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Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


Cultura

Livros, seriados, filmes... Vampiros seduzem o mercado

Clarissa Pains - Do Portal

22/10/2009

 Divulgação

Esses seres sobrenaturais que se alimentam de sangue dominam o atual cenário de ficção. A nova série da CW The Vampire Diaries bateu recorde como a estreia mais assistida da história do canal americano (3,8 milhões de telespectadores). A série é tão aguardada (a comunidade “The Vampire Diaries – Download” no Orkut reúne 78.336 membros) que a Warner quebrou a tradição de trazer novidades só em novembro e antecipou a chegada ao Brasil: será exibida neste 22 de outubro, às 21h. The Vampire Diaries trilha o caminho bem-sucedido de True Blood, produção da HBO mais vista desde Sex And The City e A Família Soprano. A série, na segunda temporada brasileira, já está com a terceira garantida, no próximo ano.

A onda vampiresca invade também as livrarias. Os quatro livros da série de Stephenie Meyer, Crepúsculo, Lua Nova, Eclipse e Amanhecer, estão entre os cinco mais vendidos do Brasil. Só perdem para A Cabana, de William P. Young. Dentre os atuais “10 mais”, a primeira publicação de Meyer, Crepúsculo, é a recordista de aparições na lista: 72 semanas no total. O livro Crepúsculo - Edição especial aparece ainda na nona posição.

Das livrarias para os cinemas. Mesmo com elenco relativamente desconhecido, comandado por uma produtora independente, e orçamento modesto (menos de um quarto do custo de produção do último Harry Potter), o longa faturou US$ 70 milhões (mais de R$ 123 milhões) só no primeiro fim de semana em cartaz nos Estados Unidos. Derrotou sucessos como Sex and the city - O filme e High school musical 3 - O ano de formatura, que arrecadaram US$ 55,7 milhões (R$ 98 milhões) e US$ 42 milhões (R$ 74 milhões), respectivamente.

No Orkut, a comunidade “Crepúsculo – Twilight Brasil” tem 437.473 membros. O filme arrecadou, só no fim de semana de estreia no Brasil, R$ 3,3 milhões. No dia 20 de novembro, chegará aos cinemas a segunda parte da saga, Lua Nova, com orçamento de US$ 22,9 milhões, US$ 13 milhões a mais do que seu antecessor.

A história da adolescente de aparência comum que se envolve em um romance com um príncipe encantado contemporâneo (ainda que morto-vivo) contagiou jovens mundo afora. A estudante Juliana Moraes explica por quê:

– Todas as meninas podem se identificar com Bella, que não tem uma beleza extraordinária. Além disso, é uma história de amor diferente das que vemos por aí: ao mesmo tempo em que a ama, ele quer matá-la. No dia em que comprei o primeiro livro, passei a madrugada inteira lendo – lembra a aluna de Comunicação Social da PUC-Rio, que já leu os quatro livros da série e assistiu ao filme cinco vezes só no cinema.

Lucas Landau Não é difícil encontrar pessoas segurando um dos livros da saga pelos pilotis da universidade. Segundo a estudante de Arquitetura Laura Campos, que leu os últimos três livros neste ano, os personagens de Stephenie Meyer já fazem parte das conversas com as amigas. Para ela, não se enquadrar no padrão de “história adolescente” é um grande mérito da autora norte-americana.

As mulheres responderam por 75% do público que assistiu à estreia do filme nos cinemas brasileiros. Elas também são a maioria dentre leitores do romance. No entanto, os homens não são imunes à história de Bella e Edward, o vampiro do bem. Renan Guedes, aluno de Arquitetura, gosta de livros de fantasia, “de coisas que não existem”. Ele leu a primeira publicação da série em três dias (“me esforçava para ler um só capítulo por vez, mas não conseguia mais parar”), e tenta explicar a sedução provocada pelo romance desse excêntrico casal:

– A história mexe com o imaginário de vida eterna e, mais que isso, amor eterno, de encontrar alguém que te ame para o resto da vida – diz ele.

Com premissas parecidas, tanto a história da saga Crepúsculo, quanto a de True Blood ou a de The Vampire Diaries – baseada numa coleção literária homônima lançada em 1993 – tratam do amor entre uma jovem mortal e um vampiro. Aproveitando a maré, uma nova séria de TV americana, I Kissed a Vampire, ainda sem previsão de estreia no Brasil, engrossa o caldo das aventuras desses seres das trevas. Desta vez, em forma de musical.

“Vampiros não se dão bem nos trópicos”

Histórias de vampiros estão presentes no folclore de muitas culturas. Babilônia, China, Grécia, até astecas, incas… A maioria das sociedades antigas já apresentava contos sobre esses seres que vivem do sangue de suas vítimas, mas foi a partir do século XIX, por meio da literatura, que o vampiro como conhecemos ganhou vida eterna.

