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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Campus

Caminhos para o respeito entre as religiões

Bruna Santamarina e Carolina Frossard - Do Portal

30/10/2009

 Luigi Ferrarese

Para líderes religiosos, o diálogo é a melhor maneira de se chegar à tolerância. O padre Mário de França, a Mãe Beata de Yemonjá, o pastor Eduardo Rosa, o rabino Nilton Bonder, o representante islâmico Sami Armed Isbelle, a Monja Coen Murayama e o representante espírita Nestor João Masotti estiveram na PUC-Rio, nesta quinta-feira, 29, para o seminário Cinema e Tolerância Religiosa: Uma reflexão contemporânea. Eles participaram da mesa Religiões em Diálogo e consideraram o encontro um marco na luta pelo respeito às crenças religiosas. No entanto, destacaram ser o evento apenas o começo de um longo caminho a ser trilhado.

O rabino Nilton Bonder ressaltou o esforço necessário na trajetória até a paz entre religiões e o quanto ainda é preciso percorrer para que se alcance a plena tolerância:

– Das palavras à ação. Esta é uma distância grande a ser percorrida. Enxergo isso, no entanto, com um otimismo enorme. As gerações futuras herdarão tudo que estamos plantando. Hoje, o que vemos como inaceitável, para eles poderão ser coisas comuns, naturais.

De acordo com Mãe Beata de Yemonjá, representante do candomblé, a sociedade deve se unir para que essa voz chegue aos detentores do poder e sejam criadas políticas públicas de respeito inter-religioso. Segundo ela, o caminho para uma convivência sadia é o diálogo:

– O encontro de hoje tem um papel muito importante nessa luta. Tenho aqui comigo irmãos judeus, budistas, católicos... Sem eles, eu não seria nada. Cada qual não pode ter medo de falar sobre sua crença. Uma minoria, às vezes, tem medo de falar. Eu sou convicta. E o que desejo nesse momento é a tolerância e o respeito.

Ela afirma que, quando se pensa no próximo, os ganhos são muitos. Para Mãe Beata, estamos colhendo os frutos de sementes que vêm sendo plantadas há muito tempo. Ela emocionou-se ao contar que, aos 79 anos, sentia-se com 12:

– Estou sentindo as chibatadas que meu avô tomava e as queimaduras da minha avó mexendo o doce para a senhora de engenho. Ouço as correntes se arrastando no porão da casa grande. Sinto, no entanto, que tudo isso está fugindo de mim, por causa dessa coisa maravilhosa que é o diálogo. É com ele que conseguimos realizar o encontro de hoje, que valeu tudo o que já passei em minha vida. Tolerância é um sinal de que ainda estou pedindo ‘me aceite e olhe para mim’. É respeito o que estamos querendo. Ele existe, só falta falarmos.

Bonder apontou ainda como indiscutível e inquestionável a grandeza das religiões e o respeito a qualquer uma delas que for acolhida como forma de pensamento. O longo tempo de existência, sendo algumas milenares, comprova a sua relevância para a sociedade. Para ele, não é possível contestá-las:

– São coisas maiores do que a minha opinião. Foram vividas e filtradas pela experiência de gerações e gerações. Ainda falta muito para a plena tolerância religiosa. Porém, já estamos em processo de transformação.

O pastor presbiteriano Eduardo Rosa Pedreira, mestre e doutor em Teologia pela PUC-Rio e líder da Comunidade Presbiteriana da Barra da Tijuca, espera que o evento inspire futuras iniciativas. Para ele, cada religião precisa entender que a escolha do outro, embora diferente, deve ser respeitada. Os maiores obstáculos são os grupos fundamentalistas que não conseguem trilhar seus caminhos pelo diálogo:

– Os pontos de partida para esta luta são o empenho de cada religião em preservar o direito do outro de escolher e também em coibir grupos e iniciativas que possam desrespeitar outras religiões.

