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Rio de Janeiro, 23 de abril de 2024


Mundo

Mártires jesuítas: uma luta pela justiça em El Salvador

Elisa Quadrio e Yasmim Rosa - Do Portal

04/12/2009

Num cenário de repressão, concentração de renda e miséria dos anos 1980, 1015 pessoas foram mortas pelo regime militar. Entre elas, membros da própria igreja, que, até então, pensavam ser intocáveis. No dia 24 de março de 1980, o bispo conhecido como o defensor dos pobres e oprimidos, Dom Oscar Romero, foi assassinado. Nove anos depois, seis padres jesuítas e duas mulheres foram assassinados no campus da Universidad Centramericana Jose Simeón Cañas (UCA), em El Salvador. Entre eles, estavam o reitor da universidade, Ignacio Ellacuría, e o vice-reitor, Ignacio Martín-Baró. Durante as investigações, ficou provado que militares do Exército Salvadorenho invadiram a residência dos jesuítas com o objetivo de matar aqueles que incomodavam a ditadura. Para recordar o martírio e a luta destes militantes que lutavam pelo bem social, a Cátedra Carlo Maria Martini organizou o projeto Profetas e Mártires da América, nos dias 2 e 3 de dezembro.

 

O intuito do evento era refletir sobre a morte dos padres em El Salvador e o que eles representam ainda hoje para as ações sociais do país. Para discutir o tema, estiveram reunidos Dom Dimas, o padre Carlos Palácio, SJ, provincial dos jesuítas no Brasil, padre Paul Schweitzer, professor do Departamento de Matemática da PUC-Rio, professora Maria Clara Bingemer, Decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas, e a professora Maria Elisa, historiadora da universidade.

 

Dom Romero: defensor dos pobres e oprimidos

Às vésperas do funeral de Dom Romero, em 29 de março de 1980, um grupo de bispos latino-americanos, assinou um documento que dizia: “Três coisas admiramos e agradecemos no episcopado de Dom Oscar Romero: foi, em primeiro lugar, anunciador da fé e mestre da verdade [...]. Foi, em segundo lugar, um resoluto defensor da justiça [...]. Em terceiro lugar, foi o amigo, o irmão, o defensor dos pobres e oprimidos, dos camponeses, dos operários, dos que vivem nos bairros marginalizados”.

O que Romero pregava no púlpito, em 1980, que o “verdadeiro pecado é a injustiça social” pode ser observado, hoje, em El Salvador. Mesmo que tenham tido reformas e, entre 1997 e 2007, o índice Economic Freedom of the World, do Fraser Institute, mostrar que a porcentagem de famílias pobres caiu de 60% para 34,6%, a primeira coisa que qualquer pessoa de fora observa é que a pobreza do povo não apenas continua como também se agravou. Todos os índices sociais revelam que a concentração de renda em El Salvador e em toda América Latina é ainda a mais injusta e escandalosa.

Após a exibição do filme Romero, do diretor John Duigan, Dom Dimas Lara foi convidado a participar do debate sobre mártires jesuítas. Ele relembrou alguns momentos de sua vida em que começou a conhecer melhor a história de Dom Romero.

 

– Eu estava lembrando de quando eu cheguei em Roma, 1989,  logo depois da matança de El Salvador. Já naquela época era costume, em algum fim de semana do mês de março, reunirem-se os latino-americanos para lembrar o que aconteceu durante muito tempo em El Salvador. Isso acontecia todos os anos. Em 90, que foi a primeira vez que participei, foi muito marcante, tanto pela festa quando pela temática, que era justamente a passagem do apocalipse.

 

E ainda exaltou que Dom Romero é um dos muitos exemplos de assassinato e tortura.

 

– Já naquela ocasião eu comecei a admirar não só Dom Romero, que é um ícone dentro da história da América Latina, mas centenas, milhares de outros que ao longo de todos esses anos continuam sendo assassinados, ameaçados e torturados.

 

Mas esta situação não ocorreu apenas naquela época. Dom Dimas, reforçou que hoje esta realidade é muito mais próxima do que imaginamos.

 

– O fato é que em todos os tempos, ainda mais agora, essa é uma realidade muito próxima nossa, de América Latina, aqueles que realmente se doam de corpo e alma pela causa da verdade e da justiça dos povos e acabam sofrendo represália. E o pior é a convivência com os radicalistas que às vezes, no calor da luta pela vida, nem sempre conseguem discernir.

 

 

Massacre em El Savador: memória em torno dos mártires

 

Após ser apresentado o vídeo, A memória e sua força: Os mártires de El Salvador

(Memory and its strenght: the martyrs of El Salvador – a discussion between Jon Sobrino, Sj, and Noam Chomsky, moderated by J. Donald Monan, SJ), material doado pela Boston College, os professores da PUC-Rio relembraram os jesuítas e opinaram sobre o que o Jon Sobrino e Noam Chomsky discursaram.

 

Uma das explicações para o massacre teria sido a posição que o reitor da Universidade tomou ao afirmar que a função da instituição era, além de ensinar, transmitir aos alunos o sentimento de coletividade e o valor das ações sociais. Para os militares, isso impulsionava os jovens na direção de ações contra o governo.  

 

Para o padre Carlos Palácio, a grande questão em torno dos assassinatos foi a mudança que a própria instituição jesuíta sofreu naquele período.

 

– A morte dos padres não foi por acaso. A justiça virou o lema principal da ordem, e todos a seguiram com veemência. A razão pela qual eles morreram foi a razão pela qual viveram – afirmou.

 

Palácio lembrou também a importância em não se deixar ser atropelado pelos acontecimentos sem que sejam analisados mais a fundo. Por trás de casos como esse, podem existir diversas causas em favor do social.      

 

Tomando como referência a ideia de história como mestra da vida, a historiadora Maria Elisa mostrou que o exercício da lembrança se faz necessário para episódios como esse.

 

– Estamos relembrando, hoje, não só o que aconteceu em El Salvador, mas todo o tipo de violência que acomete o mundo. Temos que tentar evitar a repetição dos fatos e é por isso que estamos aqui. A memória é também uma forma de proteção – comentou.

 

Padre Paul Schweitzer concordou com Maria Elisa e ressalvou que quem não conhece a história está condenado a repeti-la. Ele também citou Noam Chomsky ao afirmar que o imperialismo dos noticiários deve ser vencido.

 

– Este ano, dois acontecimentos importantes fizeram aniversário: a queda do Muro de Berlin e o massacre em El Salvador. Porém, a queda do Muro foi reportada pela imprensa de todo o mundo, mas os padres jesuítas que lutavam por uma causa social mal foram citados nos jornais.

 

A Decana Maria Clara Bingemer, reforçou a importância da memória dos mártires, mas deu enfoque ao que o jesuíta Jon Sobrino declarou na Boston College. Segundo Sobrino, mais importante do que relembrar os padres assassinados é dar continuidade ao trabalho que iniciaram em 1989.

 

– As colaboradoras leigas Elba Ramos e a filha dela Celina que morrem com os padres são exemplos de proto-mártires, pessoas que vivem um martírio constante em suas vidas, mas não por opção. Os jesuítas lutavam justamente por essas pessoas, que tinham uma vida simples. O melhor que podemos fazer é continuar esse projeto. Aqui na PUC, temos diversas ações sociais embasadas no lema de justiça que os jesuítas, fundadores da universidade, procuram seguir.