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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Cultura

O traço centenário de Niemeyer

Alessandra Perret e Anna Luisa Pitta - Da sala de aula

14/12/2007

No ano de comemoração dos 100 anos do mais renomado arquiteto brasileiro, é inevitável pensar a relação das obras de Oscar Niemeyer com a sociedade, que as acolhe. Inovação, criatividade e modernidade são palavras que resumem a trajetória profissional de Niemeyer, e trazem não somente notoriedade para o Brasil no âmbito internacional, como também conseqüências sociais, econômicas e políticas para toda a sociedade.

Apelidado de “escultor do espaço”, ao romper com a tirania das linhas perfeitas, Niemeyer já realizou mais de 500 projetos, dentre eles a criação de grande parte dos edifícios da cidade de Brasília. Muitas dessas obras são de inegável relevância para o país. Esta matéria discutirá o impacto de duas conhecidas obras do arquiteto: o Museu de Arte Contemporânea (MAC), de Niterói, e a Casa das Canoas, casa construída e habitada em São Conrado, município do Rio de Janeiro, pelo próprio Niemeyer.

Com exceção da Capital Federal, não há outra cidade brasileira que abrigue tantas obras de Niemeyer. Localizado no Estado do Rio de Janeiro, o município de Niterói recebe a todo o momento visitantes que vão conferir de perto as seis construções do arquiteto, espalhadas por vários bairros da cidade. O Museu de Arte Contemporânea (MAC) se tornou cartão-postal de Niterói e uma referência arquitetônica em nível mundial. Projetado em 1991 e inaugurado em setembro de 1996, o museu foi concebido primeiramente para abrigar o acervo de João Sattamini, grande colecionador de arte moderna brasileira, que doou sua coleção à cidade. A prefeitura de Niterói, como forma de agradecimento pela doação, comprometeu-se a construir um espaço para abrigá-la.

O prédio, localizado numa praça de 2.500 m², apresenta traços arrojados e remete a imagem de um disco-voador aterrissado no mirante da Boa Viagem. O museu já foi considerado por publicações internacionais como uma das sete maravilhas do mundo contemporâneo. “Quando o prefeito Jorge Roberto da Silveira me levou para ver o lugar onde seria construído o museu, eu senti que ali era a oportunidade de fazer uma boa obra de arquitetura. Um apoio central e o museu a surgir solto no espaço como uma flor”, comentou Niemeyer. O Museu deu visibilidade à cidade de Niterói. O MAC virou “garoto-propaganda” do município que, com o Caminho Niemeyer, segue uma tendência mundial de um planejamento estratégico, ou seja, de uma reinvenção da cidade a partir de um mercado global.

“A função do MAC como museu tornou-se secundária. A obra de arte é a própria construção. Tanto é que as exposições não são permanentes e não foram utilizadas paredes retas, próprias para a exposição de quadros, mas é inegável que Oscar tenha conseguido realizar perfeitamente a fusão entre a técnica e a arte”, afirma Marcelo Vieira Lima, diretor da comissão de eficiência energética do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB). Defensor da teoria de que o projeto é uma obra de arte, Niemeyer, na maioria de seus trabalhos, planeja evidenciá-los, procurando isolá-los dos entornos naturais ou de edificações que possam comprometer a visibilidade da obra. “Lembro quando fui ver o local. O mar, as montanhas do Rio, uma paisagem magnífica que eu devia preservar. E subi com o edifício, adotando a forma circular que, a meu ver, o espaço requeria. O estudo estava pronto, e uma rampa levando os visitantes ao museu completou o meu projeto”, explica Niemeyer para os visitantes da página on-line do MAC.

Como toda a afirmação polêmica pronunciada por pessoas públicas, a teoria de Niemeyer veio carregada de críticas, principalmente dos profissionais da área urbanística. No livro "As curvas do tempo", uma coletânea com relatos sobre sua história de família, amizade e trabalho, Niemeyer responde aos críticos: “quem deseja ver árvores que vá ao Jardim Botânico”. Tal afirmação levanta questões no mundo da arquitetura em relação à real preocupação de Niemeyer com a funcionalidade e com os impactos que sua obra pode causar. A arquitetura sustentável vem ganhando cada vez mais espaço diante da crise ambiental que enfrentamos e baseia-se nas idéias dos green buildings –construções verdes – que procuram otimizar gastos excessivos. “As obras de Niemeyer são nitidamente pouco vazadas. No MAC, por exemplo, poderia ter sido utilizada a ventilação natural para evitar o uso constante de ar condicionado, já que a Baia de Guanabara possui um fluxo de ar bastante intenso. A iluminação, apesar de ser muito bonita, é composta por 36 faróis de avião, cada um com 1.000 watts de potência, representando um enorme gasto de energia”, comenta Marcelo Vieira Lima, membro do Instituto de Arquitetos do Brasil. De acordo com arquiteto e crítico Roberto Segre, todo projeto deve ser pensado também a partir da esfera social: “A rampa-serpentina exige apenas alguns minutos de pessoas em condições físicas normais, mas pode ser um obstáculo para deficientes físicos. A pureza do volume contrasta com a complexidade do acesso”.

