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Rio de Janeiro, 16 de abril de 2024


Economia

"A economia não vai ser um tema importante de campanha"

Yasmim Rosa - Do Portal

15/03/2010

Mauro Pimentel

Depois de passar pela mais grave crise econômica dos últimos tempos, o Brasil chega em 2010 com uma perspectiva bastante positiva. Estima-se que a taxa de crescimento este ano chegue a 5% ou 6%. Apesar das previsões, há preocupação com a alta da inflação e com o aumento da taxa de juros. Mas o que isso pode significar no ano eleitoral? Para discutir o assunto, o Portal PUC-Rio Digital conversou com o economista e decano do Centro de Ciências Sociais, Luiz Roberto Cunha.

Segundo o professor, os candidatos deverão tomar cuidado ao tratar de assuntos econômicos. Na campanha de 2010, criticar a política econômica pode ser uma opção perigosa. Outro fator ressaltado por ele foi a perspectiva de crescimento do Brasil a despeito do aumento da taxa de juros e da inflação. 

Ex-aluno da PUC-Rio, Cunha apresenta um currículo memorável. No início da década de 1980, assumiu a pasta de Controle de Preços Industriais, no Ministério da Fazenda. Em 1986, ele aceitou o convite para tornar-se vice-reitor administrativo e, um ano depois, assumiu um cargo no governo do estado do Rio de Janeiro. Hoje é professor do Departamento de Economia e decano do Centro de Ciências Sociais da universidade.

Portal PUC-Rio Digital: O presidente do Banco Central afirmou que, se for necessário, irá aumentar a taxa de juros. O ministro Mantega declarou que isso ainda não é necessário. Como ficará essa situação neste ano de eleição?

Luiz Roberto Cunha: A questão da taxa de juros é uma questão muito importante na economia. Trata-se de um preço muito significativo porque o custo do dinheiro, que é o que a taxa de juros determina, afeta o lado real, a produção, o comércio, a indústria e os consumidores. O Sistema Especial de Liquidação e de Custódia, o Selic, que é a taxa que o Banco Central gerencia, é o índice de referência da economia. Na verdade, o que remunera os títulos públicos. Então, quando você aumenta ou reduz essa taxa, os títulos públicos pagam mais ou menos. Como a dívida do governo é muito grande, existe um custo para administrá-la. A sociedade toda empresta para o governo porque o dinheiro aplicado nos bancos é, em grande parte, aplicado em títulos públicos. Então, com taxas de juros muito baixas, pode haver dificuldade do governo de se financiar. O governo brasileiro tem uma dívida interna muito alta, em torno de 40% do Produto Interno Bruto (PIB). Hoje, a dívida externa é pouco relevante, mas a dívida interna é muito alta. É preciso lembrar também que a Selic é muito menor do que as taxas de operações de empréstimos, tanto para o comércio, para a indústria, quanto para o consumidor, através do cheque especial, do cartão de crédito. Ou seja, na verdade, é claro que uma alta na taxa de juros Selic, da taxa básica, influencia e afeta a estrutura dos juros. Mas, em alguns momentos, quando os mercados financeiros começam a ter alguma dúvida quanto à sustentabilidade dessa taxa de juros Selic no nível que ela está, as taxas de juros que afetam o consumidor sobem independentes da Selic. Eu diria que o pior dos mundos é a taxa de juros de mercado subir sem que a Selic acompanhe. Porque isso pode significar que os mercados não estão acreditando na política econômica do governo. É claro que, quanto mais baixa a Selic, mais há uma demonstração de confiança na economia e isso se reflete em todas as outras taxas, para todo o sistema financeiro, o que é benéfico para o consumidor. Tem que haver um casamento nos movimentos entre as duas taxas. Esse é o ponto principal. 

P: A que se deve essa confiança na economia brasileira?

