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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Cultura

Jablonski: "Sucesso do Big Brother tem um mix de causas"

Lais Botelho - Do Portal

12/03/2010

 Mauro Pimentel

“Boa noite, sejam bem vindos a mais um campeão de audiência”. Diariamente somos convidados a participar da décima edição do programa que mobiliza mais de 90 milhões de brasileiros. O fenômeno Big Brother potencializou o sucesso dos reality shows, gênero criado no início da TV, na década de 40. A longevidade do show apresentado pelo jornalista Pedro Bial tem um "mix de causas" – desde a exploração da sexualidade e a valorização da beleza até a inclinação à curiosidade e o gosto do brasileirio por jogos e novelas, aponta o psicólogo Bernardo Jablonski, professor da PUC-Rio e orientador da tese O que o BBB tem a ver com você, de Erika Lazary (PUC, 2006). Em entrevista ao Portal PUC-Rio Digital, o especialista observa: apesar da retórica da espontaneidade, a velha busca por fama e dinheiro conduz o desejo e o comportamento na casa. Ele brinca: "qualquer dia vão colocar lá a Paris Hilton para chamar a atenção".  

Lançado em 1999 pelo canal holandês Verônica, o Big Brother inspirou-se no livro 1984, de George Orwell, em que um déspota controla a sociedade por meio de câmeras. Na versão da TV, criada por John de Mol, a proposta de vigiar "pessoas comuns" 24 horas por dia assumia o sentido do espetáculo. O programa virou galinha dos ovos de ouro no Brasil. Faturou, em 2009, R$ 280 milhões. Seus participantes querem viver um conto de fadas, compara Jablonski. Seus espectadores, estimulados por avanços interativos, tornam-se juízes. Assim o BBB bate recordes de audiência e se mantém entre os xodós da programação da Globo. Um sucesso de múltiplas explicações, avalia o professor. 

Portal PUC-Rio Digital: A cada edição, a quantidade de candidatos aumenta (para esta, foram enviados à emissora mais de 300 mil vídeos). O que leva tantas pessoas a desejarem expor a intimidade publicamente?

Jablonski: Não é o caso de expor a intimidade, mas de participar de um programa de sucesso que rende R$ 1,5 milhão objetivamente, fora os ganhos secundários: aparecer em uma novela, no Zorra Total, ganhar carro. Não é só uma questão de expor a intimidade. Essa noção já parte do nosso cotidiano. A ideia é ascender na vida, como nos  contos de fada. Chega a fada Bial com uma varinha de condão e transforma a gata borralheira em princesa.

P: O programa simula a realidade, com pessoas comuns e situações corriqueiras. Apesar disso, mobiliza milhões de pessoas diariamente. A que o senhor atribui o fato de o programa ter se tornado um sintoma social?

J: Isso é um verdadeiro mistério. Talvez seja um conceito que inconscientemente circulava e nós ainda não tínhamos nos dado conta. Temos várias linhas de raciocínio, somos animais sociais, dependemos de outras pessoas para viver, isso desperta nossa curiosidade sobre o outro. A quebra da privacidade também conta, já que é um conceito relativamente novo. Além disso, o programa também reúne gente bonita, e beleza é importante. Sexo, naturalmente, interessa a todos. Há ainda um quê de novela e a paixão dos brasileiros por jogos. Assim, não há uma causa, mas sim um mix: sexo, beleza, novela, conflito, nossa curiosidade e o fato de sermos animais sociais.

Mauro Pimentel 

P: O volume de assinaturas do show 24 horas bate recordes (230 mil no ano passado). O telespectador deseja deixar de viver sua vida para viver essa outra realidade?

J: Isso é um mistério profundo. Se eu tivesse essa resposta, iria até Estocolmo pegar o prêmio Nobel. Porque quando assistimos à edição, com os melhores momentos, barracos, é aceitável. Existe a identificação. Queremos ver o que há de semelhante entre nós e "essa gente tão diferente". Inconscientemente, procuramos a identificação: eu sou um pouco aquele cara, você é aquela mulher. No caso das assinaturas, observa-se um lado voyeur bem avançado. É muito buraco de fechadura, muita paciência. Haja curiosidade e falta do que fazer.

P: De acordo com Antonio Quinet, em seu livro Um olhar a mais: ver e ser visto em psicanálise, as pessoas se enfeitam no filme-vida para agradar o público. Os participantes dão prioridade à satisfação alheia em detrimento da pessoal?

J: Somos animais sociais. Temos que ter o equilíbrio entre satisfazer os nossos desejos e viver em grupo. Depois de ter passado 20 dias na casa, você é você mesmo. Não há como fingir em horário integral. Mesmo quando escolhemos uma máscara, dizemos quem somos. Ao mesmo tempo, somos todos iguais, porque somos todos humanos; e ao mesmo tempo diferentes, cada um de um tipo, cada um com uma predileção, um gosto, um hábito, que também vai se modificando ao longo do tempo e ao longo da relação com os outros.

P: Até que ponto o programa não passa de mais um negócio que lucra com o exibicionismo alheio?

J: A intenção da televisão é entretenimento, um negócio como outro qualquer. Mas, ao mesmo tempo, estamos vendo relações humanas, desdobramentos, conflitos, então é um prato cheio. Um laboratório ou um zoológico, mal comparando. Estão o leão, o macaco, está lá o ser humano. Todos dentro de uma jaula sendo observados.

P: Assim como as novelas, o reality show dita modas e comportamentos?

J: Sim, influencia na mudança de comportamento, até no modo de falar, nas gírias, que acabam virando uma espécie de bordão. Isso começou com os filmes americanos que vemos desde que passamos a frequentar cinema. Modificam a nossa maneira de falar, sentir, pensar. O psicanalista Contardo Calligaris pergunta: quem conhece a gente? Os tratados medievais? Não, são as novelas, os filmes, a televisão. Podemos não gostar, criticar, mas eles trouxeram uma liberalização dos costumes. Então estamos sempre observando, nos comparando. Se é bom, fazemos igual. Se não, talvez faríamos também.

P: O senhor acredita que a inclusão de gays e lésbicas no programa teve um objetivo social ou comercial?

J: Existe o lado social, em que a emissora atenta para a causa, desprovindo-se de preconceitos. Aquele filme com o Tom Hanks, Filadélfia, fez mais pela causa gay do que 508 teses, 200 mil artigos e 300 mil dissertações. Mas também há o entretenimento e a espetacularização. Daqui há alguns anos, não sei o que colocarão lá para chamar a atenção. Talvez tamanduás, jogadores de basquete, Paris Hilton.