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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Cultura

Um Niemeyer ativo aos 100 anos

Gisele Valente e Daniele Marinho - Da sala de aula

17/12/2007

O tempo não tirou de Oscar Niemeyer a vontade de aprender e se renovar a cada dia. Perto de completar 100 anos, dia 15 de dezembro, o maior arquiteto do Brasil continua atuante, trabalhando em seu escritório, tendo idéias e aprendendo. Niemeyer revolucionou a arquitetura moderna, com a linha curva e a exploração de novas formas de utilização do concreto armado.


Há cerca de cinco anos, Niemeyer decidiu ter aulas de física, literatura brasileira, história da arte e filosofia. As reuniões ocorrem uma vez por semana, em sua casa, e sempre contam com a presença de sua esposa, seu motorista, alguns amigos e netos.


“Papai acha que o conhecimento é indispensável para o arquiteto. E durante as palestras ele não gosta que ninguém fale muito ou dê palpite. Tem que escutar tudo”, conta Anna Maria Niemeyer, filha do arquiteto.


Quem coordena as reuniões é Luiz Alberto Oliveira, professor de Física. Ele foi apresentado a Niemeyer por um amigo em comum e logo se impressionou com o arquiteto. Luiz começou dando aulas de Física e logo passou a coordenar os encontros, sobre temas diferentes.


“O que mais me impressiona é a disponibilidade e a abertura de Oscar para o conhecimento, isso é extraordinário. Ele fica quieto escutando e gosta de perguntar as coisas mais complexas. Ele desenvolve argumentos e raciocínio. É uma inquietação que ele tem”, afirmou Luiz Alberto Oliveira.


Para o professor, e hoje amigo de Niemeyer, as aulas são uma espécie de conversa da atualidade que desenvolve ainda mais os argumentos e o raciocínio de Oscar nesta idade.
“A aula é uma espécie de jazz. As últimas três aulas foram ligadas aos temas Inteligência, Caos e Robôs. O Oscar se diz comunista e stalinista até hoje. Ele tem posições muito firmes, e eu entendo isso”, completa Luiz Alberto Oliveira.


Para o professor, Niemeyer sempre apresenta posições fortes; às vezes pessimistas. É uma postura de não deixar enganar-se, ponderar tudo e todos os acontecimentos. “Ele não é Maria vai com as outras. Sempre checa a informação, sempre está questionando”, afirma. E as novidades na vida de Oscar Niemeyer não se resumem às aulas. Desde os 92 anos ele começou a fazer esculturas; com 94, filosofia, e agora deseja fazer uma escola de complementação para arquitetos. Um curso técnico, pois ele acha que é insatisfatório o conteúdo que se aprende na faculdade. “Aos 100 anos ele pretende virar educador. Dirigir o curso e dar aulas”, conta Luiz Alberto Oliveira.


Niemeyer não gosta de falar sobre arquitetura. Para ele, o tema vai muito além de traços e desenhos. A desigualdade social e pobreza ainda o incomodam muito. E a indignação permanece na personalidade do gênio. Ele gostaria que o povo protestasse, fosse para as ruas. Vontade de trabalhar é outra coisa que não tem faltado a Niemeyer. Sua filha Anna Maria conta que o pai fraturou o fêmur em outubro do ano passado, o que levou a família a adaptar um elevador no escritório para que ele pudesse continuar freqüentando o local mesmo se recuperando do acidente. “Ele chegou a ficar dois meses em casa, mas só quando voltou ao escritório ele se recuperou de fato”, revelou Anna.


Mesmo com a dificuldade de enxergar, Niemeyer continua criando. Seus desenhos saem direto para o escritório, onde outros arquitetos irão formatar suas idéias. “A idade pode fazer Niemeyer esquecer algumas coisas, mas assuntos relacionados a trabalho ele não esquece nunca”, é o que afirma sua filha Anna.

Viúvo há cerca de dois anos e meio, depois de um casamento de 76 anos, Oscar decidiu casar de novo, já que acredita que a vida não para. E a importância de uma vida em família também é grande para o arquiteto. “Meu pai é muito ligado à família. Cuida de todas as gerações e gosta de estar sempre por perto. Seu sonho era ter um grande terreno com uma casa central e em volta, uma para cada membro da família. Grande parte de nós está voltada para o trabalho dele, no escritório, na Fundação, nas artes”, revela Anna Maria.

Chico Otávio, jornalista do Globo e professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, que preparou um suplemento especial para o jornal sobre os 100 anos de vida do arquiteto, conta que em seu contato com Niemeyer o que mais o surpreendeu foi justamente a energia, sua vontade de aprender e a humildade: “Ele tem uma visão crítica da vida que muitos confundem com pessimismo. Diz que a vida é muito rápida e que nós não somos nada diante da grandeza dela.”

Nesses meses de convivência entre o jornalista e o arquiteto, Chico Otávio vem descobrindo novas noções de humildade e generosidade. “Com ele tenho aprendido a condenar a arrogância e aprender com a generosidade de alguém que podia estar em cima do pedestal e não está”, conta.

Leia aqui a primeira da série de reportagens especiais sobre o centenário de Niemeyer.