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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


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Desvendando os sertões de Euclides da Cunha

Bruna Smith e Yasmim Rosa - Do Portal

30/10/2009

Mesmo após 100 anos da morte de Euclides da Cunha (1866-1909), seus registros ainda se mostram importantes para o estudo da história do país. Para homenagear o autor de Os Sertões, o Decanato do Centro de Teologia e Ciências Humanas promoveu o Seminário Euclides da Cunha: Cem anos, nos dias 28 e 29, com a participação de profissionais e professores da PUC-Rio.

“Euclides escancarou a realidade brasileira para os próprios brasileiros”. Assim o professor da PUC-Rio Gilberto Mendonça descreveu a importância de sua obra. O escritor foi contratado pelo jornal O Estado de S. Paulo, em 1897, para ser correspondente de guerra em Canudos, no interior da Bahia. Entretanto, exerceu mais do que sua função de jornalista. Ele aproveitou a viagem para catalogar espécies, observar o clima, os moradores daquele interior ainda desconhecido e relatar o que, de fato, aconteceu no arraial fundado pelo beato Antônio Conselheiro. O livro Os Sertões surge destes registros e se torna uma das mais importantes obras literárias brasileiras.

Gilberto destacou a relevância histórica e a abrangência construídas pelas publicações de Euclides. Lembrou que são repercutidas por historiadores e leitores comuns há um século e levantou suposições sobre o surgimento da palavra “sertão”.

– Em suas primeiras concepções, a palavra designava o incerto, o longínquo, o inculto, terras não cultivadas de gente grosseira – explicou.

Segundo a professora do Departamento de Letras Eliana Yunes, a obra do escritor é um marco na literatura brasileira. A repercussão que o livro teve após sua publicação serviu para mostrar uma realidade diferente da que se vivia no litoral do país.

Os Sertões é considerado uma ilha, um divisor de águas. Ele representou uma modernização não só no meio literário, mas trouxe, também, um novo ideal social – afirmou.

Para Eliana, a própria trajetória trágica do autor fez com que seu livro fosse escrito com uma linguagem de indignação diante do que ele havia visto na guerra.

– A obra alcançou um grande público porque Euclides viveu uma tragédia pessoal. A traição de sua mulher e a desconfiança da paternidade dos filhos é, para ele, tão injusta quanto o que o exército fez na cidade construída por Antônio Conselheiro – comentou.

Além de um relato factual, a obra se tornou uma fonte de pesquisa para profissionais de diversas áreas. A preocupação do autor em registrar o que via foi de suma importância para que a sociedade litorânea, em processo de modernização, tivesse consciência do que era, verdadeiramente, o sertão brasileiro. Euclides também rompeu com suas idéias anteriores de que o movimento de Canudos seria uma tentativa de restaurar a monarquia. Após acompanhar a quarta expedição do exército, ele percebeu que o povo não lutava pela volta do rei, mas por uma vida mais digna e pela segurança da cidade que haviam construído. Para Gilberto, o primeiro autor que empreende uma abordagem original sobre Euclides da Cunha é Nelson Werneck Sodré:

– Muitos autores fizeram referências a Os Sertões, mas a maioria se limitava a dialogar com outros escritores sobre o que pensavam em vez de se aprofundar no livro. Nelson Sodré foi o primeiro a escrever reflexão própria.

Gilberto leu a obra três vezes, mas contou que só na terceira tentativa compreendeu por completo, "devido à sua complexidade":

– Li o livro aos 14, aos 19 e quando me tornei professor. Na primeira vez, não cheguei nem à metade porque achei chato e difícil. Aos 19, li porque me senti na obrigação. Só mais tarde, já professor, pude compreender realmente a essência do livro. Euclides utiliza uma linguagem difícil para os dias de hoje. Ele escrevia com paixão.

Eliana considera a guerra de Canudos um episódio ainda pouco trabalhado. Para ela, o conflito contra os sertanejos foi apenas um pretexto para instaurar a República, proclamada em 1889.

– Esse foi um acontecimento dramático porque a República foi proclamada de forma isolada, sem a participação popular. O novo governo precisou canalizar um inimigo e estabelecer, de fato, o ideal republicano. Infelizmente, Canudos foi a escolhida, apesar de não haver indícios de que aquele povo era monarquista.

O sucesso do livro trouxe à tona uma questão não imaginada pelos republicanos.

– Os casos de violência descritos denegriram a imagem da República. Euclides não poupou palavras para contar o que os soldados fizeram e mostrou que a campanha contra aquele povoado foi imotivada. Tal episódio incomodou as autoridades, que sempre abafaram o fato. O último recurso para por fim a história foi inundar a região onde estava situado o arraial para a construção do açude de Cocorobó.

Maria Alice Baroni comparou Os Sertões de Euclides com O Abusado, do jornalista Caco Barcelos. Segundo ela, ambos os livros expõem a realidade dos marginalizados:

– Do mesmo jeito que havia uma ignorância em relação aos sertões, existe hoje uma ignorância em relação às favelas. Euclides procurou compreender o canudense – observou Maria Alice.

Para a jornalista, as obras do escritor mostram uma simbiose entre a terra e o homem. Euclides da Cunha nasceu no ano de 1866 em Cantagalo, região serrana no vale do rio Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro. Depois da morte de sua mãe, foi criado por parentes na Bahia. Quando retornou ao Rio, frequentou conceituados colégios fluminenses, ingressou na Escola Politécnica e, um ano depois, na Escola Militar da Praia Vermelha. Durante sua vida, foi engenheiro militar e civil, escritor, sociólogo, repórter jornalístico, historiador e geógrafo. Também foi membro da Academia Brasileira de Letras e do Instituto Histórico e Catedrático em Lógica pelo Colégio Dom Pedro II. Euclides foi morto em 1909, em uma troca de tiros com o cadete Dilermando de Assis, amante de sua esposa Ana Emília Ribeiro.