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Rio de Janeiro, 22 de dezembro de 2024


Campus

Quando a caloura de 70 anos encontra o calouro de 16

Clarissa Pains - Do Portal

02/10/2009

Lucas Landau

Ela tem 70 anos e ele, 16. Ambos são calouros da PUC-Rio, a mais velha e o mais novo deste período. Ela, de Teologia. Ele, de Ciências da Computação. Iara Silveira Pinheiro é formada em Direito e em Filosofia. "Se fosse jovem no século XXI", faria Cinema. Começou a cozinhar há um ano e meio, gosta de música clássica e de ouvir a rádio Nativa. Ruan Lopes Andrade já formou uma banda com amigos e gostaria também de fazer Música. Sempre foi dois anos adiantado no colégio, adora computadores e quer aprender japonês. A convite do Portal PUC-Rio Digital, os dois se encontraram numa manhã ensolarada, em meio ao habitual burburinho do Bar das Freiras. Antes da conversa, separados por algumas mesas e ainda sem se conhecer, Iara lia enquanto Ruan estudava Álgebra em seu notebook.

Família

Iara nasceu em Santana do Livramento, uma cidade na fronteira entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai. Viajava por todo o Brasil ao lado do pai, general. Estudou no colégio Franco-Brasileiro e no Pedro II de Humaitá, numa turma de 15 alunos, dos quais 12 se tornaram diplomatas. “A mais pobre era eu”, lembra. O pai a preparava para a diplomacia quando morreu, ainda jovem. Iara morou com a mãe até os 40 anos.

– O curioso é que, depois que passei a morar sozinha, acabamos ficando muito mais próximas e íntimas do que antes – conta a caloura, que mora há 50 anos em Ipanema.

Ruan, aos 16 anos, já não mora mais com os pais. Nascido em Marechal Hermes, subúrbio carioca, aos 6 anos se mudou para a pequena São José do Vale do Rio Preto, estado do Rio, pouco mais de 21.000 habitantes, a duas horas da capital. Para cursar a PUC-Rio, veio morar na casa de uma tia, na Pavuna. A Pavuna desperta em Iara memórias de um namorado:

– Eu tinha carro e um pouco mais de dinheiro que ele. O dia em que falei para mamãe que iria para a Pavuna, ela desmaiou.

Filha de militar, teve uma educação rigorosa. Apesar de “durão” em relação aos estudos, o pai permitia que a irmã e ela fizessem quase tudo ao alcance das meninas da época: “Ele nos deixava, por exemplo, ir ao piquenique mesmo se mamãe dissesse que não podíamos”. No Rio, a família se reduz à irmã e a uma sobrinha. Assim como a caloura da PUC, nenhuma das duas tem filhos. Uma moça que trabalhou para a mãe de Iara por 30 anos é considerada por ela uma irmã adotiva, e sua filha, Aída, de 13 anos, uma neta.

Segundo Ruan, sua mãe, formada em pedagogia, também era “bem militar” em relação aos estudos. Ele diz ter herdado a facilidade dela para aprender. 

– Tudo aconteceu muito cedo para mim: aprendi a ler, a escrever, a fazer contas antes das outras crianças. Só a minha dentição é que foi atrasada – brinca.

Quando tinha 5 anos e ia para o chamado Pré-escolar 3, um exame de nivelamento revelou que estava apto a cursar a 1ª série. Em vez de abrir portas, a precocidade representava um caminho mais difícil: 

– Nenhuma escola pública permitia que eu cursasse o Ensino Fundamental com apenas 5 anos. Minha mãe me levou a várias escolas, mas só uma particular me aceitou, sob a condição de que minhas notas não fossem abaixo da média. Como elas eram muito boas, não houve mais problemas.

No pai, Ruan encontra versatilidade: teve vários empregos, hoje trabalha com animação de festas e é dono da franquia do CCAA de São José.

– Além de dono, meu pai é também diretor, professor e até zelador – diz o calouro – Meus pais nunca sairão de São José porque já criaram vínculos lá. O CCAA, por exemplo, é uma família.