Para ele, o diálogo não é uma opção, mas uma necessidade. Ele afirma que, uma vez que os líderes religiosos já se sentaram em uma mesma mesa, foi ultrapassado o nível da tolerância. O pastor aponta a próxima etapa neste processo:

– A maior dificuldade do ser humano é dialogar, pois precisamos sair da perspectiva do ‘eu’ para a perspectiva do outro. O primeiro passo para isso não é a fala, mas a escuta. O silêncio é o momento mais respeitoso que se pode ter. Eu daria, caso fosse necessário, a minha vida para que o outro pudesse ter o direito de expressar sua religião.

O padre Mário de França Miranda, professor de Teologia da PUC-Rio, reforçou a importância do diálogo entre crenças na luta pela tolerância. Ele insiste que eventos como este devem ocorrer constantemente:

– Viver profundamente uma religião, não importa qual, é riquíssimo para a humanidade e para a sociedade. A religião nos dá atitude crítica. Devemos sempre convidar para o diálogo entre elas e não aceitar estruturas prontas que nos chegam através dos meios de comunicação.

Ele contou um caso de respeito entre religiões na Universidade Gregoriana. Segundo padre Mário, algumas meninas islamitas entraram na faculdade, que forma padres, desejando conhecer o cristianismo. Elas já afirmaram que não deixarão de professar a sua fé muçulmana, mas pretendem entender o cristão, o outro:

– Esta geração é mais aberta. O mesmo deve ser feito em relação a nós. Devemos nos sentir motivados a compreender a cultura religiosa do outro, uma vez que o amor, a paz e o respeito estão no centro de todas as religiões.

O presidente da Federação Espírita Brasileira (FEB), Nestor João Masotti, acredita que a abertura ao diálogo é um processo natural e inevitável do ser humano, cujos hábitos estão em constante evolução. Embora tenha ressaltado o predomínio do coração nas crenças religiosas, argumentou também a importância da razão, que deve permear todas as escolhas. Para ele, o processo de conhecimento da verdade é gradativo, mas inevitável:

– Há muito tempo, todos acreditavam que a Terra era chata. Hoje, o fato de o planeta ser redondo não é mais questionável. Os assuntos relacionados à espiritualidade devem progredir de forma semelhante. A tolerância religiosa deve ser alcançada através do convencimento racional dos que são contrários a ela. Isso não significa que todos devamos concordar em tudo, pois quando se trata de religião, há espaço para a diversidade.

Assim como Masotti, Sami Armed Isbelle, diretor do Departamento de Educação e Divulgação da Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro (SBMRJ), acredita que o Brasil seja um país muito propício à pluralidade religiosa. Segundo ele, não há grandes obstáculos para a propagação do respeito mútuo entre as religiões. No entanto, ressaltou o papel das lideranças religiosas, do Estado e da mídia para que a questão continue a progredir:

– Entre as religiões, há pontos comuns, assim como divergentes. Para preservar a paz, devemos nos ater aos assuntos em conformidade, e evitar os que geram atritos. Deve haver coerência entre as nossas vidas e os princípios religiosos. As religiões devem somar forças e agir junto ao Estado para que atos de intolerância sejam reprimidos. A mídia também tem um papel importante: deve tentar ser o mais imparcial possível e evitar a veiculação de estereótipos.

A monja Coen de Souza, presidente do Conselho da Comunidade Budista Soto Zenshu da América do Sul, acredita que o encontro por si só implica em um importante avanço em prol do respeito e da tolerância entre crenças. Para ela, os atos de intolerância e preconceito são baseados na fraqueza:

– A questão é: como fortificamos essas pessoas que têm medo daqueles que discordam de sua linguagem? Devemos convidá-los para o diálogo. Mesmo que não aceitem, é preciso quebrar o gelo. A transformação do indivíduo acontece através do encontro e do diálogo – disse.

Assim como o poder do diálogo e a força da palavra, a importância do silêncio também foi uma questão recorrente na mesa, marcada pela diversidade de lideranças religiosas. Cada vez que um dos convidados se pronunciava, seis se calavam, deixando implícita a relevância do silêncio que é escuta, e não omissão. Sem ele, qualquer tentativa de diálogo será em vão:

– Esse é o grande crescimento de todas as religiões: saber aprender a escutar, saber encontrar um lugar de humildade, onde a gente não separe, não torne diferente o outro – crê o rabino Bonder.