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Rio de Janeiro, 20 de abril de 2024


Cultura

Jardim Botânico, fonte de inspiração e (re)encontros

Luísa Sandes - Do Portal

14/12/2009

 Eli Barcelos

“Eu ia ao Jardim Botânico para quê? Só para olhar. Só para ver. Só para sentir. Só para viver. Saltei do táxi e atravessei os largos portões. A sombra logo me acolheu. Fiquei parada. Lá a vida verde era larga. Eu não via ali nenhuma avareza: tudo se dava por inteiro ao vento, no ar, à vida, tudo se erguia em direção ao céu. E mais: dava também o seu mistério.” Neste trecho da crônica O ato gratuito, publicada no Jornal do Brasil em abril de 1972, Clarice Lispector, que completaria 99 anos neste 10 de dezembro, explicita sua forte relação com o Jardim Botânico.

No conto Amor do livro Laços de Família, a escritora também utiliza o Jardim Botânico como cenário. Após se deparar com um homem cego que mascava chiclete, a personagem Ana subitamente sofre um momento de transcendência espiritual. Ao passar do ponto onde desceria do bonde, ela vai ao parque e, em meio a toda aquela natureza, sente-se fascinada e enojada ao mesmo tempo. Entrega-se a uma sensação epifânica que reaviva sua essência perdida pelo cotidiano.

Tomada pela insatisfação, a personagem vive um momento estranho e único que, apesar de belo, provoca medo e agonia. Um misto de prazer intenso e da pior vontade de viver a devora. O Jardim Botânico traz luz à cegueira nauseante de sua vida, revelando, assim, questões existenciais interiores desta mulher. O mistério daquele ambiente a arrebata com uma sensação profunda e doce que a assusta. Em certa passagem, Clarice escreve: “O Jardim era tão bonito que ela teve medo do Inferno”.

– Clarice, neste conto, encontra no cenário vegetal, silêncio quase religioso diante da agitação humana, o clima ideal de rompimento com as amarras de sua circunstância para revelar-se a si mesma. Neste berço de verdura, renasce, identificada consigo, como se achasse seu nome e seu lugar em meio a alteridade das coisas – reflete Eliana Yunes, vice-decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.

A complexa subjetividade de Clarice Lispector despertou o interesse do americano Benjamin Moser, que, após cinco anos de pesquisa, escreveu uma biografia da escritora. Ele percorreu os lugares em que a escritora esteve, como a aldeia natal na qual nasceu, na Ucrânia. O livro Why this World, lançado em setembro nos Estados Unidos, investiga as raízes judaicas de Clarice e tem o objetivo de tornar sua obra mais conhecida para o resto do mundo.

Assim como Clarice Lispector, Antonio Carlos Jobim era um artista deslumbrado pelo Jardim Botânico e fequentava o local assiduamente. Em 1987, juntou-se ao fotógrafo Zeka Araújo, da revista Domingo, do Jornal do Brasil, para lançar o livro Meu Querido Jardim Botânico, um registro poético sobre um dos lugares mais belos da cidade. Em 2005, a obra foi reeditada: passou a ser bilíngue e incluiu novas fotos e manuscritos que fazem parte do acervo de Tom Jobim.

O músico era apaixonado por fotografia e pela natureza, tanto que sua música faz citações à fauna e à flora. Além disso, morou no bairro do Jardim Botânico e costumava passear no parque, onde conversava com os jardineiros e visitantes.

O amor, ou parte dele, foi retribuído com o Espaço Tom Jobim – Cultura e Meio Ambiente, inaugurado em 2006. Lá funciona a Casa do Acervo, com partituras, textos, manuscritos, fotos, depoimentos, vídeos e desenhos que sintetizam a admiração de Tom Jobim pela natureza. O centro também acolhe oficinas, salas de aula e o Espaço Múltiplo Uso, destinado a atividades de música, artes cênicas e palestras.

Em homenagem à paixão de Tom Jobim pelo Jardim Botânico, Chico Buarque, no DVD Anos Dourados, escolheu o local como cenário de seu depoimento sobre a amizade que mantinham. Juntos, gravaram canções como Retrato em Preto e Branco, Sabiá, Anos Dourados e Eu Te Amo. A natureza era uma preocupação de Tom: o compositor fez a principal apresentação musical da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento em 1992 (Rio 92).

– De Margareth Mee a Tom Jobim, ninguém fica indiferente diante de um Jardim Botânico. O silêncio, as flores, os cheiros, os tons – tudo no mundo vegetal – é uma oferta de beleza e um convite à interação. Somos seduzidos e nasce o desejo de resposta diante de uma bromélia, diante de um nenúfar, ao pé de uma palmeira. É como se reconhecêssemos nosso lugar, o paraíso. Nele, ninguém consegue calar-se. Antes, desnuda-se a alma: o espírito que busca sua fonte vital, como a planta bebe no fundo da terra sua força – diz Eliana.

Localizado na Zona Sul do Rio de Janeiro, o Jardim Botânico foi fundado em 1808 por Dom João VI. O objetivo era aclimatar as especiarias vindas das Índias Orientais. No parque, que hoje ocupa uma área de 137 hectares, são promovidas pesquisas, a conservação da biodiversidade e a preservação do meio ambiente.

– Para quem tem olhos de ver – e não basta não ser cego, como diz Pessoa –, a natureza é uma convocação a recriar, dar seguimentos ao processo de maravilhamento que implica a vida. A arte não copia, mas é suscitada pelo trabalho de composição instigante que está no mundo – acredita Eliana.