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Rio de Janeiro, 2 de maio de 2024


País

Especialistas apontam exageros no caso Nardoni

Lucas Soares - Do Portal

02/04/2010

Reprodução/Internet

Comoção popular, muita exposição, "midialização exarcebada". O julgamento do casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá – condenados a 31 anos e 26 anos de prisão pelo assassinato da  menina Isabella – mobilizou o país e aplacou o clamor por justiça. Mas, na opinião de especialistas, também angariou excessos na imprensa e ações desmedidas. Juristas alertam: exageros como o ataque ao advogado de defesa, Roberto Podval, indicam a falta de conhecimentos jurídicos básicos da população. 

Para a jornalista e advogada Leise Taveira, professora do Departamento de Comunicação, houve excessos na cobertura jornalística. Ela argumenta: amplificada pela mídia, declarações como a da delegada Renata Helena Pontes no segundo dia de julgamento (“Tive 100% de certeza, convicção absoluta da participação dos dois") influenciam a opinião do júri e dos populares.

– A sentença do casal já havia sido dada uma semana depois do crime. A sociedade condenou o casal antes mesmo do julgamento. A defesa deteve-se em desqualificar o desqualificável, uma vez que os jurados já entraram convictos no tribunal – avalia a professora.

Já na avaliação de Adolfo Borges Filho, procurador de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro e professor de direito penal da PUC-Rio, o júri estava preparado para o veredicto. Segundo ele, a legitimidade do modelo é soberana:

– O júri é uma instituição antiga e extremamente importante em termos de participação do povo no julgamento de seus pares.

Leise estuda o caso desde a morte da menina Isabella, em 2008. Para a especialista, a sentença foi "simplesmente pedagógica". Os instrumentos usados pela mídia transformaram a cobertura do julgamento numa grande novela, levaram o público à comoção, observa Leise.

– A gente lê sobre o assunto e lembra-se da história de Medeia. O tempo todo se trabalha com os arquétipos – compara a professora – Falta uma cultura de conhecimento dos direitos e deveres do cidadão no nosso país.

O professor de direito penal Leonardo de Souza Chaves tem avaliação semelhante. Na opinião dele, o tom emocional predominou e contribuiu para a “falta de cidadania” deflagrada na agressão ao advogado de defesa. O mesmo pensa Borges Filho, que lembra: o advogado cumpre função constitucional relevante, referente à ampla defesa a que todos os réus têm direito.

– A agressão demonstra imaturidade das pessoas, mas não invalida o júri. Não creio que a participação popular tenha influenciado a decisão dos jurados. Pelo que li, houve muita atenção por parte deles em todo o desenrolar dos trabalhos – acredita Borges Filho.

 Reprodução/Internet

O julgamento do casal Nardoni caracterizou-se pelo uso de artifícios tecnológicos, sobretudo pela  acusação, para demonstrar ao júri o que acontecera na noite do crime. O promotor Francisco Cembranelli recorreu a maquetes, animações e vídeos para reconstituir, em detalhes, a suposta sequência de ações que culminaram na morte de Isabella. 

Para Borges Filho, a prova técnica foi feita de maneira correta, utilizando-se de meios atualizados para uma reconstituição próxima à realidade do crime. Segundo ele, a criminalística mostra-se fundamental para a resolução de vários crimes em cujos processos não é possível a confissão dos réus ou o depoimento de testemunha.

Chaves esclarece, no entanto, que o júri não é obrigado a se ater às provas técnicas. Na avaliação do professor, embora não houvesse prova inequívoca, fortes indícios - evidenciados com a ajuda da tecnologia - foram suficientes para incriminar os réus, na avaliação do júri. Para ele, o uso crescente de recursos tecnológicos tende a favorecer a elucidação dos crimes.

Leise ressalva: a tecnologia é importante, mas não exclui outros mecanismos de apuração. De acordo com ela, é necessário avaliar até que ponto a tecnologia auxilia na resolução de crimes como esse. “Provas concretas”, segundo Leise, quem define é o juiz.

Estudantes opinam

Luiza Rodrigues, aluna do 5º período de Design, atribui a forte comoção popular ao fato de a vítima ter sido uma criança. Para ela, a sentença foi justa, pois as evidências mostram-se “claras”:

– Se esse crime tivesse acontecido em outro lugar, eles poderiam ser condenados à prisão perpétua ou à pena de morte – lembra a estudante.

O estudante do 5º período de Direito Francisco Müssnich considera a comoção popular esperada. Ele lembra: "Em princípio, todos têm direito à defesa".

Elias Gomes, aluno do mestrado em Teologia, também acha "natural" a indignação popular. O estudante identifica uma evolução na justiça brasileira, pois "não foi mais um caso de impunidade".

Já Adriana Aguiar, aluna do 6º período de Comunicação, acredita que o caso tornou-se polêmico devido à "forte midialização". Para ela, casos como o da morte do menino João Hélio (arrastado pelo asfalto, até a morte, por assaltantes, em 2007) "foram tão impactantes quanto o de Isabella, mas não tiveram tanta repercussão".