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Rio de Janeiro, 2 de maio de 2024


País

Nomeações apontam falta de controle da máquina pública

Evandro Lima Rodrigues - Do Portal

04/02/2010

 Divulgação Ela é autora de mais de 20 livros, um deles sobre os dois governos Vargas (1930-1945; 1951-1954) e outro sobre a ditadura militar no Brasil. Em seu último lançamento, "A elite dirigente do governo Lula", publicado pela editora da Fundação GEtúlio Vargas, a cientista política e professora do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio Maria Celina D’Araujo realizou uma pesquisa inédita sobre o perfil do conjunto de pessoas que chegou ao topo do Poder Executivo no país, a partir de 2003. Em uma entrevista concedida ao Portal PUC-Rio Digital, ela fala sobre o índice de sindicalização e o partidarismo da máquina pública. A professora elogiou também a diversidade do ministério Lula.

Portal PUC-Rio Digital: O livro apresenta, entre outros aspectos, a relação formada no governo Lula com profissionais de vários segmentos sociais, determinante para a constituição da sua equipe. Qual a motivação para desenvolver esse tema?

Maria Celina D´Araujo: Em geral os estudos sobre burocracia e a composição das elites dirigentes no Brasil [Direção e Assessoramento Superiores níveis 5 e 6, cargos de Natureza Especial e Ministérios] são muito precários. A gente não tem uma tradição de boas pesquisas sobre quem são esses quadros administrativos, onde estudaram, o que estudaram, qual é a experiência profissional. Isso em vários países é uma informação que é colocada à disposição do público por meio de um banco de dados, e aqui no Brasil não há informação disponível, porque em geral não se acha importante estudar as elites burocráticas. Creio que é um direito do cidadão conhecer quem está executando as despesas e as políticas que foram votadas no Congresso.

P: Que análise é possível ser feita após o resultado da investigação?

M: Observamos nas amostras de ocupantes de cargos de DAS 5, 6 e NES do governo Lula, com as quais trabalhamos, que cerca de 40% deles têm filiação sindical e aproximadamente 10% pertencem a uma central sindical, especialmente à CUT [Central Única dos Trabalhadores]. Além do que, 25% indicaram filiação partidária, a maioria ao PT. A constatação da presença de grupos sindicais e do PT no governo Lula se, por um lado, já era esperada devido aos vínculos históricos do presidente com essas organizações, por outro lado nos obriga a pensar numa perspectiva de mais longo prazo. De fato, as taxas de sindicalização no serviço público no Brasil são muito altas e a preferência destes profissionais pelo PT tem sido amplamente demonstrada em várias pesquisas. Dessa forma, independente do governo, é de se esperar que haja sempre uma grande presença de sindicalizados e de filiados ao PT entre os ocupantes dos cargos de DAS, pois a maioria deles é recrutada no serviço público federal.

P: A senhora diz que majoritariamente os integrantes das carreiras públicas, maioria recrutada para ocupar os cargos de DAS, estão filiados a sindicatos e têm preferencialmente adotado o PT como partido. O que poderia se esperar dessa presença, por exemplo, num governo tucano?

M: As máquinas administrativas variam de acordo com o governo. De toda forma, a gente observa que esse grupo não confirma uma tese que aquilo tudo é clientelismo, que é barganha política, mas confirma também que é um grupo altamente politizado. O que se pergunta e não tem resposta é qual o impacto para a administração pública desta grande taxa de organização sindical que não é um fenômeno deste governo, mas desde a Constituição de 88. Se isso vai mudar com outro governo, eu não creio muito. Existe um certo pacto na política brasileira de não alterar muito as coisas em relação a esse “estamento” burocrático que se consolidou no Brasil ao longo dos séculos.

P: Uma das reflexões do livro é sobre a ausência de regras estáveis para definir os critérios de nomeação dos dirigentes públicos no Brasil, principalmente os ocupantes dos cargos de DAS. É possível dizer que essa postura compromete a qualidade do funcionamento da máquina pública?

M: Desde o fim do regime militar, as normas que regulam o processo de provimento para esses cargos praticamente sofreram alterações em todos os governos, de Sarney a Lula. Consideramos que essas mudanças constantes demonstram fragilidade administrativa e oportunidade política. Denotam que a administração pública nem sempre é tratada de forma impessoal e profissional e, portanto, pode mudar a cada governo, segundo critérios e interesses de ocasião. No governo Lula, precisamente, observamos que de forma inédita a Casa Civil da Presidência da República passou a ter competência exclusiva para prover todos os cargos de DAS da administração pública federal. Na prática, a Casa Civil vem realizando nomeações apenas para os cargos de DAS 5, 6 e NES. Não há nenhum tipo de monitoramento, seja parlamentar ou da sociedade, em relação às nomeações presidenciais para os cargos de DAS, o que demonstra a precariedade dos controles sobre a máquina pública e falta de transparência em geral.

P: No governo Lula houve a introdução de novas tendências quanto à composição do ministério. O número de mulheres cresceu, aumentou a diversidade étnica e a presença da região Nordeste, o que é apontado como ponto positivo. A que se deve essa nova formação?

M: Isso acontece porque o Ministério embora seja para cargos nomeados, ele é uma instituição política que por sua maior visibilidade, tem a cara do governo. No caso do governo Lula, que tem uma conotação social forte, a proposta foi colocar pessoas que representem as minorias. É diferente do governo Fernando Henrique, em que só havia homens brancos, um ministério chocante para um social democrata. Lula não poderia ter feito isso e não fez. Assim seu ministério passa um ar de modernidade, de compromisso social e ideológico.