Projeto Comunicar
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Rio de Janeiro, 18 de abril de 2024


Cidade

A democratização dos meios de comunicação social

Ana Carolina C. Fontes - Da sala de aula

05/10/2009

 Divulgação

O aumento do número de grupos sociais organizados e a necessidade de se popularizar uma comunicação voltada para tais comunidades têm gerado diferentes contornos para essa modalidade comunicacional - que, impulsionada por voluntários ou profissionais assalariados,  produz conteúdo para o terceiro setor, contribuindo com causas sociais, ambientais e culturais. A comunicação comunitária pode ser veiculada por comunidades, ONGs, OSCIPs e até por empresas com áreas especialmente voltadas para a responsabilidade social.

Há muitas formas de veiculação, desde panfletos e cartazes a jornais, vídeos, programas de rádio e televisão, filmes documentários. A ONG Viramundo, por exemplo, contempla as áreas de saúde, educação, meio ambiente e cultura. Realiza um projeto de comunicação pioneiro em comunidades do Rio de Janeiro, como a Rocinha. Ensina os membros da comunidade a fazer vídeos, da produção à edição, produtos radiofônicos, cartazes e panfletos com fotografias tiradas pelos próprios "atores sociais".

O diretor-presidente da associação, Flávio Wittlin, explica que, antes de qualquer ensinamento, é necessário um debate com a população local, para entender exatamente quais os anseios e demandas específicos. A partir daí, são realizados workshops para cada atividade. “Temos uma parceria com a Universidade de Cumbria, na Inglaterra, que nos forneceu o equipamento audiovisual, e com a ONG italiana Craisis Opportunity”, conta Wittlin.

A verba repassada pela Craisis Opportunity para a Viramundo é destinada ao pagamento de uma bolsa-trabalho para os jovens participantes dos projetos ligados à comunicação comunitária. Como o “Vozes Visíveis na Rocinha”, que produz fotos, filmes e programas de rádio, estimulando a organização da comunidade.

O projeto, em vigor desde 2007, ganha cada vez mais adeptos e apresenta resultados positivos. No ano passado, os resultados foi exposto na Rocinha, num encontro popular no Circo Voador e nas Universidades de Nova Iorque, nos EUA, e Ottawa e Melbourne, na Austrália. Também foi exibido na Conferência da Associação Internacional de Sociologia Visual (IVSA), em Buenos Aires, na Argentina.

A psicóloga e secretária geral da Viramundo, Helena Bastos, considera fundamental que os dirigentes atuem com “ética, seriedade e respeito com a população”. Acredita que não é possível comunicar de forma efetiva sem que haja uma participação dos atores sociais nesse processo. “O aparato multimídia é usado como um instrumento de mobilização social, para dar voz a estes núcleos comunitários”, afirma a psicóloga.

Segundo ela, este viés de comunicação é um incentivo para o trabalho social, que pretende preencher o vazio deixado pelo Estado em relação às políticas públicas. “Nossa metodologia é baseada no ativismo visual, para conscientizar a população local dos problemas existentes na comunidade”, acrescenta. Observa-se um volume crescentes de jornais destinados a veicular informações associadas às comunidades. É o caso do projeto da ONG Beira Rio, em Vargem Grande, no Rio de Janeiro. A organização realiza trabalhos sociais com crianças e adolescentes e conta com um jornal mensal sobre a comunidade.

A iniciativa é comandada por Filipe Pontes, que ensina ao grupo de jovens técnicas de reportagem, diagramação e edição em jornalismo impresso. “O projeto já existe há mais de dois anos e o jornal é o primeiro a ser veiculado na Beira Rio”, diz o professor. “Além de ajudar a população a conhecer os projetos da ONG, que tem oficinas de comunicação, artesanato e música, esta mídia serve como fonte de informação da comunidade para a comunidade”, afirma. Ele acredita que é muito importante haver um diálogo na produção da notícia.

O método de ação da ONG Beira Rio é o “ver, julgar e agir” (três etapas), conhecido também como método comunicativo comunitário. A primeira etapa consiste em identificar o problema social e perceber as causas e consequências com eficácia. O “ver” precisa ser coletivo e ter participação intensiva da comunidade. Em seguida, “julgar” seria analisar esta causa e fundamentar o problema – seria perceber o que poderia dar certo ou errado. Por fim, é preciso concretizar o “agir”, ou seja, propor uma ação que transforme a realidade constatada ou criticada. É o momento da nova prática e do compromisso à luz de uma visão humanitária e politicamente correta.

