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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Cultura

Disney: racismo e estereótipos em desenho animado

Felipe Machado - Do Portal

26/11/2007

Por trás dos simpáticos personagens infantis de Walt Disney existia um homem extremamente conservador na política e com certas simpatias pela a Alemanha nazista. As informações reveladoras fazem parte da tese defendida pela professora Darlene J. Sadlier, da Indiana University, nos EUA, e apresentada na PUC-Rio durante o 11º. Encontro Internacional da Socine. O ponto de partida da pesquisadora foi a análise de um documentário feito por Disney durante sua viagem pela América Latina. Trata-se do making of de um desenho animado chamado “Saludos Amigos”, que foi lançado no Brasil em agosto de 1942 – portanto, em plena Segunda Guerra Mundial – como “Alô Amigos”.

O pano de fundo da viagem de Disney era a política de boa vizinhança do presidente Roosevelt, que estava interessado em atrair os países latino-americanos à causa dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. O pai de Mickey trouxe ao Brasil e a países como Argentina, Bolívia e Peru sua equipe de desenhistas, músicos e escritores. Nesse contexto surgiu o personagem Zé Carioca e se iniciou o império Disney, segundo Darlene. No entanto, ele próprio lutava contra uma greve de seus desenhistas e contra a formação de um sindicato, contrariando os ideais democráticos defendidos pelos Aliados em oposição à empreitada de Hitler.

Darlene critica o modo como Disney retrata a América Latina tanto no desenho como no documentário, este batizado de “South oh the border with Disney”. Segundo a pesquisadora, ele faz questão de não mostrar a população local, principalmente os mais pobres, e ressaltar aspectos como a natureza, as cores, e a exuberância da fauna e flora brasileiras, reforçando estereótipos e buscando aumentar o imperialismo cultural sobre o continente. “Disney só mostra a população quando ela é pitoresca como a paisagem e o clima e quando ajuda a reforçar os estereótipos dos países latino-americanos”, diz Darlene.

Ela exemplifica com uma cena em que a equipe de Disney, nos pampas argentinos, pede a um vaqueiro que salte do cavalo para analisar cada pedaço de sua roupa, como se ele fosse um objeto em exposição. “Eles mostram o vaqueiro como se fosse um alienígena, e como se sua bota, seu chapéu, fossem artefatos exóticos e ultrapassados”, critica.

Além de Disney, outro cineasta havia sido convidado para fazer filmes sobre a América Latina como parte da política da boa vizinhança: Orson Welles. Segundo a pesquisadora, ele tinha uma visão liberal-esquerdista, ligando-se a questões sociais, e começou a filmar um documentário, inacabado, chamado “É tudo verdade” (“It’s all true”, no original), sobre o Brasil. Suas imagens do país mostravam negros e pobres, em um retrato mais realista e menos estereotipado, o que não agradou nem Getúlio Vargas, nem Nelson Rockefeller, diretor do Departamento de Estado dos EUA, e, portanto, controlador da divisão de Assuntos Interamericanos. A diferença de ideais era tamanha que o próprio Welles chegou a considerar Disney um fascista, segundo Darlene.

A professora diz que, na época, muitas coisas passaram despercebidas na cinematografia de Disney, mas hoje pode-se ter uma visão diferente. “Ele fez muitos filmes que considero racistas e preconceituosos, o que na época não se percebeu. Mas minha leitura de Disney é dos anos 2000, e não daquele tempo”, completa.