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Rio de Janeiro, 20 de abril de 2024


Cidade

Repórter revela casos da cobertura da guerra urbana

Ana Bastos - Da sala de aula

13/10/2009

Reprodução

Armado com o faro de repórter e munido pela violência do Rio, Bartolomeu Brito colocou o crime na mira de sua carreira. Vencedor de um prêmio Esso, o repórter que “gosta de emoções fortes” não abdica da busca pela verdade, apesar de todos os perigos que já enfrentou ao deparar-se com casos violentos na cidade.

Aos 67 anos, 47 dedicados ao jornalismo de crime, Bartô – como é conhecido na redação – continua denunciando a violência com a mesma energia de quando ainda era um foca (termo jornalístico que significa iniciante): “Estou quase chegando aos 70 e ainda subo favela com a mesma vontade que na juventude. Tenho colegas que não sobem e eu, com essa minha idade, já tive um infarto e ainda subo”. A prova está nas páginas do jornal O Dia, no qual trabalha atualmente.

Nesta entrevista exclusiva, Bartô conta casos da carreira e revela as dificuldades que um jornalista do setor enfrenta:

O caso do soldado que virou múmia

“Eu descobri que um soldado da 20ª DPM, em Nova Iguaçu, havia desaparecido e comecei a investigar. O nome dele era Sérgio; o apelido, Sérgio Camburão. Acabei descobrindo que o corpo dele estava escondido no necrotério do IML de Nova Iguaçu, havia quatro anos. Fui conversar com o diretor do IML, que era legista. Ele me disse que o corpo não podia sair do IML, porque havia um promotor em Nova Iguaçu que ocultava o corpo ali e era o único que podia autorizar a retirada do cadáver. Só que o promotor havia morrido. Então, quem ia tirar o corpo dali?

“Continuei investigando e descobri que essa história se resume ao seguinte: o soldado integrava um grupo da PM e viu os colegas dele matarem pessoas na Baixada Fluminense, tanto bandidos, quanto inocentes. Sérgio do Camburão denunciou os colegas para o tal promotor, só que o promotor e o comandante do batalhão estavam envolvidos com os crimes. Os dois eram sócios em uma fábrica de bebida, em Queimados, e comandavam um esquema em que todo militar do batalhão de Nova Iguaçu envolvido em crimes, ou que tinha alguma pendência judicial, era requisitado para trabalhar na justiça em Nova Iguaçu. Mas olha bem, isso significava, na verdade, trabalhar na segurança da fábrica de bebidas.

“O soldado, uns dias depois de ter feito a denúncia, foi chamado para ir junto com a patrulha resolver um assalto em Manepicu, lá para aquelas bandas de Queimados. Chegando lá, não havia nenhum assalto e a própria patrulha matou o Sergio Camburão com três tiros nas costas. O cadáver apareceu três dias depois em um rio e foi encaminhado para o necrotério. O promotor entrou na jogada, não deixou o corpo sair e o cadáver ficou quatro anos escondido no IML, virou múmia. No dia seguinte saiu no Jornal do Brasil “Múmia é achada em Nova Iguaçu”.

A máfia das funerárias

“Eu descobri a máfia das funerárias e por isso fui ameaçado de morte. Deixa eu dar um exemplo de como o esquema funcionava: eu moro no Rio. Se eu morrer no Rio, minha mulher vai procurar uma funerária para fazer o meu enterro. Mas se eu for para São Paulo e quando estiver passando pela Baixada morrer, meu corpo vai para o IML em Nova Iguaçu e lá há uma máfia das funerárias com os prefeitos. Em Nova Iguaçu, só a funerária São Salvador pode fazer qualquer tipo de enterro. Se minha mulher quiser fazer meu enterro no Rio, o IML vai falar para ela que ela tem que pagar um enterro em Nova Iguaçu e outro enterro com a funerária que ela preferir no Rio.

“Para desmascarar a ação dessa máfia, organizei um flagrante. Entrei em contato com um senhor de Nilópolis que tinha perdido o filho em Nova Iguaçu e acompanhei toda trajetória até liberarem o corpo. Quando chegou na divisa das cidades, parou uma Kombi da São Salvador e, ao lado, a Kombi da funerária de Nilópolis. Começaram a passar o caixão de uma Kombi para a outra. Enquanto isso, eu estava escondido anotando e o fotógrafo escondido fotografando. Quando o caixão mudou de Kombi, eu me aproximei. O cara da São Salvador quis levar o caixão de volta e começou uma discussão entre nós. O cara ficou tão nervoso, que começou a pisar em cima do caixão e quebrou o caixão todo! Nós até fotografamos a cena.
Eu comecei a tentar combater essa máfia e o que aconteceu é que o dono da funerária de Nova Iguaçu, que é ligado a oficiais, civis, militares, mandou uma carta para mim me ameaçando de morte. E disse também que minha mulher seria a próxima a 'pagar pedágio' em Nova Iguaçu. A carta tinha até o símbolo da caveira. Eu recebi, coloquei o bilhete no bolso do paletó e deixei ali. Minha mulher, que tinha mania de mexer nos meus bolsos, encontrou o bilhete, com a caveira e o dizer ‘se você não parar agora, sua mulher será a próxima a pagar pedágio’. Ela quase desmaiou. Aí eu resolvi ligar para o dono da São Salvador: ‘Fonseca, é o Bartolomeu aqui do Jornal do Brasil. Eu recebi seu recado’, ‘Que recado?’, ‘O recado que o senhor me mandou dizendo que minha mulher vai ser a próxima a pagar pedágio em Nova Iguaçu, está lembrado?’ ‘Você está tirando onda comigo? Está me perseguindo?’ ‘Não, quem está me perseguindo é você e eu te digo uma coisa: eu comprei três bananas de dinamite, TRÊS. Se a minha filha cair de bicicleta, se a minha mulher cair na rua, for atropelada, eu vou saber que foi você, pode ter certeza, e eu vou aí explodir você e os seus caixões. Pode estar certo disso, porque eu sou maluco. Então você reza para não acontecer nada com a minha mulher e nem com a minha filhinha’. Depois dessa, ele nunca mais me ameaçou.”