A comunicação comunitária mostra-se, portanto, fundamental neste processo. Sem ela, os membros do grupo não poderiam ajudar a apontar o problema comum e integrar os desejos de mudança. A viabilização de uma informação interativa, sem fins lucrativos e voltada para o coletivo valoriza a cultura local e democratiza a comunicação. Este produto comunitário é uma forma de expressão alternativa que os grupos sociais encontraram para mobilizar os membros da comunidade. “A mídia comunitária, produzida e pensada em conjunto, presta serviços à comunidade, tem participação dos cidadãos e é controlada por um grupo democrático. É diferente da mídia local, que segue a lógica dos grandes meios de comunicação e funciona como um negócio”, afirma o cientista social Silvio Keldane.

Segundo ele, uma “comunicação cidadã precisa convergir os interesses comuns e ter a participação efetiva de determinado grupo social”. O conteúdo do produto comunitário precisa ser tratado com muito cuidado para que não haja distorções do interesse público local. No livro Comunicação para a Cidadania, Cicillia Peruzzo afirma que a comunicação comunitária “surge e se desenvolve articulada aos movimentos sociais como canal de expressão e meio de mobilização e conscientização das populações residentes em bairros periféricos e submetidas a carências de toda espécie; de escolas, postos de saúde, moradia digna, transporte, alimentação e outros bens de uso coletivo e pessoal, em razão dos baixos salários ou do desemprego.”

A comunicação comunitária é a voz desses grupos e organizações que não se comunicam através da grande mídia, mas sim por veículos alternativos. Comunicação em comunidade caiçara Em regiões isoladas, como o Saco do Mamanguá, no litoral Sul do Rio, a comunicação ganha contornos bem variados. A comunidade caiçara, mistura de portugueses com índios vive muitas vezes em condições de difícil acesso e, sendo assim, tem dificuldades para se comunicar internamente. Os caiçaras do Mamanguá estão distribuídos em seis núcleos populacionais que vivem numa extensão de oito quilômetros. A interação da população é fundamental para as atividades de pesca, artesanato e turismo.

A comunicação comunitária se dá principalmente a partir da participação em programas de televisão e divulgação dos projetos desenvolvidos por meio de textos distribuídos para a população caiçara. Em alguns núcleos, o acesso é complicado e exige caminhadas por trilhas florestais e o transporte de canoas que atravessam os manguezais. O presidente da associação dos moradores é o responsável por divulgar as atividades realizadas. O presidente da associação, Gilcimar da Silva, trabalha em parceria com um projeto do canal Multishow sobre comunidades no Brasil. Através dos programas, documentários e textos produzidos, a comunidade passa a se conscientizar do que está sendo feito na comunidade, além trazer maior visibilidade para a região e assim, atrair mais consumidores dos produtos da comunidade litorânea. “O nosso próximo passo é elaborar um jornal, partindo do conceito dos textos já produzidos pelos membros da associação”, conta. Gilcimar disse que a comunicação comunitária já ajudou a comunidade a desenvolver ações assistenciais e emergenciais.

Ações que se tornaram objeto da comunicação comunitária

As ações divulgadas em veículos como jornais, programas de rádio e televisão e em informativos comunitários são assistenciais, de solidariedade ou transformadoras. A ação de assistência consiste numa ajuda imediata ao ator social. As de solidariedade são semelhantes às de assistência, mas iniciam um processo que desperta o senso crítico, porque é avaliada e refletida, produzindo uma comunicação solidária. Transformadoras são as ações que realmente transformam a realidade para que todos possam viver de forma mais digna. Neste caso, o processo é mais lento e exige muita perseverança.

Os veículos voltados para as comunidades têm interesse em difundir essa informação para trazer mais legitimidade aos projetos realizados em âmbito local. Estas iniciativas podem contar apenas com os membros da região ou até mesmo receber o apoio de fora, como é o caso de universidades que atuam em parceria com os grupos sociais. A comunicação comunitária simboliza o acesso democrático do conteúdo comunicacional e é um instrumento de cidadania que incentiva o caráter coletivo e o sentido de pertencimento dentro da comunidade.


 * Texto produzido em sala de aula para a disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso, ministrada pelo professor Leonel Aguiar.