O “Museu de Niemeyer”, como também é chamado coloquialmente, trouxe muitas conseqüências desde a sua construção. Os grandes impactos da obra, a demanda de trabalho, a geração de empregos e o custo foram apontados pela assessoria de imprensa da Prefeitura de Niterói como pontos cruciais para a feitura do MAC. Foram necessários cinco anos para erguer a estrutura de quatro pavimentos e 300 operários revezando-se em três turnos. Para tanto, foram retiradas 5.500 toneladas de material em escavações e consumidos 3.200.000 m³ de concreto, quantidade suficiente para levantar um prédio de 10 pavimentos. O MAC, no entanto, é apenas uma das obras que compõem o Caminho Niemeyer, maior conjunto arquitetônico em construção nas Américas. Quando estiver totalmente pronto, o Caminho Niemeyer será um verdadeiro ponto turístico da cidade de Niterói, pois contará com um teatro, a Fundação Oscar Niemeyer, uma nova estação hidroviária, o Museu BR de Cinema, além, é claro, com o próprio MAC. “O projeto do Teatro do Caminho Niemeyer é extremamente includente socialmente, pois o palco tanto pode ser voltado para seu interior quanto para uma praça no exterior, o que dá a entender que cultura pode e deve ser para todos”, afirma Marcela Arueira, arquiteta, mestranda em Arquitetura Urbana e moradora de Niterói há 26 anos. O Caminho Niemeyer já garantiu a inclusão da cidade em um roteiro turístico preparado pela Embratur para divulgar as obras do mais renomado arquiteto brasileiro. Junto à Fundação Oscar Niemeyer, decidiram reunir suas obras em um roteiro elaborado a partir da cronologia do trabalho de seu homenageado.

Outra obra de destaque em Niterói é a Estação das barcas de Charitas, semelhante à estrutura “disco-voador” do MAC. Além da importância turística, ajuda a desafogar o trânsito na ponte Rio-Niterói, constituindo-se em mais uma opção para o acesso ao Rio de Janeiro, principalmente para os moradores da Região Oceânica. O fato de ter sido projetada pelo Niemeyer só agrega mais valor à construção. Com tantos monumentos enriquecendo a cidade, percebe-se um aumento nos índices ligados ao turismo e seus benefícios. De acordo com a Prefeitura de Niterói, em 2004 a cidade recebeu 90 mil turistas. Com os investimentos públicos e privados que estão sendo feitos no setor, espera-se cerca de 200 mil turistas para 2008. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso registrou seu depoimento no livro de visitantes do MAC: “É difícil encontrar vista de beleza equivalente a deste museu: paisagem, arquitetura, pintura e criatividade de quem o dirige. É emocionante ver a imagem de centenas de pessoas (muitas crianças) passeando com naturalidade nas suas rampas e salões.”

Na Casa das Canoas, o meio ambiente confunde-se com o ambiente da casa Se, por um lado, o MAC teve como prioridade o destaque da própria obra, sobressaindo em relação ao seu entorno natural, na Casa das Canoas, projetada em 1952, para ser a residência da família Niemeyer em São Conrado, no Rio de Janeiro, a natureza e a casa parecem fundir-se em harmonia. A sua preocupação foi a de projetar a residência com inteira liberdade, adaptando-a aos desníveis do terreno, sem o modificar, fazendo-a em curvas, de forma a permitir que a vegetação penetrasse nelas. A construção coloca a natureza como objeto principal da obra e procura integrá-la em diversos aspectos. O contorno curvo do teto da casa, além de deixar a vegetação penetrar, foi feito seguindo o mesmo contorno da praia no pé do morro, na época da construção, a vegetação não era tão fechada e a Casa das Canoas tinha vista para o mar. Niemeyer criou zonas em sombra e vidros transparentes para que não fosse necessária a utilização de cortinas, fazendo também com que se utilizasse a ventilação das árvores em volta, tornando a casa bem fresca. Uma grande rocha sai da área da piscina e penetra pela sala até o limite da escada que dá acesso ao andar de baixo, onde ficam quartos e uma biblioteca. Esta rocha representa um elemento vivo da natureza dentro de casa, fazendo com que a construção fosse mais um componente natural da paisagem. Belas esculturas em pedra também fazem parte da decoração, principalmente fora da casa e parecem ter sido esculpidas em pedras que pertencem ao local.

Diferentemente da maioria das obras de Niemeyer, a Casa das Canoas fica quase escondida entre a mata, não chamando qualquer atenção do lado de fora dela. A obra está tão integrada à natureza que seu potencial turístico não está sendo tão explorado como deveria pelos cariocas. Como está aberta ao público em horário restrito durante a semana, o ideal é combinar com a administração a visita. Hoje em dia a maioria dos visitantes é de turistas internacionais ou grupos de estudantes de arquitetura de outros estados.