LRC: É importante lembrar que a credibilidade da atuação do Banco Central tem sido um dos fatores fundamentais para o sucesso da economia brasileira. Não apenas do alto crescimento que nós tivemos de 2003 a 2008. A partir de 2003 e 2004, já no governo Lula, a economia brasileira cresceu muito mais do que nos anos anteriores. No governo de Fernando Henrique Cardoso, houve queda da inflação, mas não houve crescimento. No governo Lula, o crescimento se deveu, em grande parte, porque o Banco Central teve uma atuação, em alguns momentos, de subir os juros, em outros momentos de baixar, e isso gerou credibilidade. Isso fez com que você atraísse financeiramente investimentos externos, que são fundamentais para o crescimento da economia. Além disso, na crise do ano passado, na famosa “marolinha”, muita gente atribui à atuação do Banco Central a saída do país da crise, ao contrário dos países desenvolvidos, ou mesmo de alguns Brics [Brasil, Rússia, Índia e China], que tiveram uma queda expressiva do PIB.

P: Como vai ficar a taxa de inflação este ano?

LRC: A taxa vai subir um pouquinho, vai chegar próximo de 5%, mas não é nada que assuste. Ela está dentro do que se espera

P: Mesmo se houver uma alta na taxa de juros, o Brasil vai manter seu crescimento?

LRC:: Mesmo se nesse ano a Selic aumentar meio ponto ou subir um pouco mais, a previsão de crescimento no Brasil em 2010 é de 5% ou 6%. Ninguém está mudando a previsão porque a Selic vai mudar. Ao contrário. Nas avaliações que são feitas pelo Banco Central, as previsões são de que a taxa sairá de 8,75% e vai para 11,25%. Vai subir quase 2,5 pontos percentuais e o crescimento vai ser 5% ou 6 %, com uma inflação de 4,5% ou 5%. Ou seja, o Brasil vai de novo esse ano, independente da alta dos juros, crescer mais em termos reais. Coisa que raras vezes aconteceu. No ano eleitoral, eu digo que a economia vai muito bem, mesmo com essa alta dos juros. Ou seja, sob o ponto de vista do impacto econômico sobre as eleições, eu diria que o governo está numa posição muito favorável.

P: E o crescimento do Brasil vai se deve a quê?

LRC: O crescimento do Brasil se deve ao investimento que está sendo feito. O consumo também faz parte desse crescimento. Mesmo com os juros altos, as pessoas continuam consumindo porque nos últimos anos houve uma enorme distribuição de renda. A inflação baixa e a estabilidade permitiram que o governo pudesse ser mais efetivo nesse programa de transferência de renda para as classes baixas. As classes C e D cresceram muito e elas são consumidoras porque ainda têm muitas coisas para comprar. Tem havido também investimento externo. O Brasil está atraindo recursos do exterior porque é um dos poucos países do mundo, mesmo entre os Brics, que é um grande produtor de alimentos. O país tem um potencial de energia que os outros não têm, e tem também a água. Esse recurso vai ser uma das coisas mais escassas do mundo no futuro. A Índia não produz alimentos e importa, assim como a China que ainda tem pouca energia de petróleo. O Brasil tem essa característica que também atrai os investimentos. Não são só os programas de investimento que o governo está fazendo, e alguns deles estão atrasados, mas o consumo e os gastos também estão puxando os investimentos. Ainda tem outro fator: todos os componentes do PIB estão positivos esse ano.

P: Mas o país vem apresentando um crescimento maior das importações em relação às exportações. Qual o impacto disso na economia brasileira?

LRC: De fato, esse ano vamos voltar a ter um déficit na balança de transações correntes, e é verdade que quando as importações são maiores que as exportações há uma redução no crescimento do país. Agora, isso é um movimento natural. Na verdade, esse ciclo de importação e exportação acontece em todo o mundo. O que está acontecendo é que o Brasil está crescendo muito. Mais do que tem capacidade interna de produzir e é normal que haja necessidade de importar. Esse déficit é normal. Até porque, no caso brasileiro, existe entrada de dinheiro que financia esse déficit.

P: De que modo isso pode impactar o câmbio?

