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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Mundo

Um país sob o desafio de vencer um muro invisível

Manuela Lopes - Do Portal

09/09/2009

Arquivo Oficial

Ele, alemão ocidental, professor de inglês. Ela, alemã oriental, filha de russos. Conheceram-se quando ele foi alocado para dar aula em uma escola da parte oriental do país, logo após o fim da fronteira. Sabrina Medeiros, professora de Relações Internacionais na Escola de Guerra Naval e doutora em Ciências Políticas pelo Iuperj, conta que foi apresentada ao casal enquanto estava na Alemanha para cursar a extensão universitária na Wissenschaftszentrum Berlin für Sozialforschung. Para a professora, são o casal icônico da Derrubada do Muro de Berlim. “Sim, derrubada e não queda,” explica. “Porque o Muro não caiu simplesmente, ele foi derrubado.”

A filha do alemão ocidental e da alemã oriental, nascida exatamente em 1989, dizia que nem todo mundo na sua escola pública alemã conseguia entender sua vida “misturada”. Afinal de contas, mesmo hoje em dia, tão próximos do aniversário de vinte anos da derrubada, os alemães, principalmente os berlinenses, continuam socialmente afastados entre si.

A história do muro nasceu com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Derrotada, a Alemanha foi dividida como espólio entre os vencedores Aliados – a parte ocidental, capitalista, ficou sob controle de Inglaterra, França e Estados Unidos. À Rússia coube a metade oriental, que seguiu o regime comunista. A vulnerável barreira política de Berlim foi ultrapassada por milhares de alemães orientais, prejudicando a economia e a força de trabalho da parte comunista.

Depois de diversas tentativas de conter o êxodo, foi tomada a decisão drástica: na madrugada de 13 de agosto de 1961, sem aviso prévio, Berlim foi dividida ao meio por arame farpado. Ninguém mais poderia passar. Nos meses seguintes, foi construído o Muro, que resistiu por 28 anos. No dia 9 de novembro de 1989, uma série de protestos resultou na Derrubada, assistida pelo mundo inteiro e considerada o maior marco do fim do comunismo.

O princípio da reintegração foi duro. Samuel de Lima, brasileiro que mora em Berlim há 21 anos, testemunhou esse estranhamento inicial. "Muita gente dizia 'Eu quero o meu Muro de volta, e dez metros mais alto'. Será mesmo?", conta.

Ainda hoje, a barreira continua palpável. Segundo dados da Revista ParadoXo, em novembro de 2004, 15 anos após a Queda, 24% dos alemães ocidentais queriam a reconstrução do Muro. Francisco Carlos Teixeira, doutor em História Social pela Universidade de Berlim e da UFF, colunista da revista Carta Maior e professor de História Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro, conta que os alemães chamam tal fenômeno de "Muro Invisível".

– A educação comunista produziu pessoas com perfil para o trabalho – conta Teixeira. – Os ossies, como eram chamados, eram muito bons funcionários, porque eram disciplinados, trabalhavam bem e não criavam problemas. Ao mesmo tempo, eles recebiam algo em torno de um terço do que era pago aos wessies (alemães ocidentais). Então criou-se esse muro invisível. Mas ele não é intransponível.

Os desafios são grandes, principalmente na área social. Segundo a entidade alemã Paritätische Gesamtverband, citada na Folha de S. Paulo de 26 de maio deste ano, 20% dos alemães orientais são pobres. No Ocidente, são 13%. Por isso, o governo tem investido em financiamentos e cursos profissionalizantes para os orientais; e os alemães pagam um imposto para a reconstrução do leste.

Os ossies são facilmente reconhecidos. Gabriela Marques, brasileira que mora em Gießen, perto de Frankfurt, há dois anos com o noivo alemão, conta que o sotaque da área, muito característico, e as roupas simples são traços marcantes. Segundo Teixeira, os orientais são "muito educadinhos".

–  O wessie é bagunçado. Se alguém vai deixar uma lata de cerveja no banco da praça, pode ver que é wessie. – observa o professor. 

Anita Preuss, alemã de 27 anos nascida em Wernigerode, perto da antiga fronteira, garante que essa divisão é coisa das gerações antigas. Ela acredita que os jovens vão garantir a boa convivência:

– Sempre vai haver diferenças entre as regiões, mas acho que isso é normal, acontece em todos os países e, ao mesmo tempo, causa uma diversidade legal. Diversidade com respeito.

* Matéria produzida em sala de aula para a disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso, ministrada pelo professor Arthur Dapieve.