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Rio de Janeiro, 2 de maio de 2024


País

"O Rio está vivendo um momento mágico"

Elisa Veiga e Eliane Martins - Da sala de aula

11/03/2010

Em 2010, o Rio completa 50 anos da perda da capital federal para Brasília. Foram tempos de crise. Foi no governo de Juscelino Kubitschek que houve o grande êxodo rural. Os “fugitivos” da seca do nordeste e do desemprego saíram em busca de trabalho e melhores condições de vida nas grandes cidades do Sudeste. Esse processo se estendeu até as décadas de 1970 e 1980. No entanto, como as cidades não ofereceram condições sociais aos migrantes, visto que não tinham estrutura para isso, acabou causando o esperado: aumento de favelas e cortiços; desemprego, pois muitos migrantes não tinham qualificação necessária para os empregos; e aumento da violência principalmente nas periferias. Esse crescimento desordenado causou muitos problemas sociais que persistem ainda hoje.

Em entrevista, o economista e ex-aluno da PUC-Rio André Urani – um dos principais nomes no estudo das belezas e das mazelas da cidade do Rio de Janeiro – aponta os efeitos da transferência da capital no processo de desenvolvimento da cidade. Outro fator marcante na história do Rio de Janeiro foi o deslocamento da liderança econômica para São Paulo, fato que teve seu estopim na década de 1980, quando a indústria afundou e o setor financeiro foi esvaziado. As fábricas começaram a falir e os empregados, que moravam ao longo da Avenida Brasil, foram abandonados, dando início ao processo de favelização da cidade. Surge nessa época a comunidade de Vigário Geral.

Por conhecer a fundo o Rio e já ter participado da esfera pública, tendo sido, dentre outros cargos, secretário municipal do Trabalho de 1997 a 2000, Urani lançou em julho de 2008, pela editora Campus-Elsevier, o livro Trilhas para o Rio – Do reconhecimento da queda à reinvenção do futuro. Nele, o autor mostra que a cidade tem força para mudar o jogo e que os problemas e soluções apresentados na obra podem servir de molde para qualquer metrópole do mundo. Com base nas pesquisas do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), Urani faz de seu livro uma obra sociológica, um estudo científico, uma declaração de amor à cidade e uma visão diferenciada de muitos estudiosos sobre a perda do status de capital federal para Brasília.

Jornalista e economista, com graduação e mestrado pela PUC-Rio e doutorado pelo Delta (Departamento e Laboratório de Economia Teórica e Aplicada - Paris), André Urani nasceu em Turim, no norte da Itália, em 11 de fevereiro de 1960. Veio para o Brasil aos quatro anos, se naturalizou cidadão brasileiro e atualmente mora no Rio de Janeiro.

Divulgação Durante a entrevista, o economista enfatizou um ponto importante para a cidade: o reconhecimento da queda, que está no título de seu próprio livro.

- O primeiro ponto é reconhecer a queda. Enquanto você não reconhecê-la você não é capaz de construir soluções à altura do problema que você enfrenta - elucida Urani.

Portal PUC-Rio Digital: André, como o Rio de Janeiro chegou a esse estado de estagnação econômica? Podemos classificar a perda da capital federal para Brasília como ponto crucial dessa decadência?

André Urani: O Rio agora não está estagnado, o Rio está crescendo. Tenho a impressão que estamos vivendo um momento mágico. O problema é que essa recuperação se dá depois de muita pancada. Mas esse momento mágico depende, hoje, do governador, do prefeito, e da iniciativa privada. Na verdade, o Rio está começando a melhorar, mas a situação é bem problemática. A cidade perdeu, pouco a pouco, tudo o que a fez se tornar uma metrópole. O modelo financeiro que foi aplicado aqui não foi tão bem sucedido como em São Paulo. Esse modelo de industrialização tem mais a ver com São Paulo. Mas não foi só o Rio que perdeu com a ida da capital para Brasília. O Brasil também perdeu.

P: Qual foi o principal dano que o país e o Rio tiveram quando a capital deixou de ser aqui?

AU: O Rio sofreu um dano moral. É o mesmo que amputar um território da sua identidade. O Brasil começou a perder muita coisa: perdeu a indústria, perdeu a agência de publicidade, e perdeu mais ainda a identidade.

P: Cinquenta anos depois, o que mudou e o que permanece igual no Rio de Janeiro?

AU: No momento, a chance que a gente tem é de encarar a vida como ela é, e inventar alguma razão de ser que não sejam as mesmas de antigamente. Aquilo que ficou para trás tem que ser esquecido. A cidade tem que se reinventar, assim como aconteceu com Londres e Paris. Hoje, o que mudou é que as pessoas se deram conta de que tudo não é mais como era no passado. E se você quiser ter algum futuro, terá que construí-lo. Isso não é simples. Está havendo um choque de realidade.

P:Quais são os principais problemas e soluções para as dificuldades enfrentadas pelo Rio?

AU: Não existe solução simples. Todas são complicadas. O primeiro ponto é reconhecer a queda. Enquanto você não reconhecer esse fato, você não é capaz de construir soluções à altura do problema que se está enfrentando. A ficha está começando a cair.

P: No seu livro Trilhas para o Rio, o senhor destaca no próprio título o reconhecimento da queda e a reinvenção do futuro. Como o senhor percebe este reconhecimento e a reinvenção?

AU: Ainda é um processo. As coisas não mudam assim tão facilmente. Nelson Rodrigues disse que desenvolvimento não se improvisa. Achar que você vai mudar a mentalidade de uma hora para outra é ilusão, você não muda não. Mudar a direção assim é difícil, é complexo.

P: O senhor acredita que, com os investimentos que vai receber para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, o Rio vai mudar? Podemos acreditar em uma melhora real?

AU: Pode. Mas a gente não pode imaginar que isso seja suficiente para amenizar a perda que nós tivemos nos últimos 50 anos. O máximo que se pode almejar com o que vem pela frente é sair desse impacto circunstancial que temos hoje e produzirmos alguns resultados importantes. Não se pode achar que vamos resolver todos os problemas dos subúrbios cariocas, incorporar todas as favelas na cidade formal como um todo. Reduzir a desigualdade para um nível aceitável. Acho que a gente pode, nesses sete anos até os Jogos, aprender a costurar políticas mais consistentes.

P: As belas praias, o réveillon e o carnaval do Rio são conhecidos no mundo todo. O senhor acha que temos mais a oferecer?

AU: O Rio é uma vitrine natural. A capital foi tirada daqui, mas a cidade ainda é o cartão postal. Nesse momento mágico que a gente vive pela primeira vez o mundo olha para gente com simpatia e respeito. Hoje, a gente olha para os outros de igual para igual. O mundo olha para o Brasil e para o Rio porque acham que só nós temos uma coisa a oferecer, e essa coisa tem a ver com alegria, tem a ver com festa, com a maneira de lidar com a natureza, alguma capacidade de lidar com o outro. Essa redefinição de identidade passa muito por isso. Para nós nos posicionarmos no mundo não só do jeito que a gente é, mas da maneira que o mundo espera que a gente seja. E a hora é essa. O Rio pode ser extremamente beneficiado se souber catalisar isso.