Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 7 de maio de 2024


País

Collor, síntese dos velhos habitantes do poder

Patricia Royo - Da sala de aula

01/09/2009

Divulgação

Em 1989, o ex-governador de Alagoas Fernando Collor de Mello foi eleito presidente do Brasil, com 53,03% dos votos. Venceu, entre outras, a chapa de Paulo Maluf e sucedeu José Sarney, que governou de 1985 a 1990, ainda eleito por voto indireto. Quase vinte anos mais tarde, um impeachment do carioca e acusações de improbidade administrativa dos três citados, Collor (PRTB) se elegeu senador em 2006. Atualmente, é presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado. Sarney é o presidente da casa. Maluf é deputado federal por São Paulo, eleito com 739.827 votos, a maior contagem em todo o país nas eleições de 2006.

Este ano, o país comemora duas décadas de eleições diretas, a conquista de uma geração que buscava o exercício pleno da democracia e a renovação. No entanto, a realidade é de políticos que parecem se perpetuar em seus cargos, velhos conhecidos que não deixam a cena brasileira. “O destensionamento provocado pela queda do muro de Berlim e o fim da Guerra Fria levou a um arrefecimento das paixões, ao fim das utopias. A política passa por um desgaste muito grande, uma descrença que causa um menor ingresso de jovens nessa esfera”, afirma o cientista político Carlos Alberto Furtado de Melo, autor do livro Collor: o ator e suas circunstâncias.

Basta analisar a trajetória de tais figuras constantes para atestar a falta de reciclagem. Paulo Salim Maluf completa 78 anos em setembro, com carreira iniciada em 1967, como presidente da Caixa Econômica Federal. Dois anos mais tarde, tornou-se prefeito de São Paulo. Governou o estado de 1979 a 1982. Desde então, foi deputado federal e retornou à Prefeitura, entre 1993 e 1996.

Sarney tem 79 anos, 50 deles na vida pública, sendo 33 anos no Senado. Teve passagens pela Câmara dos Deputados e pelo governo estadual do Maranhão. Após denúncias de irregularidades em licitações, como na da Ferrovia Norte-Sul, superfaturamento e uma inflação que chegou a 2.751% durante seu mandato como presidente, voltou ao Senado em 1991, representando o Amapá. No dia 2 de fevereiro deste ano, foi eleito presidente do Senado pela terceira vez, derrotando Tião Viana (PT), com 49 dos 81 votos.

“Além dele, pelo menos outros quinze senadores, 18,52% dos representantes, cumprem o segundo mandato, como Antonio Carlos Magalhães Neto, Garibaldi Alves Filho, Gerson Camata, Renan Calheiros e Romeu Tuma”, afirma Alcir Bampi, estudioso da corrupção e do valor do voto. Para Bampi, a pequena parcela de renovação em um país de dimensões continentais como o Brasil se deve à concepção da estrutura do comando político-nacional:

- Se olharmos para a história do país, a origem do Estado-nação deu-se com a ausência de revoluções sociais. Além disso, durante o período colonial, o comando era herdado, geração após geração, por membros da mesma família ou, no máximo, pelos círculos próximos, repassados segundo critérios econômicos ou familiares. Desta forma, eram contemplados apenas os interesses particulares, em detrimento aos desejos da sociedade.

Vontades próprias ainda não satisfeitas, através do jogo sujo. O ex-empresário paulista R.S., que preferiu não se identificar, garante ter participado do esquema que garantiu a Paulo Maluf a compra de votos no colégio eleitoral, à época da eleição para governador em 1978, contra Laudo Natel. R.S., de 55 anos, tinha uma empreiteira com o irmão de Maluf, Roberto. Como outros do ramo, trocou seu voto pela promessa de que realizaria obras superfaturadas no novo governo. Resultado: quatro agências do banco Banespa, sete creches, cinco escolas e um prédio de cinco andares, com acréscimo de cerca de 5% sobre o total.

- A obra da atual Avenida Roberto Marinho custou dez vezes o valor real. Um percentual ficava com o chefe da Casa Civil, Calim Eid, que era seu homem de confiança. Toda raposa tem seu responsável pelas negociações, assim com Collor tinha o Paulo César Farias. Essas velhas raposas continuam a faturar os eleitores, pois independentemente do roubo, fizeram muitas obras e tem pessoas até hoje gratas pela água e esgoto na sua rua, afirma R.S..

É o caso de Alan Marinho, estudante de direito de Maceió, capital do reduto eleitoral de Collor. Sua família inteira vota nele por ter se beneficiado em sua presidência. “Se hoje temos um patamar de vida muito bom, devemos a ele. Collor levou a Polícia Rodoviária Federal para o Ministério da Justiça, fazendo meu pai ganhar melhor”, diz Alan, de 28 anos, que acredita que todas as acusações de mau uso do dinheiro público e corrupção que levaram ao impeachment são falsas. “Não pensaria duas vezes na hora de votar nele novamente. Não vejo a hora dele confirmar a candidatura a governador para que eu possa vestir sua blusa e sair pelas ruas”, conta o estudante.

Além do “rouba, mas faz” e do voto de deboche, como para o rinoceronte paulista Cacareco, candidato a vereador na década de 70, e para Enéas, eleito deputado federal com 1,5 milhão de votos em 2002, Carlos Alberto Furtado de Melo credita à memória curta do brasileiro a estagnação política. “O Collor tinha mania de correr aos domingos, usando camisas com frases. Uma vez estampou ‘o tempo é o senhor da razão’. No Brasil, o tempo é o senhor do esquecimento”, garante.

Tanto Bampi como Melo acreditam que a solução para o engessamento da política brasileira está na educação, que deve conscientizar politicamente os alunos e incentivar o debate. Enquanto as mudanças não vêm, Melo segue sem grandes expectativas para as eleições de 2010:

- Teremos o José Serra, presidente da UNE pré-64, Dilma Rouseff, que emergiu em 1968, e Aécio Neves, neto de Tancredo Neves. Estamos olhando para trás. Certas figuras já deram o que tinham que dar. Isso mostra a fragilidade da criação política. O Brasil teria uma tragédia de capital humano se não houvesse quem pudesse substituir os políticos depois de oito anos no poder.


* Matéria produzida em sala de aula para a disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso, ministrada pelo professor Arthur Dapieve.