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Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


Cidade

Passeata renova ações contra a intolerância religiosa

Bruna Santamarina e Bruna Smith - Do Portal

21/09/2009

 Bruna Smith

Sob o sol de Copacabana lotada, uma multidão se reunia para a II Caminhada em defesa da liberdade religiosa. Eram muçulmanos, hare krishnas, católicos, candomblecistas, umbandistas, evangélicos. Num clima de descontração, lembraram a importância de se conviver em paz com a diferença e apontaram caminhos para a tolerânica. O esforço a favor da pluralidade será renovado no seminário Cinema e tolerância religiosa no Brasil: uma reflexão contemporânea, a ser realizado nos dias 29 e 30 de outubro.

Os voluntários da Comissão pela Liberdade Religiosa, criada no ano passado, compartilham de um fato, infelizmente, ainda comum: o preconceito. As respectivas crenças já foram vilipendiadas. Roseane Rodrigues conta que perdeu a guarda de seu filho por seguir uma religião afrodescendente:

– A assistente social que visitou minha casa, ao descobrir que eu era candomblecista, alegou que eu não tinha condições psicológicas para criar meu filho e a juíza concordou. Tive que passar por uma perícia psiquiátrica e lutei por um ano para tê-la de volta – desabafa.

Bruna Smith No meio de uma multidão de fiéis, com 10 mil bandeiras e camisas personalizadas, um único evangélico chamava a atenção. Era o reverendo Marcos Amaral, da Igreja Presbiteriana de Jacarepaguá. Ele quebrava seus próprios tabus ao caminhar pelo calçadão de Copacabana rindo e tirando fotos ao lado de devotos de religiões afro-descendentes:

– É uma das experiências mais difíceis da minha vida. Sei que sou uma exceção. O evangelismo nos ensina a ter aversão a tudo isso. Minha religião não admite o diálogo com outras. Acredito que o encontro não envolve somente diálogo, mas a convivência. É possível estar ao lado de outras pessoas, independente de sua escolha espiritual. Afinal, nenhum de nós quer ser desrespeitado e ninguém pode ler o outro pela expressão da fé. Tenho que levantar minha voz para falar: "Por favor, prendam essas pessoas". Elas são criminosas.

Para o muçulmano sunita e professor de física Salah Al-Din Ahmad Mohammad, a passeata deveria se tornar feriado nacional. Ele lembrou que a luta não é apenas pela tolerância religiosa, mas também para que a lei, que criminaliza a discriminação religiosa com penas civis, seja colocada em prática:

– Já fui chamado de homem-bomba e Osama Bin Laden no condomínio onde moro. Para acabar com o preconceito, é preciso uma educação democrática, em que os representantes de todas as religiões tenham seu espaço nas escolas.

O jovem candomblecista de 14 anos, Felipe Gonçalves, conta que foi vítima de preconceito religioso na própria escola:

– No fim da aula, fui entregar a minha maquete de pirâmides do Egito e a professora perguntou o que era aquilo no meu pescoço. Quando eu disse que era meu fio de contas (símbolo do Candomblé), ela quebrou meu trabalho e me expulsou de sala dizendo que eu era filho do demônio. Senti muita vergonha.

A mãe, Andrea Gonçalves, abriu uma sindicância na escola e uma ocorrência contra a professora. O caso está no Ministério Público.

Bruna Smith Já a muçulmana Amanda Cavalcante, estudante de medicina da UFRJ, acredita que as pessoas ainda tenham pouca informação sobre o islamismo, "o que acaba gerando um desrespeito à religião":

– Numa aula da faculdade, meu professor disse que as muçulmanas eram tratadas como lixo. Essa visão ocidental não é compatível com a realidade. O que acontece é exatamente o contrário.

Raga Bhumi, uma das representantes da Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna, mais conhecida como Hare Krishna, já tem mais de 36 anos de devoção e também esteva na passeata. Ela acredita que o encontro contribui para avaliarmos melhor nossa relação com o mundo e as diferentes culturas.

O coronel Jorge Silva, autor do Guia contra a Intolerância Religiosa, considera lamentável que não seja permitido professar livremente a sua crença. Para ele, é ainda pior quando a repressão é feita com violência.

– Nosso destino tem que ser a fraternidade, a harmonia e a confraternização – avalia o coronel.

O ministro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Edson Santos, ressaltou a importância da reunião e contou que, no próximo senso, a classificação de religiões deve mudar:

– Atualmente as opções do senso são “católicos” e “outros”. Mudaremos isso e incluiremos as afro-descendentes. O Brasil caminha para dar visibilidade à presença de todas as religiões.

Era esperada com ansiedade a chegada do reverendo Jeremiah Wright, da igreja Trinity United Church of Christ, em Chicago. O pastor celebrou o casamento do atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. No entanto, ele não pôde comparecer, devido a um problema em seu voo.