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Rio de Janeiro, 24 de abril de 2024


País

Cultura versos narcocultura

Gabriela Ferreira - Do Portal

23/11/2007

O Relatório Global sobre Assentamentos Humanos, feito pela ONU, revelou que 70% dos brasileiros vivem com sensação de insegurança, o maior índice do mundo. As principais causas apontadas foram os confrontos entre facções criminosas e o medo do tráfico de drogas. Para o vocalista e um dos fundadores do grupo AfroReggae, Anderson Sá, a grande quantidade de armas nas favelas e o consumo de drogas contribuem para aumentar ainda mais esse caos:

- O grande problema é a arma, pois é com ela que o bandido garante o seu território. Se o jovem consome drogas, ele está alimentando isso - defende.

Anderson afirma que a “narcocultura”, ou seja, a cultura do tráfico de drogas, está disseminada não apenas na própria favela, mas também nas cidades. Ele a explica como uma estética de dentro das comunidades, que pode trazer dinheiro de forma legal ou ilegal.

- Um exemplo disso é o cara que tem um bar na boca do tráfico para aproveitar o ‘movimento’ ou os meninos de dez ou onze anos que assaltam para comprar um tênis da Nike - definiu o vocalista.

Filmes como “Cidade de Deus’, de Fernando Meirelles, e o recente e polêmico “Tropa de elite”, de José Padilha, retratam a dura realidade das favelas. Segundo Anderson Sá, protagonista do filme “Favela Rising”, de Jeff Zimbalist e Matt Mochary, esses filmes geram lucro e prestígio para seus diretores, mas esse é um resultado individual.

- A cultura da favela é muito consumida. Fico feliz por ver que “Cidade de Deus” ganhou prêmios, mas o que isso trouxe de bom para a comunidade? Conheço gente que não concorda com o que o filme mostrou, que achou horrível. Tem que saber até onde o produto vai chegar e o que isso vai gerar – disse ele.

As imagens de violência dos filmes fazem parte do dia-a-dia da realidade de muitos brasileiros. Os dados do relatório mostram que, entre 1970 e os dias atuais, o índice de homicídios quadruplicou em São Paulo e triplicou no Rio. Todos os dias morrem cerca de 100 pessoas vítimas de armas de fogo no país. No Rio, a proporção por armas é maior que o dobro da média nacional. Para Anderson Sá, é difícil dimensionar o problema da violência e do tráfico de drogas.

- Traficantes são apenas varejistas de um grande negócio, eles não se comunicam com os países revendedores. O verdadeiro traficante não está na favela - acredita.

O relatório afirma ainda que as instituições são incapazes de lidar com as demandas por serviços urbanos e justiça, por terem sido “esmagadas pelo ritmo e o tamanho do crescimento populacional”. Nesse cenário de violência da cidade que, em 1993, Anderson foi um dos que criou o grupo Afroreggae, criado em resposta à chacina de Vigário Geral, quando policiais invadiram a favela e mataram 21 moradores em vingança à morte de quatro policiais. A ONG foi formada para tirar os meninos do tráfico usando a música e artes no resgate da cidadania e para romper barreiras sociais.

- O Afroreggae acredita em um trabalho social. Basta acreditar. A ONG atua em diversos projetos sociais com moradores de favelas cariocas e atende cerca de duas mil pessoas de regiões carentes do Rio. O governo poderia ajudar, o Estado poderia ajudar, é uma questão de gestão. As pessoas têm bom coração, mas na hora de botar a mão na massa, de fazer o orçamento, aí fica difícil - explicou o vocalista.

De acordo com o Ministério Público, estima-se uma sobrevida média de cinco anos a partir do seu ingresso no mundo do crime. Segundo Anderson, quando alguém sai do tráfico de drogas, em poucos minutos entra outro em seu lugar. Embora muitos jovens da cidade queiram se vestir e agir como os traficantes das favelas, o vocalista garante a maioria dos bandidos não querem que seus filhos sigam o mesmo caminho.

- Eles só precisam de uma oportunidade. E não é só de futebol, cultura e samba não. O negro pode crescer através de tudo – concluiu.