“Tentou me matar, mas depois virou meu amigo”

“Fui ameaçado de morte por um delegado da Polícia Civil. Ele trabalhava na 20ª DP, em Vila Isabel, era delegado-adjunto. Um dia, um delegado também adjunto, da delegacia dele, levou um tiro em um assalto e ficou em estado grave por muito tempo. Fui na delegacia averiguar e não existia registro do assalto. Perguntei: ‘O delegado de vocês foi baleado ontem. Vocês não vão correr atrás para saber quem foi?’. O escrivão respondeu que o caso tinha prescrevido, aí eu me assustei: ‘prescreveu o caso?’ Foi então que o delegado-adjunto disse: “Você se mete em tudo. Você vai pagar!” Seis meses depois, encontrei o delegado que havia me feito a ameaça. Ele era alto, forte, me chamava de baixinho: ‘Baixinho, você tem o capeta, né? Eu levantei o seu endereço. Sai todo dia de casa às seis e meia da manhã, atravessa a 28 de setembro, anda até o hospital Pedro Ernesto, atravessa, vai até a Teodoro da Silva, pega o ônibus 266 até a rodoviária, salta e vai a pé pela avenida Brasil até o jornal. Te segui três vezes. Depois que eu conclui que você fazia sempre o mesmo caminho, mudei a placa do meu carro, coloquei uma placa fria e tentei te atropelar. Três vezes você escapou, duas você correu.’. Ele disse que realmente tentou me matar, mas depois ficou meu amigo.”

“Emoções fortes”

“Quando eu estava no Jornal do Brasil, em 1988, havia uma quadrilha de traficantes atacando a Zona Sul, espalhando terror. Meu chefe queria que eu entrevistasse o chefão do tráfico de drogas da Rocinha. Eu e o fotógrafo subimos a Rocinha sozinhos, para entrevistar o chefão. Para conseguir localizar o chefão do tráfico, bebi com um, bebi com outro, paguei cerveja, me embebedei com o pessoal da favela num bar perto do morro.

“Quando o chefão foi avisado de que tinha um repórter do Jornal do Brasil que queria entrevistá-lo, ele concordou. Pediu que eu esperasse quinze minutos. Eu estava num ponto do morro cheio de bandido armado, com escopeta, e de repente acontece um intenso tiroteio. Os bandidos que estavam ali para me levar até o esconderijo fugiram e eu fiquei sozinho. Dali a pouco vejo saltarem soldados do Bope do telhado das casas, todos correndo. O comandante do Bope passou por mim e perguntou: ‘Bartô, que você está fazendo aí?’ e eu respondi: ‘O mesmo que vocês. Vocês não vieram atrás do Buzunga? Eu também’. Fui atrás do batalhão do Bope. Quando chegou ao barraco, eles entraram e mandaram bala. Fiquei arrepiado, por dois motivos: primeiro, porque se eu estivesse no barraco teria sido morto; segundo, os bandidos poderiam pensar que eu levei o Bope lá, que eu era X9. Enfim, fui fazer uma entrevista exclusiva e acabei cobrindo a morte do chefe do tráfico.”

Policiamento comunitário nas favelas

“O policiamento comunitário vai ser bom. Antigamente a PM tinha os chamados DPOs, os Destacamentos de Polícia Ostensiva. Ficavam três ou quatro soldados a cada doze horas. Mas eu cansei de alertar que isso aí é o maior perigo, porque é um quiosque no meio da favela. São três ou quatro contra um bando. Eles vão fazer o quê? Houve casos, quando o policial era novo lá, de o bandido falar: ‘O jogo aqui é o seguinte: nós te damos mil reais por semana para você ficar quieto. Não ver nada. Mas, se você perturbar, tu morre’. E aí? O cara tem que aceitar. Ou aceita ou morre. As unidades pacificadoras contam com cem homens, cinquenta doze horas e depois mais cinquenta doze horas, e os militares ficam andando, se revezando lá dentro. Aí, sim, dá certo, porque é um grupo numeroso.”