Para Iara, parece que Ruan teve “uma criação primorosa”. Ela pergunta se ele tem irmãos e, diante da negativa, afirma: “Sabia que você era filho único. Você passa uma estrutura muito sólida”.

Faculdade

“A PUC é minha segunda casa, acima de tudo o que eu esperava. Outras universidades são frias, mas aqui há uma interação com a natureza e entre as pessoas”, descreve Iara, que entrou na Faculdade Nacional de Direito em 1965, fez mestrado na PUC e depois cursou Filosofia na UERJ.

Depois que se aposentou, no ano passado, ela decidiu entrar em Teologia para que pudesse aprimorar e assim publicar seu trabalho de conclusão do curso de Filosofia, baseado nas reflexões do pensador Baruch Spinoza sobre Deus. Iara diz adorar a convivência com os mais jovens, no entanto cuida para que a diferença de idade “não chame muito a atenção”:

– Durante as aulas, procuro ficar na minha, não dizer algo para me exibir, porque acho um horror. Às vezes, as pessoas pensam que, por ser mais velha, eu tenho todos os conhecimentos, então prefiro não falar muito.

Ruan conta que conheceu a universidade no PUC Por Um Dia do ano passado:

– Após assistir a palestras e passear pelo campus, tive certeza de que era na PUC que eu iria estudar. Queria trabalhar com informática e a universidade é um mundo nesta área. Cheguei ainda meio acanhado, mas, depois de conhecer os veteranos e frequentar o Centro Acadêmico, passou a ser minha segunda casa também.

Viajando todos os dias de um extremo a outro das estações do metrô, ele demora duas horas para chegar à PUC, onde passa mais tempo do que em casa.

– A viagem e os estudos cansam bastante, então volto para casa só para dormir. Quando estou na faculdade, não há muito tempo para ter saudades dos meus pais e de são José. Mas elas apertam quando chego em casa e vejo no Orkut as fotos dos amigos da minha cidade.

O calouro entrou para a universidade por meio do Enem, mas não pôde fazer a matrícula para o primeiro semestre deste ano porque havia estudado o 1° ano do Ensino Médio numa escola particular com bolsa parcial. Só com bolsa integral seria permitido o ingresso por meio do exame. Então, esperou pelo vestibular de inverno.

– No início do período, tive dificuldades. Com disciplinas de matemática, física e informática, o curso é bastante complicado, mas agora estou acompanhando melhor – anima-se.

Por gostar de histórias com quebra-cabeças e enigmas intrincados (tem vários livros do Sherlock Homes), ele acredita que está no curso certo: “falam que, na Computação, o importante é solucionar problemas”.

Gostos, sonhos, confissões

Por duas vezes, Iara quase se casou. Numa delas, chegou a pôr aliança. Mas, não se arrepende. Considera chato casar, “ter que dividir tudo”. Ruan conta dois namoros, nenhum "muito longo". Ele se vê romântico, e, por esse lado, “bem antigo”.

– O último namoro acabou porque eu me mudei para o Rio. Não tinha como manter um relacionamento à distância e com baixa frequência de encontros. Quando resolvi estudar na PUC, já imaginava que iríamos terminar. Foi esperado – conta, resignado.

Depois de sete anos de curso de inglês, Ruan ficou parado por dois anos porque não tinha professor para o seu nível na cidade. A mãe, fluente em espanhol, até tentou lhe ensinar o idioma, do qual ele diz não gostar muito. Quer aprender um mais exótico: japonês.

– Sou muito ligado em animações e quadrinhos japoneses, aprender a língua seria um hobby. Baixo da internet episódios legendados e seria legal entender o que os personagens falam.

Iara fala francês e inglês, quer aprender alemão no próximo ano. Seus hobbies são a caminhada e, mais recentemente, a cozinha. Ela caminha 40 minutos três ou quatro vezes por semana, principalmente aos domingos. Começou a cozinhar há um ano e meio, antes de se aposentar só comia fora. Se ainda trabalhasse com Direito, seu foco poderia ser outro:

– Se eu fosse mais nova, me interessaria em estudar regulamentação da propaganda. É um assunto polêmico não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Não há muitos estudos sobre o assunto e a propaganda enganosa é um grande problema – justifica.