O primeiro registro literário relacionado às criaturas trata-se, contudo, de um poema alemão escrito ainda em 1748 por Heinrich August Ossenfelder: Der Vampyr. Porém, é em Fragmento de um romance, do mais famoso poeta romântico da literatura inglesa, lorde Byron, que aparece, pela primeira vez num texto em prosa, a versão vampiresca moderna. Este trabalho inspirou o britânico John Polidori, na época ex-assistente de Byron, a sintetizar alguns dos aspectos que viriam a consolidar o tema. No livro O Vampiro, o personagem principal é um nobre bonito (embora pálido), sedutor e mundano, que atacava donzelas indefesas. Personagem do romantismo, alude à ruína da classe aristocrática.

– O mal tem que ser charmoso para conseguir conquistar, por isso os vampiros são belos e sedutores. No fundo, representam a tentação, a serpente. São todos aristocratas, ou pelo menos têm um ar desta classe. Não existe “vampiro do povo”, eles não se dão bem nos trópicos – observa Pina Coco, professora do Departamento de Letras da PUC-Rio.

A origem geográfica do vampiro foi definitivamente marcada por um livro de 1897 que modificou para sempre as lendas do gênero: Drácula, do irlandês Bram Stoker. A Transilvânia, na Romênia, é a terra-natal do personagem da história mais adaptada para os cinemas. Embora essas criaturas tenham origem europeia, atraem pessoas do mundo inteiro, principalmente adolescentes. A professora acredita que se deva à “proximidade dos jovens com a fantasia, à maior capacidade de sonhar”.

– Histórias de vampiros sempre fascinaram e sempre irão fascinar. A vida eterna por meio da morte eterna é, ao mesmo tempo, o sonho e o fardo do homem – afirma Pina.

Enquanto Crepúsculo é a versão teen do mundo vampiresco, True Blood é a versão adulta, com alto grau de erotismo. No seriado televisivo, uma garçonete com poder de ler mentes apaixona-se por um vampiro numa época em que, graças à invenção de uma bebida que substitui o sangue, essas criaturas dentuças podem conviver com os humanos sem a tentação de mordê-los – o que nem sempre acontece. À série, rendem audiência o humor negro e o clima sexy que os produtores imprimiram aos personagens.

Crepúsculo é herdeiro da ideia de vampiro trazida por lorde Byron: uma criatura pálida que fascina e encanta; já True Blood é descendente de Drácula, que é a metáfora de um erotismo insaciável. Efetivamente, é a partir deste último romance que os vampiros passam a ser representados de forma bem menos refinada e sutil, deslizando da metáfora erótica para a vulgarização explícita do corpo – explica Fernando Monteiro de Barros Júnior, professor da UERJ, especialista em literatura decadente do século XIX.

Segundo o professor, Drácula representa a sexualidade, reprimida na época em que a obra foi escrita. A figura do conde canalizaria o desejo humano, que, como Freud mais tarde afirmou, seria insaciável e faria parte da própria condição humana. Para Fernando, “amar e destruir seriam o objetivo desses homens fatais”:

– O conde Drácula busca mais que sangue. Ele busca amor, prazer.

Para Pina Coco, a mordida do pescoço para sugar sangue é uma metáfora do ato sexual. Drácula é não somente responsável por conferir significados mais explícitos ao universo dos vampiros, como também por definir seus hábitos noturnos: não poder sair à luz do sol, transformar-se em morcego.

Para as agências de viagem, Drácula tem uma conotação bem distinta. Significa negócios. Há muitas excursões para a Romênia, região que tem se sustentado pelo “turismo de vampiro”. Vende-se tudo sobre o tema: de livros a lembranças insusitadas. Cogita-se até a construção de um parque temático, a Transdisney.

Como tudo começou

No verão suíço de 1816, cinco amigos se hospedam na mansão Villa Diodati, às margens do lago Genebra. A casa, por onde já haviam passado o poeta John Milton e os pensadores Rousseau e Voltaire, abrigava agora ninguém menos que George Gordon Byron, conhecido como lorde Byron, o médico e escritor John Polidori, o poeta Percy Shelley, sua namorada Mary e a meia-irmã dela, Claire Clairmont.

Isolados por uma tempestade, eles iniciam uma competição de contos de terror sugerida por Byron. Este “passa-tempo” dá origem a dois dos maiores monstros já inventados na literatura: o doutor Frankenstein, com sua criatura desengonçada formada por pedaços de cadáveres; e o lorde Ruthven, precursor do vampiro moderno e antecessor direto de Drácula.

Enquanto Mary Shelley se dedica a teorias, bastante discutidas na época, sobre a possibilidade de trazer organismos de volta à vida com o uso de descargas elétricas, Byron e Polidori elaboram o estereótipo do “vampiro aristocrata”. Eles inspiraram, ao longo de século XIX, escritores como Edgar Allan Poe, Tolstoi, Alexandre Dumas, Guy de Maupassant e Arthur Conan Doyle.