A recente filiação do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim (na foto, ao lado do presidente Lula), ao Partido dos Trabalhadores renova a discussão sobre os limites entre a orientação partidária e a diplomacia. Para a professora Alexandra Mello, titular do departamento de Relações Internacionais da PUC-Rio, a filiação de Amorim tem um lado positivo, didático: lembra que a política externa também pode ser objeto de diferentes projetos político-partidários:
– Rompe-se com dois mitos persistentes na diplomacia brasileira desde o Barão do Rio Branco: o primeiro, de que a política externa deve pairar acima dos governos e das “paixões partidárias”; e o segundo, consequência do primeiro, de que os diplomatas são funcionários do Estado e não devem ter preferências político-ideológicas.
De acordo com o professor de Jornalismo Internacional Arthur Ituassu, a filiação do ministro, anunciada pelo presidente do Partido dos Trabalhadores, Ricardo Berzoini, no dia 30 de setembro, “muda a maneira como entendemos as Relações Internacionais”. Segundo o professor, a tendência é que as Relações Exteriores sejam “cada vez mais partidárias”. Para ele, assim como para Alexandra, uma possível eleição de Amorim não trará grandes mudanças aos rumos da política internacional:
– Se ele realmente se candidatar, terá que deixar o cargo de ministro, e não acredito que seu substituto vá realizar qualquer alteração fundamental – diz Alexandra. – Claro que, na condição de senador, pode continuar influenciando indiretamente a condução da diplomacia, seja a partir do Legislativo, seja por meio do PT ou seja ainda pelas ligações que tem com o próprio Itamaraty.
A professora acredita que a filiação de Amorim seja um movimento natural em sua trajetória. Guardadas as proporções, o casamento entre cargo diplomático e vínculo partidário já foi consagrado por outros personagens:
– Celso Amorim é diplomata de carreira, o que o difere do ex-ministro Celso Lafer, por exemplo, cuja filiação ao PSDB já era conhecida antes de assumir o ministério. Fernando Henrique Cardoso também foi ministro das Relações Exteriores e nem por isso precisou se desincompatibilizar com o PSDB. Se político e empresário podem ter partido, por que não diplomata?
O burburinho em torno do recente episódio talvez seja movido menos pela filiação em si do que pelo "conjunto da obra": dos 37 ministros de Lula, 31 são filiados a partidos políticos e, no próximo ano, poderão estar no palanque eleitoral como candidatos ou cabos eleitorais dos aliados. Celso Amorim decidiu trocar o PMDB pelo PT dentro do prazo permitido pela Justiça Eleitoral para manter aberta a possibilidade de ser candidato. Até agora, pelo menos 18 ministros deverão concorrer em 2010, desfalcando o governo a partir de abril. A tendência é que o presidente Lula preencha a maioria das vagas com secretários-executivos dos ministérios, como fez em 2006.
– O que incomoda é a sensação de que eles já estão em campanha. Um ministro deve se preocupar em ser ministro, não candidato – ressalva Ituassu.
O professor de Ciências Políticas Ricardo Ismael acompanha:
– O mais preocupante é a saída maciça no próximo ano. A substituição pode não ser à altura – observa Ismael. Ele acha provável a candidatura de Celso Amorim ao Senado, principalmente a partir de uma aliança entre PT e PMDB.
Ismael também considera natural a filiação do ministro. E pondera: como os próximos passos na agenda internacional já estão organizados, o risco de o novo integrante do Partido dos Trabalhadores tomar posicionamentos mais alinhados aos interesses eleitoreiros que aos de gestão é menor:
– Ele já tem muita visibilidade, não precisa se esforçar para tornar sua presença na mídia constante.
O professor tem a atenção mais voltada para a também recente filiação do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, ao PMDB. Alerta para a possibilidade de decisões técnicas serem contaminadas por conveniências políticas:
– Meirelles ainda tem muito a decidir, como a taxa de juros, por exemplo. Sua filiação pode ter impacto nas resoluções econômicas do país.
A agenda diplomática já é influenciada pela agenda e interesses do PT, avalia Alexandra. Segundo ela, "isso é natural no governo".
– O assessor de Relações Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, é um integrante histórico do PT e tem papel relevante na formulação da política externa, sobretudo em relação à América do Sul.
Para Carolina Moulin, também professora do departamento de Relações Internacionais, a filiação de Amorim é apenas "uma formalização e uma instrumentalização do que já vinha sendo praticado há algum tempo". Ao contrário de Alexandra, ela vê aspectos negativos:
– O risco é que a política externa passe a se tratar de um jogo de interesses internos. Cabe apenas a nós, eleitores, avaliar isso – afirma – O que pode haver de positivo é a politização da diplomacia, com um maior acesso à informação sobre as questões exteriores.
De acordo com Ricardo Ismael, caso o ministro ambicione mesmo o Senado, não será tarefa fácil traduzir sua visibilidade em votos:
– Com a entrada de Amorim no PT, o partido ganha credibilidade na área internacional, mas apenas isso não é suficiente para que o ministro se adeque ao cargo. Ele terá que aproximar seu discurso da realidade do Rio, mostrar que conhece os problemas do estado. Ser especialista em Relações Internacionais não basta – conclui.
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