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Rio de Janeiro, 22 de dezembro de 2024


País

José Mindlin deixa caminho para a difusão do livro

Lucas Soares - Do Portal

02/03/2010

 Reprodução

Noventa e cinco anos de idade, oitenta deles dedicados ao prazer de colecionar livros. Tesouros eram fartos na biblioteca de José Ephim Mindlin. Nascido em São Paulo, em 1914, Mindlin dedicou sua vida à grande paixão da bibliofilia. Influenciado pelos pais no hábito da leitura, aos 13 anos começou a montar seu acervo. Mindlin percorria os sebos de São Paulo negociando a compra de livros que anos mais tarde dariam a ele o título de proprietário da maior biblioteca particular do Brasil. A morte do colecionador, no domingo passado, deixa um exemplo de abnegação e generosidade, observa Cleonice Berardinelli, professora da PUC-Rio e membro da Academia Brasileira de Letras: 

– Ele sempre foi muito bem preparado para tudo o que ele se propôs a fazer. Tinha uma preciosidade em suas mãos, mas jamais se mostrou avarento.

Cleonice lembra que Mindlin mostrava seu acervo como quem mostra um tesouro:

– A gente via o brilho nos olhos dele quando íamos visitá-lo. Ele ficava horas e horas ali, só passeando. Foi um casamento muito feliz o dele com Guita. Ele procurava pelas obras raras e ela as restaurava como quem faz uma obra de arte – conta a escritora, referindo-se a Guita Mindlin, esposa e restauradora dos livros do marido.

Mindlin colecionava não só pelo fetiche. Tinha uma relação de amor com cada obra e queria dividi-la com todos. Dentre as preciosidades, estão quase todas as primeiras edições dos livros de Machado de Assis e manuscritos de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, que Mindlin admirava com orgulho. A arte de escrever fascinava o bibliófilo. Orgulhava-se também da primeira edição de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, e da primeira de O Guarany, de José de Alencar. O acervo de 40 mil volumes conta com o primeiro livro em que o Brasil foi citado, em uma coletânea de viagens de 1507 que noticia a viagem de Pedro Álvares Cabral.

A vasta coleção começou em 1927, quando o adolescente Mindlin garimpou num sebo Discurso sobre a História Universal, escrito em 1740 pelo bispo francês Jacob Bossuet. Para o escritor Affonso Romano de Sant'Anna, ex-presidente da Biblioteca Nacional, José Mindlin foi "um exemplo de colecionador atento e competente":

– Uma pessoa que levou ao público o amor aos livros, alguém que pôs sua fortuna a serviço da cultura e sabia cultivar os amigos.

Sant'Anna reforça que colecionadores da estirpe do Mindlin, como Plinio Doyle, Waldemar Torres e Cláudio Giordano, merecem todo o apoio da sociedade. Segundo o escritor, “eles fazem um trabalho semelhante ao dos ecologistas, salvando espécies em extinção”.

 Mauro Pimentel

Formado em direito pela Universidade de São Paulo (USP), Mindlin advogou até 1950, quando fundou a empresa Metal Leve. Até 1996, destacou-se como empresário no setor de peças para automóveis. Chegou a trabalhar numa redação de jornal aos 15 anos. Na carreira política, foi secretário de Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, em 1975. Quando repassou a direção da Metal Leve, em 1996, deixou o ofício de administrador e dedicou-se definitivamente à cultura, à sua biblioteca, às leituras.

Na atividade de bilbiófilo, Mindlin reuniu ao longo de 80 anos a maior coleção de livros e documentos sobre o Brasil (brasiliana) pertencente a um colecionador particular no mundo. Em 2009, todo o acervo foi doado à Universidade de São Paulo por ele próprio para a criação da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. Iniciativa aprovada por Dolores Perez, diretora da Divisão de Bibliotecas e Documentação da PUC-Rio. (Parte dos livros e documentos reunidos por Mindlin já pode ser consultada na Brasiliana Digital.)

– É uma preciosidade o que ele deixa para a USP. Felizmente a Universidade de São Paulo vai poder preservar e difundir todo esse conhecimento reunido por ele. A iniciativa dele de deixar todo esse acervo para uma instituição que promove o conhecimento é válida – avalia.

Desde junho de 2006, Mindlin ocupava a cadeira número 29 da Academia Brasileira de Letras, sucedendo a Josué Montello. Marcos Vilaça, presidente da Academia, determinou que a bandeira da ABL, no Rio, permaneça hasteada a meio-mastro e que seja guardado luto nos próximos três dias. Em nota, Vilaça disse que “Mindlin era um emblema do livro, tinha com ele uma relação orgânica. Vamos sentir muito a sua falta”. A jornalista Mànya Millen, editora do caderno Prosa e Verso, do Globo, reforça que Midlin deixa um legado importantíssimo:

– Um empresário que serve de exemplo. Colecionava livros para o prazer dele, mas nunca abriu mão de dividir isso com toda a comunidade. Mindlin fez, por iniciativa privada, algo que cabe ao setor público. Sem dúvidas, deve ser lembrado por isso, principalmente num país onde o livro ainda não é valorizado como deveria.

Para Mànya, a democratização do acesso a esse acervo é de "extrema importância":

– Todas essas obras já são objetos de procura nos dias de hoje. No futuro, com a consulta digital, poderão ser acessadas por muito mais pessoas.

Apesar do título de colecionador, Mindlin também já escreveu. Em Uma vida entre livros, de 1996, ele conta um pouco da história de sua biblioteca, da sua formação, do amor pelos livros, das aventuras que por eles viveu. Segundo o autor, a motivação para escrever veio quando ele se deu conta de que “através desta história, poderia talvez estimular em outros o amor ao livro, e, principalmente, o amor à leitura.” Mindlin escreveu também Reinações de José Mindlin (2008) e No mundo dos livros (2009).

José Mindlin estava internado havia um mês no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Morreu na manhã de domingo, 28 de fevereiro, com falência múltipla dos órgãos. Seu corpo foi sepultado no mesmo dia, às 16h20, no Cemitério Israelita, na capital paulista.