Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 7 de maio de 2024


País

Redemocratização exige a busca de aperfeiçoamento político

Marcelo Sperandio - Da sala de aula

31/08/2009

Reprodução

“Nos fins de semana, famílias inteiras, com suas crianças, passeavam carregando bandeiras e cantando as músicas das campanhas. Era uma festa cívica instigante”, recorda o cientista político Paulo d’Avila, da PUC-Rio. Essa é a principal lembrança que ele guarda da eleição presidencial de 1989. Na época, d’Avila era estudante universitário e, assim como milhões de brasileiros, esperava ansiosamente pela democracia. Depois de 29 anos sem votar – a última vez havia sido em 1960 – e de 21 anos de ditadura, o povo voltava às urnas para fazer daquele pleito um momento especial na história do país. Uma mobilização popular que não foi mais vista nas eleições seguintes.

O presidente do PPS, Roberto Freire, que foi pelo PCB um dos candidatos em 1989 – ficou em oitavo lugar, com 769 mil votos –, explica que “a eleição foi histórica porque fechou o ciclo do regime militar”. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), que, na época, era o presidente do país, confirma Freire e diz que “o pleito ocorreu em completa liberdade”. Contudo, o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), que era vereador do Rio de Janeiro pelo PT em 1989, vai além e revela que “o momento foi como o destampar de uma panela de pressão, porque aconteceu no auge das lutas sociais”. Saudosista, Alencar conclui: “Era um país mobilizado pela política, que ainda movia e comovia a população.”

Durante o período de jejum democrático, houve uma invasão do povo na política. A Constituição de 1988 estendeu o direito de voto aos analfabetos e instituiu a participação facultativa para cidadãos entre 16 e 17 anos. Por isso, de 1960 a 1989, segundo números do IBGE, enquanto a população brasileira cresceu mais que o dobro – de 70,1 milhões para 146 milhões de habitantes –, o eleitorado aumentou mais de quatro vezes – de 15,5 milhões para 82 milhões de eleitores. O eleitorado, que correspondia a 22,14% da população em 1960, passou a corresponder a 56,21% em 1989, um aumento de 153,88%. Ou seja, o Brasil tinha a representação eleitoral mais significativa da sua história justamente em um forte momento de mobilização social e de grave crise econômica:

- A década de 80 teve grandes movimentos pela democracia. Em 1984, a campanha “Diretas Já” e o comício da Candelária, que reuniu um milhão de pessoas no Rio, comprovam isso. Havia expectativa de redefinição política e de melhora na economia. Não foi à toa que a abstenção foi tão baixa - avalia o cientista político Cesar Romero, da PUC-Rio.

Segundo levantamento do Tribunal Superior Eleitoral, no pleito de 1989, o número de eleitores que não compareceram às urnas foi bem inferior aos das eleições seguintes: 11,9% no primeiro turno e 14,4% no segundo. Em 1994, a abstenção foi de 17,8% e não houve segundo turno, assim como em 1998, que teve 21,5%. Em 2002, 17,7% dos eleitores não votaram no primeiro turno e 20,5% não foram ao segundo. Na eleição de 2006, a abstenção foi de 16,7% no primeiro e de 18,9% no segundo.

Um dos motivos para a baixa abstenção de 1989, e o aumento posterior, pode ter sido o fato de que só houve disputa para a presidência. “Nos pleitos seguintes, o eleitor votou em cinco cargos, o que é bem mais complexo”, explica o cientista político Fernando Lattman-Weltman, da FGV-RJ. Além disso, foram 22 candidatos, um número elevado e bem superior aos das demais eleições – a segunda maior quantidade foi registrada em 1998, quando foram 12 presidenciáveis. “Os partidos escolheram políticos fortes, o que deixou a disputa acirrada, com debate ideológico intenso, e, assim, mobilizou o eleitor”, esclarece a cientista política Alessandra Aldé, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Entre os candidatos mais conhecidos da população estavam Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Leonel Brizola (PDT), Mário Covas (PSDB), Paulo Maluf (PDS) e Ulysses Guimarães (PMDB).

Todavia, não foi uma figura de história política que chegou ao poder. No dia 17 de dezembro de 1989, o eleito, com 35 milhões de votos, foi Fernando Collor de Mello, que se candidatou por um partido criado por ele, o Partido da Reconstrução Nacional. O então desconhecido ex-governador de Alagoas venceu Lula no segundo turno e conquistou o Brasil através da mídia, que o ajudou a criar a imagem de “caçador de marajás”. “A campanha do Collor foi um marco da profissionalização do marketing político, que, junto com a intensa cobertura jornalística, estimulou a grande participação popular”, conta Aldé.

Três anos depois da eleição, Collor foi acusado de corrupção e os parlamentares decidiram pelo impeachment do presidente. “O eleitor espera 29 anos, vota no ‘salvador da pátria’ e, depois, o vê sendo acusado de corrupto. É natural que haja uma decepção política”, argumenta Lattman-Weltman. Por outro lado, Sarney discorda da ideia de que o povo tenha se desanimado: “Creio que o impeachment deu ao eleitor a visão de uma democracia que funciona, inclusive para os seus casos mais extremos.”

O Brasil vive em um sistema democrático há 20 anos e, antes disso, só houve democracia de 1946 a 1964. Portanto, os brasileiros têm apenas 38 anos de participação efetiva na política. O fato de as ruas não terem mais a mesma animação de 1989 não significa que o regime esteja abalado. “Não é um quadro de decadência, é de ‘rotinização’ do processo. Aquela eleição que teve um contexto atípico. Dá saudade...”, analisa d’Avila.


* Matéria produzida em sala de aula para a disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso, ministrada pelo professor Arthur Dapieve.