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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Cultura

Quarenta anos depois, o Ocidente ainda respira Beatles

Laura Mollica - Da sala de aula

15/03/2010

 Reprodução/Internet

“Será que John não percebe que estamos nessa juntos? Pode ser ele e Yoko, mas as pessoas vão dizer que são os Beatles que estão na pornografia agora”, comentou Paul McCartney sobre Two Virgins, álbum de John Lennon e Yoko Ono, que tinha como encarte os dois nus. Assim começou uma das muitas discussões que a banda mais imitada do rock atravessaria ao longo de sua existência. No mesmo ano do lançamento de Two Virgins, 1968, Lennon - Beatle de poucas regras - se entediava gravando Ob-La-Di, Ob-La-Da, de McCartney. O Álbum Branco, ou “Álbum tenso”, foi considerado uma obra-prima desconjuntada, “som de uma banda no auge da sua forma, mas sem esperança alguma”, segundo a revista Rolling Stone.

"Os Beatles foram a mais importante formação musical pop que já existiu. O público, a mídia e a crítica não conseguem esquecê-los, porque o que quer que se considere utopia, um mundo de paz e compreensão, contém o som deles", diz o músico David Tygel. De fato, em 1968, quando foi lançada Hey Jude, composição de Paul dedicada ao filho de Lennon depois de sua separação com Cynthia Powell, a música virou um hino de fé no amor. Essa atmosfera de cumplicidade e amor mútuo que os Beatles passavam para o seu público não estava mais acontecendo dentro da própria banda. Paul chegou a declarar sua insatisfação para um jornal da época: “Estamos todos falando de paz e amor, mas na verdade não estamos nos sentindo nem um pouco pacíficos”.

Em 1967, quando começaram o filme Magical mystery tour, as desavenças entre os quatro integrantes já se formavam. “Eu tenho certeza que Paul só estava nesse projeto para manter os Beatles fazendo alguma coisa, para continuarem normalmente. E o normal era trabalhar”, conta o amigo da banda Tony Bramwell em seu livro Magical mystery tours. “Paul queria que trabalhássemos o tempo todo. Era viciado em trabalho”, reclamava Ringo. As tensões também ocorriam entre George Harrison e John Lennon. George dizia que Yoko tinha uma voz de maior peso que a dele nas decisões da banda, enquanto John não dizia nada, apenas “concordava com o que Yoko dissesse”, segundo a Rolling Stone.

Em 1969, quando foi lançado o álbum Abbey Road, não havia mais Beatles. O show da banda no telhado do escritório da Apple, gravadora lançada por eles, ficou como uma última aparição dos quatro juntos na memória. Em 1971, Lennon foi com Yoko para Nova York, onde sua obra era mais reconhecida do que na Inglaterra, como afirmou a Dick Cavett em entrevista na TV. Imagine, War is over e Give peace a chance foram marcos de seu ativismo antiguerra, e registros da época dizem que Lennon falava na idade de Jesus Cristo quando morreu. “Eles vão me matar, mas tenho no mínimo quatro anos, então tenho muito o que fazer”, disse John segundo relato de Tony Bramwell. O assassinato de Lennon, no dia 8 de dezembro de 1980, voltou a ser notícia com Capítulo 27 (Chapter 27, 2007), filme de J.P. Schaefer, que conta a trajetória do assassino Mark Chapman. “Filmes têm a capacidade de tornar os personagens mais humanos. Achei que a produção quis enfatizar que Chapman era esquizofrênico para amenizar sua culpa”, diz o professor da PUC-Rio Rafael Rusak, especialista em Beatles.

“A vulgarização comercial constitui uma das pragas da vida ocidental do século XX. A imprensa decidiu que a rebelião vende bem”, dizia o autor do livro A Contracultura, Theodore Roszak. Brian Epstein, empresário dos Beatles em início de carreira, foi o responsável por alavancar a banda, mas o mercado publicitário tratou de fazer o resto. “É como se nunca saísse de moda aqui. A cultura inglesa respira Beatles”, observa a publicitária Cynhtia Colucci, que mora em Londres há dois anos. Exemplo disso foi Hey Jude, música recentemente usada como alvo de publicidade reunindo 13.500 pessoas na Trafalgar Square num karaoquê gigante. Mesmo 40 anos depois da separação, os Beatles tiveram 16 álbuns entre os 50 mais vendidos no mês passado, segundo a Billboard. O game Beatles: Rock Band já introduz o quarteto para as novas gerações. “Poder tocar o baixo de Paul McCartney é viver uma época que eu não pude presenciar”, diz o ex-vocalista da banda Luis Dogue, Darke Mattos.

A onipresença dos Beatles no Ocidente não garante, porém, o sucesso no resto do mundo. “Até sair do Irã nunca tinha ouvido falar de Beatles. Quando fui estudar na Europa ouvi pela primeira vez. A imprensa iraniana não divulga nada sobre eles”,contao estudante de Engenharia Hesam Taheri. “Ao contrário de Michael Jackson, em Angola e na Etiópia, onde morei, não se ouve falar deles”, comenta o estudante de Direito Maulo Dombaxi.“Os Beatles são, de fato, um grande fenômeno do Ocidente. Eles até buscaram referências para suas músicas na Índia, ex-colônia inglesa, mas muita gente não tem acesso a eles nesses países”, diz Rafael Rusak.

* Texto produzido em sala de aula para a disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso, ministrada pelo professor Arthur Dapieve.