Iara também adora cinema. Viu dez vezes Em algum lugar do passado, por coincidência o preferido de Ruan (veja  os perfis no fim da página). Iara cultiva referências variadas e não se apaga a dogmas:

– Fui ver Gritos e sussurros, do Bergman, e é um horror, passei mal. Nunca vi Harry Potter, mas acho lindo – conta – Adoro comédias como Se eu fosse você e Sexo ou amor. Eu faria cinema se fosse jovem agora, no século XXI. Penso até fazer um curso livre.

A telinha também fascina a caloura. Vê novela das 18h às 22h.

– Estou até me esforçando para parar porque toma muito tempo, não dá para fazer nada nesse horário – aflige-se – A novela de que eu mais gosto é Paraíso, que me lembra muito do Sul: sentar-se à beira do fogo, no inverno, para contar causos.

Embora também goste de cinema, Ruan não é um frequentador ativo. O mais perto de São José do Vale do Rio Preto fica a mais de uma hora:

– O legal é que os amigos se reúnem para ir, então vira uma caravana, todos brincando no ônibus. Acaba sendo mais divertido do que se a gente tivesse cinema do lado de casa.

A maior distância entre os dois calouros é marcada pela era digital. Na internet, Iara “só faz o básico”. É Aída, sua “neta”, quem a ajuda a “mexer em coisas com botões”, pois se diz “um fracasso com tecnologia”. Ruan, ao contrário, é viciado em computador. Só não o utiliza por mais tempo porque passa a maior parte do dia na universidade.

– Fico arranjando coisas que eu possa fazer com o notebook só para ter um pretexto para usá-lo. Ele me ajuda a manter a organização. Posso, por exemplo, pegar na internet o roteiro da aula antes de eu ir para a sala – argumenta – Se eu não tivesse computador, andaria por aí com vários papeizinhos, lembretes.

Assim como ele, Iara tem facilidade para fazer várias coisas ao mesmo tempo. Ela credita esta capacidade ao fato de ser geminiana.

– Isso me atrasou muito a vida – diz, espirituosamente – Eu queria fazer tudo: ser bailarina, diplomata etc.

Ruan combina duas paixões: tecnologia e música. Enquanto usa o computador, o áudio geralmente está ligado. Quando não está de frente para o monitor, está tocando algum instrumento.

– Toco violão, guitarra, baixo, teclado e flauta doce. Queria aprender a tocar flauta transversal. Aprendi violão sozinho, pegando cifras na internet, apesar de meu pai já ter tentado me ensinar antes – lembra – A minha ideia inicial era cursar Música. Penso em fazer isso depois que eu tiver salário fixo.

O calouro formou uma banda pop com amigos de São José. Durou pouco. Segundo ele, faltava "maior compromisso" dos integrantes com os ensaios.

– A minha casa é embaixo do CCAA, não podíamos fazer muito barulho. Tocamos lá umas duas vezes. Combinávamos de nos encontrar num horário em que não havia aulas. Depois, a prefeitura nos cedeu um lugar, mas ficava longe. Era complicado transportar a bateria – conta.

Iara toca piano há 12 anos e faz canto há pouco mais de um mês. Gosta de música clássica e, apesar da aparência intelectual, também gosta de música "brega", popular.

– Adoro música sertaneja, principalmente as da dupla Vítor e Léo, e ouço muito a rádio Nativa.

Ao se despedirem, os dois colouros até planejaram tocar juntos. Ela no piano, ele no violão. Parecia que já se conheciam há anos.

