, via Skype, que o documento escrito por Hitler foi essencial para o desenvolvimento do programa nazista. Durante o tempo em que Hitler o escreveu, ainda na cadeia, pôde arquitetar a ideologia que o levou à liderança do Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães.

Portal PUC-Rio Digital: Qual foi sua motivação para escrever um livro sobre a história de Mein Kampf?

Antoine Vitkine: Tive a ideia de escrever o livro depois de ter assistido, em uma TV franco-germânica, ao documentário que fiz sobre o assunto. Eu estudava o islamismo e queria fazer um documentário sobre as ideias políticas dessa cultura. Fiz a proposta para um canal, porém eles recusaram por diversas razões. Foi nesse momento que pensei em escrever sobre a história de Mein Kampf. Eu me questionei se alguém já teria feito um livro ou um documentário sobre o assunto e fiquei muito surpreso quando vi que não. Claro que muitos historiadores falaram e escreveram sobre o livro, mas ninguém chegou a publicar essa história. Além disso, há cinco anos, entrevistei uma pessoa envolvida com a Al-Qaeda no Egito. Ele me disse que estava lendo Mein Kampf e isso colaborou para minha decisão de escrever sobre o livro.

P: Qual a importância de Mein Kampf para entender o pensamento de Hitler e a ideologia nazista?

 AV: É muito importante. Descobri que Hitler não tinha uma ideia clara sobre a idelogia e o programa nazista. Ele estava na cadeia em 1923 e escevreu Mein Kampf porque tinha tempo para fazê-lo. Enquanto escreveu o livro, construiu a ideologia. Quando se tornou Führer na Alemanha, aplicou o programa do início ao fim. O fato de tê-lo escrito foi relevante para Hitler pensar claramente no que queria fazer. Sem Mein Kampf, ele poderia nunca ter se tornado o líder do nazismo. Ele era ninguém quando deixou a prisão em 1925, pois dois anos antes fez uma tentativa fracassada de golpe. Havia muita contradição no nazismo. Muitos nazistas não queriam Hitler como líder. Mein Kampf serviu de publicidade para ele, pois passaram a considerá-lo um escritor intelectual. Esse foi um modo de Hitler se tornar o líder do nazismo.

P: Por que o nazismo, ainda hoje, interessa tanto as pessoas e as faz querer entender sobre o assunto?

AV: A principal razão do interesse das pessoas pelo nazismo é o fato de ter sido um evento central na história e de ter ocorrido apenas há 60 anos. Ainda há pessoas vivas e que viveram o período nazista. Essa ideologia evoca muitas questões. Tentei explorar no meu livro como foi possível que um homem como Hitler, dez anos antes de se tornar chanceler, pôde arquitetar o programa descrito em Mein Kampf. Por que ninguém tentou impedi-lo? Essa é a principal questão desenvolvida no meu livro e talvez seja o motivo pelo qual as pessoas ainda hoje se interessem pela ideologia de Hitler.

P: O senhor acredita que Mein Kampf possa inspirar violência entre grupos neonazistas?

AV: Com certeza Mein Kampf inspira violência entre neonazistas, entretanto essas pessoas não precisam do livro para ser violentas. Como eu já disse, encontrei um islamita próximo a alguns líderes da Al-Qaeda, no Egito, e esse homem me disse que uma de suas referências era Mein Kampf. Falei sobre isso no meu livro, no qual revelei o nome dele. Isso mostra que o documento de Hitler pode sim inspirar violência. Outra parte da minha obra mostra como Mein Kampf é usado hoje na Turquia, onde o livro continua a ser um best seller e serve como referência ao ultranacionalismo. Entretanto, apesar de ainda poder inspirar violência e de ainda ser um livro perigoso, Mein Kampf não influencia as pessoas tanto como na década de 1930.

P: A circulação de Mein Kampf foi recentemente proibida na Rússia. O senhor concorda com a proibição?

AV: Não sei. Depende de cada país. Acredito que Mein Kampf pode ser um livro perigoso se for usado para apoiar o antissemitismo ou o ultranacionalismo. Penso que em uma nação democrática, Mein Kampf não é um problema, pois as pessoas são democráticas e inteligentes o bastante para não acreditarem nos princípios apresentados no livro. Mas se algum governo acredita que Mein Kampf possa ser um problema, claro que deve bani-lo. Por exemplo, o livro foi proibido na Alemanha. Não creio que foi uma boa decisão, pois os alemães podem lê-lo sem nenhum problema. Não conheço a Rússia o suficiente, mas creio que talvez tenha sido bom proibi-lo. O país é novo desde o fim da União Soviética, é ultranacionalista e ainda há alguns grupos neonazistas na região.

P: Em 2015, Mein Kampf vai entrar em domínio público. Qual pode ser o impacto disso na circulação do livro e na disseminação da ideologia de Hitler?

AV: Não acredito que seja uma data importante. Hoje, na França, qualquer um pode comprar o livro. Talvez na Alemanha, por exemplo, eles tenham que adaptar a lei que proíbe a publicação do livro. Mas acredito que o documento continue proibido no país, mesmo depois de 2015. Talvez eles publiquem uma edição crítica, histórica. Mas, em geral, não acredito que 2015 mude muita coisa.