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Rio de Janeiro, 30 de dezembro de 2024


País

Trunfos, ameaças e previsões no xadrez das eleições 2010

Clarissa Pains - Do Portal

17/12/2009

 Arte

Alheia à permissão oficial, concedida só em julho do próximo ano, a campanha eleitoral corre solta. Menos ou mais dissimulados, os movimentos no xadrez da sucessão do presidente Lula aguçam a temporada de prognósticos. Para o cientista político e professor da PUC-Rio César Romero Jacob, a disputa de 2010 será, como nos anos recentes, polarizada entre PT e PSDB, com poucas chances para uma terceira opção de voto. A perspectiva da terceira via revela-se ainda inconsistente, avalia o especialista.

Autor do artigo A eleição presidencial de 2006 no Brasil: continuidade política e mudança na geografia eleitoral, publicado no número 19 da revista Alceu, Romero Jacob ressalva, no entanto, que só será possível estimar o cacife de cada candidato em junho do próximo, data limite para as convenções partidárias – quando as alianças estarão consolidadas; as máquinas eleitorais, azeitadas; os marqueteiros, em ação; e o dinheiro, em caixa.

Em meio a especulações, é possível, segundo o professor, enxergar uma certeza (ou a manutenção de uma fatura política): não importa quem vença, os “políticos fisiológicos”  (oligarquias, populistas) estarão na base do próximo governo:

– Lula tem que compor com José Sarney, Fernando Collor, Renan Calheiros. José Serra compõe com Orestes Quércia. Marina Silva, com Zequinha Sarney, que é um “oligarca verde” – afirma. – Seja qual for o vencedor, não poderá deixar de compor com o que há de pior na política brasileira, porque só assim se ganha eleição e se governa. As pessoas que estão na base do governo Lula estavam na base do Fernando Henrique Cardoso e estarão na do próximo governo.

O especialista aponta uma alternativa (tão ou mais improvável do que a terceira via) para diminuir o peso dos “políticos de má qualidade”: uma aliança entre PT e PSDB. Esta articulação não eliminaria aquele tipo de político, mas, de acordo com Romero Jacob, reduziria a sua força. O professor, assim como grande parte dos analistas, avalia que, à luz dos aspectos econômicos e sociais, o governo Lula é uma continuidade do governo FHC.


 Voto nos grotões é decisivo

Ao observar a trajetória de Lula – que disputou cinco eleições pós-ditadura – e dos demais protagonistas nessas corridas presidenciais, o cientista político conclui, no artigo publicado na revista Alceu, que o resultado das votações é decidido pela conjugação de um conjunto de fatores: história pessoal, carisma, discurso para convencer a classe média urbana escolarizada, máquina partidária no interior e na periferia, um bom marqueteiro, tempo no horário eleitoral gratuito.

– Só se vence eleição presidencial com voto nos grotões, os pequenos municípios geralmente pobres do interior do Brasil. Correspondem a 46% do total do eleitorado. Minha percepção é de que, numa eleição, o que mais conta são as máquinas eleitorais, organizadas pelas estruturas de poder, essenciais para se obter uma votação expressiva nos grotões.

 Voto expressivo em São Paulo também é condição necessária para a vitória nas urnas. Com 1/3 do PIB e 1/4 do eleitorado, São Paulo é o centro do capitalismo brasileiro, lembra Romero Jacob. Como o PT, partido preferido da elite sindical, e o PSDB, partido com o qual mais se identifica a elite industrial, estão bem implantados no estado, a expansão dos outros partidos na arena paulista mostra-se muito difícil. 

Segundo ele, o debate e a propaganda eleitoral gratuita são igualmente importantes para o sucesso eleitoral. Este peso restringe-se, no entanto, aos grandes centros. Noves fora, o que conta é a eficácia da  máquina partidária:

– Não é só a internet que trabalha em rede, os políticos também. Esta rede vai de Brasília até os bairros e distritos. Para ganhar eleição nos pequenos municípios, é preciso máquina  partidária. Em 2006, Lula teve votos no Brasil inteiro. Já Heloísa Helena praticamente não teve  eleitores no interior. Sem o apoio esperado, Alckmin também teve uma votação inexpressiva no interior, o que explica a sua queda do primeiro para o segundo turno – exemplifica o pesquisador. (Como ilustram os mapas eleitorais extraídos do artigo de Romero Jacob)

 

Transferência de votos

A pouco menos de um ano das eleições, uma dúvida martela o xadrez da campanha: qual a capacidade de o presidente Lula transferir, do alto de sua popularidade, os votos para Dilma Rousseff, pré-canditada do governo. Segundo pesquisa CNP divulgada no mês passado, 16% dos brasileiros votariam no candidado indicado por Lula. O percentual dos que não votariam nos indicados pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso corresponde a 50%.

O cientista político Ricardo Ismael, professor do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio, observa que, de quatro em quatro anos, elegemos uma elite política regional para governar o país. Concorda com Jacob quanto ao peso da máquina partidária, que, para ele, vai impulsionar a candidatura de Dilma:

– Todos os caciques e as oligarquias vão apoiar Dilma. Sua campanha terá muitas alianças e dinheiro, mas não vai empolgar ninguém, mesmo vencendo – ressalva. – Neste caso, ela deverá muito ao Partido dos Trabalhadores de São Paulo e aos partidos aliados, tornando-se dependente de Lula e tendo que manter apoiadores como Sarney e Renan Calheiros. Por isso, seu governo será mais amarrado, não vai poder brigar com ninguém, não terá autonomia – projeta.

