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Rio de Janeiro, 2 de maio de 2024


País

Verba eleitoral: nova regra é insuficiente, dizem analistas

Bruno Alfano - Do Portal

04/03/2010

 Mauro Pimentel

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou, na terça-feira passada, resolução que extingue as doações ocultas às campanhas eleitorais. Pela nova regra, válida já para as eleições deste ano, os partidos são obrigados a discriminar a origem da doação - feita por pessoa física ou jurídica - em até um mês depois da votação. O analista político Ricardo Ismael, coordenador de graduação do Departamento de Ciências Sociais e Política da PUC-Rio, considera a mudança positiva, pois favorece a transparência, mas faz duas ressalvas: chegou com atraso e é insuficiente para consolidar um modelo de financiamento mais adequado aos avanços democráticos. 

Acho positivo quando a Justiça Eleitoral tenta dar mais transparência ao pleito. O eleitor precisa saber a origem do dinheiro para depois descobrir se existe uma contrapartida de quem fez a doação. Entretanto, esta mudança já teria que ter sido realizada. Isso causa problemas por que os partidos precisam se adaptar. As mudanças deveriam ser divulgadas, pelo menos, um ano antes do pleito .

Para a cientista social e pesquisadora da PUC-Rio Joana Macedo, os efeitos da mudança precisam ser depurados até que se produzam os ajustes necessários. Ela reforça que a consolidação de um modelo "ideal" para o financiamento de campanha ainda exige uma série de discussões e esforços democráticos:  

Há um movimento do TSE para promover maior fiscalização e controle do uso da verba pública, o que procede num cenário político de corrupção. Por isso, a tentativa de tornar mais transparente o financiamento de campanha. Não saberia precisar o modelo ideal. Nos projetos de reforma política percebe-se que um item constante é o financiamento exclusivamente público. São propostas com o suposto objetivo de melhorar o modelo atual e combater a corrupção. Mas exigem uma reflexão cuidadosa, pois mudanças nas normas eleitorais implica riscos e incertezas. Devemos observar como será o comportamento de doações daqui em diante.

Segundo a nova resolução, a arrecadação e a distribuição dos recursos doados está condicionada à abertura de conta específica para a campanha. Assim, candidatos e partidos são obrigados a discriminar a origem e o destino do dinheiro arrecadado. A medida procura acabar com uma manobra corriqueira: a doação oculta, classificada tecnicamente de “doação partidária”. Significa, na prática, um drible na prestação de contas.

A Justiça Eleitoral tem que tentar aumentar a transparência da arrecadação e acabar com o caixa-dois. Para isso, também deve se limitar o montante que o partido recebe das empresas, obrigando-o a procurar várias fontes de doação. Além disso, tem que punir severamente a má aplicação do dinheiro – afirma Ismael.

O especialista defende o financiamento misto de campanha, composto por fontes de dinheiro privado e público. Argumenta, no entanto, que este modelo deve ser aprimorado, em vez de submeter todo o sistema de financinanciamento a uma reforma:

O ideal é aperfeiçoar o financiamento misto. É importante que a fonte das doações seja pulverizada, como aconteceu nos EUA, na campanha do Barack Obama, com muitos eleitores fazendo pequenas doações pela internet.

O Brasil dá alguns passos neste sentido. Pela nova resolução do TSE, partidos e candidados podem receber doações por cartões de crédito e débito, exclusivamente por pessoas físicas. Para recebê-las, devem cumprir uma série de exigências legais, como registro na Justiça Eleitoral, inscrição no CNPJ e página internet específica para tais doações. O objetivo é conter a hegemonia dos "grandes doadores" no financiamento das campanhas.  

As novas regras foram recebidas com restrições por líderes do PT, do PSDB e do DEM. Alegam que as mudanças dificultam as doações legais e, portanto, aumentam o risco de caixas-dois, em vez de coibi-lo. A prática da doação oculta é usual, pois empresas preferem não associar diretamente sua marca a um candidato. Joana Macedo reconhece a polêmica e o jogo de pressões sobre TSE:

Acabar com as práticas de doações ocultas configura um tema polêmico. Grandes partidos podem fazer pressões contra a pauta de votações, porém a palavra final é do TSE.

Na opinião da professora, para que as doações vultuosas de empresas diminuam e multipliquem-se as pequenas doações de eleitores, deve-se mudar a cultura do brasileiro:

Seria necessário ver como funcionaria, na prática, essas doações pulverizadas. No Brasil, não se tem uma cultura de doações por parte de pessoas físicas, diferente do que aconteceu nas eleições dos EUA. Aqui a maior parte das doações para as eleições presidenciais é feita por empresas.

Justiça Eleitoral julga Gilberto Kassab

Enquanto o TSE procura meios para aumentar a transparência do financiamento das campanhas, a Justiça Eleitoral promete ações sistemáticas à captação ilícita de recursos. Há duas semanas, o juiz Aloísio Sérgio Resende de Almeida, da 1° Zona Eleitoral da cidade de São Paulo, cassou o mandato do prefeito Gilberto Kassab e de sua vice,  Alda Marco. Os acusados recorreram e o efeito da sentença foi suspenso.

O juiz considerou que 31,01% do total das doações recebidas por Kassab foram provenientes de origens vedadas. As doações feitas pelo Itaú, responsável por parte do pagamento dos funcionários da prefeitura, e pela Associação Imobiliária Brasileira (AIB), acusada de ser uma empresa de fachada para o sindicado da habitação, não foram aceitas. Pela lei, empresas que prestam serviços públicos e sindicatos não podem doar.

Principais alterações feitas pelo TSE

  • Os partidos deverão abrir conta bancária específica para captação de recursos e indicar a origem do dinheiro que cada candidato recebeu, em até 30 dias após o pleito.
  • Serão aceitas doações feitas por cartão de crédito até o dia da votação - primeiro e segundo turnos - com limite de 10% do rendimento bruto do doador, no ano anterior à eleição. Só poderão efetuar a doação pessoas físicas com cartões emitidos no país.
  • O candidato deverá tornar público, pela página da internet do TSE, a sua certidão criminal, porém só serão impedidos de se candidatarem aqueles casos em que haja condenação judicial definitiva.
  • Haverá, nos estabelecimentos penais e de internação de adolescentes, instalações de seções eleitorais especiais. A medida foi aceita sob o argumento do presidente da Casa, ministro Carlos Ayres Britto, de que o preso não perdeu seus direitos políticos.   
  • Cidadãos aptos a votar que estão fora do seu domínio eleitoral no dia do pleito poderão solicitar transferência de título provisória.
  • O número de representantes de cada estado na Câmara dos Deputados não será alterado como pretendia o Ministro Arnaldo Versiani.