LRC: Toda vez que as importações crescem mais que as exportações a tendência é de que tenha uma pressão no câmbio. Mas por outro lado, sobre o ponto de vista do ministro Mantega, que aliás é uma visão com a qual eu concordo, isso vai ajudar para que o real se desvalorize um pouco. Em vez de ficar R$1,60 ou R$1,70, ficar R$1,90, o que ajuda as exportações. Na questão do câmbio, esse é um fator natural. Essas importações maiores acabam fazendo com que haja uma desvalorização, torna a importação mais cara e a exportação mais barata. Isso aumenta a exportação, o que ajuda a reequilibrar a economia. É mais ou menos assim que a economia funciona.

 P: Como os partidos vão tratar do tema em suas campanhas?

LRC: Eu acho que a economia não vai ser um tema importante na campanha eleitoral. O governo se beneficia do resultado positivo e a oposição tem que tomar certo cuidado para não criticar muito porque está dando certo. Dizem, e a gente costuma ler, que a oposição costuma criticar a taxa de juros. Mas o Brasil está crescendo com a taxa de juros ainda muito alta. Eu acho que esse não vai ser um tema prioritário. Nem para um lado, nem para o outro. O governo vai usar o resultado positivo. Claro, isso está aparente. Quando se olha qualquer dessas pesquisas de opinião eleitoral, você vê que a população está mais satisfeita. O governo está muito bem avaliado e está realmente utilizando esses números. É um argumento talvez difícil para a oposição trabalhar. É uma situação diferente de toda a história política brasileira. A crítica à política econômica sempre esteve presente, mas não dessa vez.

  P: A tendência é de que os gastos públicos sejam elevados em anos eleitorais. Como vão ficar as contas públicas em 2010?

LRC: Talvez essa seja uma questão, sob o ponto de vista de um prazo mais longo, mas não um problema para 2010. Se esse ano o país tiver um crescimento de 5%, a arrecadação também irá crescer. O governo está contando com isso. Aliás, o primeiro dado do ano já comprova essas informações, e isso reduz um pouco a preocupação com as contas públicas em 2010. Eu diria que a questão dos gastos públicos é uma preocupação de prazo mais longo. Quando os gastos são de investimentos, de obras, estradas, portos, saneamento, habitação, isso é muito positivo para o país. O crescimento do gasto de pessoal é que é mais controverso. Porque, na verdade, esse é um gasto permanente. Os gastos podem ser um peso para 2011, 2012 ou 2013. Esse é claramente um problema do próximo governo, não desse.

P: Você acha que os gastos públicos e os impostos serão temas de campanha em 2010?

LRC: Acho que vai haver uma crítica da oposição em relação a essa questão dos gastos. Mas ela também tem que ser um pouco cuidadosa porque, hoje, uma grande parte da juventude está fazendo concurso público. Ou seja, as oportunidades cresceram. Então, também tem que haver certo cuidado porque, na verdade, você pode estar criticando uma coisa que passou a ser uma expectativa importante para uma parte muito importante do eleitorado que é a juventude. Então, eu tomaria cuidado com as críticas. E, diga-se de passagem, o principal possível candidato de oposição, que é o Serra, defende a atuação de um Estado efetivo, assim como a Dilma. Então, estamos falando de visões relativamente parecidas sobre isso.

 P: Qual o balanço que o senhor faz sobre o governo Lula?

 LRC: Eu acho que o governo Lula fez uma coisa muito clara. Eu diria que, do ponto de vista político e econômico, o presidente Lula viu que a política econômica era uma coisa que estava funcionando e  a manteve. Além disso, sob o ponto de vista da distribuição de renda e das transferências sociais, que também são parte de um processo que já vinha do governo anterior, ambas foram ampliadas. Isso tem ajudado muito a segurar o tecido social no Brasil. Os estudos têm mostrado que o país vem apresentando uma evolução muito positiva. É também um processo longo e, diga-se de passagem, se não houvesse a redução da inflação, nada disso poderia ocorrer. A inflação é o imposto mais iníquo que existe sobre a sociedade, especialmente sobre as pessoas assalariadas de renda baixa. Elas são as que mais sofrem. Por isso é que no Brasil ninguém gosta. Acho que é muito positivo o resultado do atual governo. As pesquisas mostram isso. É difícil ir contra a opinião popular.