Para Ismael, as próximas eleições terão uma marca ainda à margem das discussões predominantes: a participação jovem, seguindo tendência confirmada pelas campanhas de Fernando Gabeira para o governo do Rio e Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos. A adesão massiva dos jovens, alinhadada provavelmente à candidatura da senadora Marina Silva (PV), ex-ministra do Meio Ambiente, poderia alterar os rumos pretendidos pela máquina eleitoral, acredita o professor. Pois, segundo ele, “Marina sabe fazer um discurso que empolga”.

Para o professor de Ciência Política Vladimyr Lombardo, a disputa vai girar em torno do preparo dos candidatos para aperfeiçoar o governo Lula. Os especialistas concordam que os candidatos tucanos não podem “falar mal” do Bolsa Família, que atende 12 milhões de brasileiros. Entretanto, também não podem apoiá-lo incondicionalmente. Resta dizer que vão melhorá-lo. Foi assim em 1994, quando Lula não podia defender o Plano Real, símbolo da estabilização econômica, implantado por Fernando Henrique Cardoso, mas também não podia ir contra.

 

Cacifes no tabuleiro eleitoral

Jacob esclarece que todos os (pré) candidatos levam trunfos e ameaças para o jogo eleitoral. Principal líder do PSDB, José Serra tem o partido nas mãos. Na prática, significa mais autonomia para governar. Fora as munições adversárias, o governador terá de enfrentar a história. Nas eleições democráticas brasileiras, observa-se um rodízio dos líderes políticos oriundos, principalmente, de três estados: São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul (Sarney e Collor podem ser considerados acidentes de percurso). A vitória do tucano representaria a perpetuação de São Paulo no poder, onde já se encontra há 16 anos.

– Já Dilma tem, neste sentido, a vantagem de não ser paulista – pondera o cientista político. – As raízes mineiras e o alinhamento ao Sul podem ser trunfos competitivos para a pré-candidata do governo, pois simbolizam a pluralidade, a renovação, contra a hegemonia paulista. Mas ela  tem a desvantagem de, por enquanto, ser um "poste", como se diz no jargão político, ou seja, um candidato ainda sem expressão eleitoral. Na história brasileira, não há caso em que um presidente tenha conseguido fazer sucessor sem vida própria. Em algum momento, ela terá que caminhar sozinha – afirma.

Por outro lado, reitera o professor, Dilma poderá explorar o fato de ser mineira de nascimento radicada no Rio Grande do Sul. A segunda sessão mais importante do PT é a gaúcha; e a terceira, a de Minas. Assim, o governo poderá argumentar que a candidatura do PT à Presidência "representa mais o país". 

Segundo Romero Jacob, a vantagem de Marina Silva está no discurso ambiental, sério e relevante. A pré-candidata do PV carrega, porém, a "desvantagem" de, no período em que foi ministra do Meio Ambiente, ter brigado com os ruralistas, que exercem enorme poder no interior do país. Apesar da retórica significativa, em compasso com as demandas ambientais crescentes, a temática levantada por Marina tem reverberação limitada. Atrai a classe média urbana escolarizada, mas mostra-se ainda inócua nos grotões e na periferia.

– A faxineira que mora na periferia de Nova Iguaçu e trabalha numa casa no Leblon, sai às 5h e volta às 19h, não está preocupada com o meio ambiente, mas com o valor da passagem do ônibus. Ela nem alcança o debate se o ônibus polui ou não – exemplifica o professor.


Marina, a terceira via

Embora o meio ambiente seja o cartão de visitas de Marina Silva, a temática fará parte da campanha de todos os candidatos, observa Lombardo. O assunto tende a assumir especial relevância para os eleitores do Sul, vítimas de recentes catástrofes climáticas. Para outros candidatos, discussões do gênero podem representar uma armadilha:

– O tema ambiental é perigoso principalmente para Serra, porque ele representa o estado mais poluidor, centro da indústria nacional. Ainda mais se tiver como vice algum político do DEM, ligado ao agronegócio – destaca Lombardo.

Marina terá bom desempenho nos grandes centros, como Heloísa Helena em 2006, prevê Romero Jacob. Segundo ele, a senadora poderá ter boa votação também na periferia se for adotada pelos pastores pentecostais (ela é evangélica). Neste caso, haveria cerca de 17% de votos na “irmã Marina”. Por outro lado, ela teria grande rejeição devido à mistura entre religião e política partidária. Também não cresceria muito no interior, por conta do desgaste com os ruralistas. “A terceira via ainda não é um fato entre nós”, conclui o especialista.

– Sempre existirá uma terceira via, que até pode vir a ganhar algum dia, mas a série histórica mostra que ela até agora não tem futuro. Não há nada em comum entre Brizola, terceiro colocado em 1989; Enéas, em 1994; Ciro Gomes, em 1998; Garotinho, em 2002; e Heloísa Helena, em 2006. No entanto, há tudo em comum entre as estruturas de poder do PT e do PSDB – avalia Jacob.

Ricardo Ismael acredita que Marina está bem preparada e não vai fazer um discurso monotemático, como Cristóvam Buarque em 2006, cuja retórica de campanha concentrou-se  basicamente de educação. Para o professor, “a senadora pode surpreender”:

– Ela tem grandes desafios, como a falta de estrutura de partido: ela não tem uma organização de prefeitos, governadores. O pouco tempo na televisão também prejudica. Em compensação, Marina se sairá muito bem nos debates ao vivo: ela tem discurso firme e empolgante, dá de goleada na Dilma, por exemplo.

Assim como Jacob, ele crê numa votação forte para Marina no Rio e nas demais capitais, onde os eleitores "são mais independentes". Ismael projeta que, mesmo se não passar do primeiro turno, a candidata do PV terá um papel decisivo na segunda etapa da disputa.