Lucas Landau 

Iara

1- Filme: Hiroshima, meu amor (“Uma revolução no cinema”).
2- Diretor/cineasta: Jean-Luc Godard.
3- Ator/atriz: Catherine Deneuve.
4- Livro: Memórias, sonhos e reflexões (Carl Young).
5- Gênero: Romance histórico.
6- Comida: Feijoada.
7- Projetos para o futuro: Conclusão do livro Deus e a unidade divina (Baseado nos pensamentos de Spinoza).
8- O melhor da Universidade: O convívio com a juventude, pois se aprende muito.
9- Hobby: Viajar.
10- Maior qualidade: Alegria e bom humor.
11- Maior defeito: Insegurança e certa infantilidade que tem desde pequena.
12- Lugar: Santana do Livramento, cidade em que nasceu.
13- Ídolo na profissão: No Direito, o desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho (“Um ser iluminado”). Na Filosofia, Fernando Muniz.
14- Ídolo em geral: Maria Antonieta e Lucrécia Borges.
15- Um arrependimento: Não ter namorado mais (Teve quatro namoros “sérios”).
16- Um orgulho: Cursar Teologia (“Era minha meta”).
17- Uma frase: Se é assim, será (De origem celta).
18- Esporte: Ciclismo (“Voltei a pedalar há um ano”).
19- Time de futebol: Vasco da Gama (“Sou doente. Do tipo que vai ao Maracanã, chora”).
20- Cantor(a): Marisa Monte.
21- Música: Detalhes (Roberto Carlos).
22- Vício: Um bom chope (“Geralmente tomo sozinha, depois de ir à praia”).
23- Programa de TV: Novela.
24- Estilo de roupa: “Perua-formal”.
25- Programa de índio: Ir a um bar da Lapa à noite (“Prefiro morrer” - risos).

Lucas Landau 

Ruan

1- Filme: Em algum lugar do passado.
2- Diretor/cineasta: Steven Spielberg.
3- Ator/atriz: Morgan Freeman.
4- Livro: Do fundo dos seus olhos (Dean Koontz).
5- Gênero: Ficção.
6- Comida: Lasanha.
7- Projetos para o futuro: Começar minha vida profissional.
8- O melhor da Universidade: O campus (o clima, o ambiente, as pessoas).
9- Hobby: Computador e música.
10- Maior qualidade: Cuidado com as outras pessoas e esforço para não magoá-las.
11- Maior defeito: Preguiça, com certeza (“Costumo dizer que puxei metade da minha mãe: herdei a inteligência dela, mas não a determinação, definitivamente”).
12- Lugar: São José do Vale do Rio Preto (Assim como Iara, tem carinho especial pelo lugar onde viveu maior parte se sua vida. “Como a cidade é pequena, acaba sendo sua casa: todo mundo se conhece. Meu sonho é voltar para lá quando me aposentar”).
13- Ídolo na profissão: Não tem (“Eu poderia até dizer Bill Gates, mas não consigo venerá-lo).
14- Ídolo em geral: Não tem (“Não consigo venerar nem banda de música”. Iara pergunta: “E os Beatles?”, mostrando a camisa da banda, com a qual veio vestida. Ele responde que gosta muito, mas, mesmo assim, não os encara como ídolos. Iara, que gosta “demais” dos Beatles, diz que chegou a vê-los em Londres, em 1965, quando estouraram. “Só depois eu soube que o que tinha presenciado foi um momento histórico”).
15- Um arrependimento: Ter culpado o pai por não poder se inscrever na PUC, tendo que esperar um semestre (O pai o havia obrigado a ir para o colégio particular no 1° ano, e ele não queria ir porque todos os seus amigos estavam no antigo colégio. “Fiquei um dia inteiro sem falar com ele”).
16- Um orgulho: Os pais.
17- Uma frase: Hoje é um bom dia para ser feliz.
18- Esporte: Handball.
19- Time de futebol: Flamengo.
20- Cantor(a): Céline Dion.
21- Música: Somewhere over the rainbow (A versão original).
22- Vício: Computador.
23- Programa de TV: CQC.
24- Estilo de roupa: Confortável.
25- Programa de índio: Ir para o mercadão de Madureira; festa de 15 anos em que não se conhece ninguém; ir à praia em passeio de colégio.