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Rio de Janeiro, 5 de maio de 2024


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Mártires jesuítas são lembrados na PUC-Rio

Carolina Frossard - Do Portal

21/11/2009

Carolina Frossard

Nem todas as efemérides são datas comemorativas. Certos acontecimentos, até quando completam décadas inteiras, não pedem celebração. No dia 16 de novembro, o assassinato de seis padres jesuítas da Universidade Centroamericana José Simeón Cañas, em El Salvador, completou vinte anos. O trágico ocorrido, que também levou à morte uma ajudante e sua filha, se deu durante a Guerra Civil salvadorenha. Embora não deva ser celebrado, tampouco pode ser esquecido. Nesta quarta-feira, 18, Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, esteve na PUC-Rio para refletir sobre os mártires jesuítas, cuja história em muito se assemelha à dos freis dominicanos brasileiros perseguidos durante a ditadura.

A exibição do filme Batismo de Sangue (Helvécio Ratton, 2006), seguida de debate, foi o primeiro de uma série de eventos que terão como objetivo manter viva a memória dos mártires salvadorenhos. Para Frei Betto, o que ocorreu em El Salvador já havia acontecido no Brasil, anos antes:

– É o mesmo fato. Tanto os dominicanos do Brasil, nos anos 60, quanto os jesuítas, mais tarde em El Salvador, foram vítimas de um processo de imposição de ditaduras, de negação dos direitos humanos e de recusa de uma Igreja que esteja do lado dos pobres. Foram vítimas de uma estrutura que tenta preservar a desigualdade social, que tenta privilegiar o lucro individual em detrimento dos direitos coletivos. E eu creio que, nesse sentido, podemos todos dizer que somos mártires e confessores de um mundo voltado para a justiça, que é uma das bem-aventuranças do Evangelho.

Assim como no contexto da Guerra Civil salvadorenha, durante a ditadura brasileira, a opção religiosa pelos pobres e oprimidos era vista pelo governo como um perigoso posicionamento político. A militância e a perseguição dos freis brasileiros foram descritas por Frei Betto no livro Batismo de Sangue (1983), adaptado para o cinema por Helvécio Ratton. O autor do título diz que o filme foi bastante fiel à obra original, mas quis interferir o mínimo possível no processo de criação do diretor.

– A única coisa que fiz foi dar palestras aos atores sobre a época. O Daniel de Oliveira (ator que interpreta o papel de Frei Betto no filme) conviveu comigo durante dois dias, para pegar o meu jeito. Quem me conhecia na época e assistiu ao filme disse que ele conseguiu capturar a minha alma – disse Frei Betto, durante o debate que sucedeu a exibição.

Para ele, não é possível separar religião de política. O frei dominicano acredita que até mesmo a inação implica um posicionamento:

– A Igreja é sempre política, mesmo quando ela faz de conta que não é. Isso é uma forma de passar um cheque em branco para a desordem estabelecida. Não há neutralidade, sobretudo numa sociedade desigual como a nossa. Quando você cruza os braços, na verdade, está legitimando um sistema de opressão e de exclusão social.

Segundo Frei Betto, a política está presente na fé católica desde seus primórdios. Entre os companheiros mortos por seus ideais, cita Jesus Cristo:

– Podemos “teologizar” à vontade, mas a crucificação de Jesus se deu essencialmente por razões políticas.

O apoio de ordens religiosas a guerrilhas armadas é questionado com frequência por quem não considera a combatividade da militância política condizente com os ideais em que a Igreja se baseia. No entanto, quando não restam alternativas, Frei Betto considera o uso de armas um “mal menor” frente à injustiça social:

– A luta armada é legitimada na teologia de São Tomás de Aquino quando ele diz que, não havendo outro recurso, a não ser as armas, este mal é preferível a suportar a opressão que está trazendo a morte de grande parte da população. De maneira alguma defendemos isso como um princípio universal e perene, muito pelo contrário: devemos esgotar todos os recursos possíveis antes que seja feito uso da violência.

Frei Betto, que dedicou sua juventude à luta pelos direitos humanos, continua firme em sua opção pelos menos favorecidos. No entanto, após anos de militância, afirma que já não tem perspectivas de estar aqui para ver o mundo mudar:

– Já não espero viver para a colheita, mas quero morrer semente.