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Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


Cidade

Niterói tinha "receita para desastre", diz especialista

Clarissa Pains - Do Portal

09/04/2010

 Vladimir Platonow/ABr

A maior tragédia provocada por chuvas no Rio de Janeiro desde 1966 já conta com mais de 200 mortos. A cidade de Niterói, Região Metropolitana no Rio, foi a mais afetada, com 229 mortes até a manhã de segunda-feira. A Defesa Civil informou que pelo menos 150 pessoas estão soterradas no deslizamento no Morro do Bumba, onde mais de 40 casas foram atingidas, na noite de quarta. O secretário de Obras de Niterói, José Carlos Mocarzel, afirmou que este foi o maior deslizamento da história da cidade. O prefeito, José Roberto Silveira, decretou estado de calamidade pública.

Segundo o professor da PUC-Rio e doutor em Geotecnia Claudio Amaral, assim como a geografia da cidade do Rio é favorável aos alagamentos, a formação rochosa de Niterói contribui para os deslizamentos de terra.

– Niterói tem morros com forma convexa, muitos afloramentos de rocha e uma capa fina de solo, o que confere um potencial de ocorrência de deslizamentos elevado. Além disso, a cidade tem um padrão de ocupação absolutamente desordenado. Está no estágio em que o Rio se encontrava em 1988.

Na área do deslizamento no Morro do Bumba, funcionava há 30 anos um lixão. Portanto, nenhuma casa poderia ser construída na região, onde o lixo se decompõe e forma bolsões de gás, tornando o solo instável. Isso também dificulta o trabalho do resgate porque há possibilidade de contaminação. De acordo com o professor, o acúmulo de lixo é uma das causas mais emblemáticas dos escorregamentos. Porém, para ele, as construções irregulares nas encostas não são a causa principal do grande número de mortes, mas a consequência de um conjunto de fatores.

– As escavações nos morros, as tubulações feitas sem nenhuma técnica e a disposição de lixo e entulho são algumas das causas dos escorregamentos provocadas pelo homem. As casas destruídas são os danos. Como a ocupação irregular é exatamente a combinação desses aspectos, os desastres se concentram nessas áreas. No entanto, há muitas regiões regulares que têm histórico de desastres e estão agora sob alto risco.

O também professor de Geologia da PUC-Rio Eurípedes Vargas afirmou que havia no Morro do Bumba, em Niterói, a “receita para o desastre”. Segundo ele, o perigo era duplo: construir em encostas e sobre o lixo.

– Uma coisa é lixão, outra é aterro sanitário, que é bem feito, bem compactado, bem coberto. É possível construir casas em cima de um local assim. Nos Estados Unidos, por exemplo, há campos de golfe inteiros sobre aterros, e não há problema algum nisso – disse – Se a prefeitura permitiu que pessoas morassem sobre um lixão, é porque de fato não há controle sobre as habitações.

As 15 horas seguidas de chuva entre segunda e terça-feira registraram o acúmulo recorde dos últimos 44 anos: 278 milímetros, com chuvas em nível superior a 100 milímetros por dia. Porém, de acordo com Amaral, o problema mesmo é que a preparação contra desastres desse tipo não constitui uma prioridade da sociedade brasileira. Há planos de emergência, mas não há um sistema eficiente de prevenção para evitar consequências graves.

– Enquanto não incorporarmos ao nosso dia a dia a possibilidade de desastres, nada vai melhorar. O que falta é trabalhar com o pior cenário e admitir que, na condição em que estamos, infelizmente, este número de mortes é esperado. Estamos 40 anos atrasados nesse assunto – afirmou.

O governo federal liberou nesta quinta-feira R$200 milhões para a reconstrução da Região Metropolitana. Segundo o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, o dinheiro chegará ao estado em, no mínimo, 15 dias. A prioridade será para as regiões de Niterói e São Gonçalo, que receberão R$110 milhões.