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Rio de Janeiro, 7 de maio de 2024


País

“Ninguém é santo, mas ele não era o Satanás que pintaram”

Milena Rodrigues - Da sala de aula

04/09/2009

Agência Brasil

Mais calmo e maduro, o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, conta detalhes sobre o impeachment do ex-presidente Fernando Collor. O ex-deputado, membro da chamada 'tropa de choque' do processo de impeachment, revela, em entrevista exclusiva, fatos sobre a negociação entre grandes empresários e faz uma comparação com a política atual no país.

Hoje, no Brasil, nós vemos escândalos políticos tão grandiosos ou maiores do que os que levaram ao impeachment do presidente Collor. No entanto, a população parece se manter apática. O senhor, que foi ativo na defesa do ex-presidente, que lutou pela permanência dele, acredita que o impeachment só aconteceu por causa de uma manobra política? A programação de TV exibida na época atiçou o povo?

A mobilização é feita com poder e dinheiro. Não há mobilização sem dinheiro. Nenhum movimento de cara pintada foi um movimento sem dinheiro. Todo o movimento teve dinheiro. Para ônibus, para roupa, para maquiagem, para comida, para lanche. Isso não é um movimento que seja espontâneo. Tem apoio. Ele foi montado por uma elite ferida. Naquela época, uma elite paulista, política e econômica. O Collor cometeu um pecado. Ele é um nordestino de Alagoas. Derrotou o Dr. Ulysses Guimarães, Mario Covas, Guilherme Domingos e o Lula. Todos de São Paulo. Repare que, de lá pra cá, ninguém mais que não seja de São Paulo venceu as eleições. Lá é onde se concentra o poder real.

Então, o senhor acredita que o movimento dos caras pintadas é fruto de um investimento de grandes empresas e empresários contra o ex-presidente Collor? Empresários e empresas que não estavam felizes com as medidas adotadas na sua gestão.

O poder político é o virtual, é o que faz o que pode. O poder real é dinheiro e o poder real é São Paulo. O Collor enfrentou São Paulo. Foi intolerante, jovem. Na época, estava com 45 anos. Um homem de 45 anos é um homem muito jovem para presidir uma nação. É preciso um pouco mais de cabeça branca, menos testosterona. Uns 60 anos para fazer um governo mais equilibrado.

O calcanhar de Aquiles do governo Collor foram as denúncias sobre a atuação de PC Farias. Por que ele não foi afastado do presidente mais rapidamente, já que nos primeiros cem dias de governo surgiram denúncias de tráfico de influência por parte do PC?

Não havia como, foi uma máquina de moer. Qualquer papelzinho que chegava para a CPI virava verdade irrecorrível à noite, no noticiário de televisão. As denúncias anônimas, todas viravam verdade. O Collor ousou quebrar monopólios de São Paulo. Coisa que foi gravíssima. Ele veio de um partido pequenininho, o PRN. Havia três deputados federais eleitos pelo partido e não havia base parlamentar. Não tinha base política, nem base partidária, nem base social. Não tinha ONG com ele. Não tinha o movimento dos sem-terra. Não tinha a sociedade organizada. Não tinha com ele as instituições, como a OAB ou a ABI. O Collor ganhou contra todo mundo.

Mas quais foram os atos adotados por ele que trouxeram tanta insatisfação para tanta gente? O que causou esse desequilíbrio para o governo dele?

Ele congelou a poupança. E quem estava com ele? A classe média. Ele ganhou no voto de opinião. Aquele congelamento da poupança foi um desastre absoluto. Feriu a classe média. Pegou em cheio. E foi num corte muito pequeno. Foi em 20 mil reais. Se ele fizesse por 200 mil reais, haveria deixado de fora 98% da classe média. Ficariam apenas os mais especuladores. que estavam se protegendo na poupança. Mas ele fez um corte de 20 mil e acabou pegando todo mundo da classe média. Então, errou gravemente. Foi muito impetuoso, muito intempestivo, muito eloquente, muito ousado. Mas, sem ter base política, base partidária. Aí, caiu. O impeachment foi um acerto de contas entre os políticos mais poderosos do Brasil e os grupos de empresários mais poderosos que financiaram aquele movimento dos caras pintadas. Para ele, foi o tombo.

O senhor afirma que muitos empresários estavam interessados em financiar o movimento que derrubou o Collor. Mas, como pegaram o PC Farias? Por que ele virou peça-chave do impeachment? Qual foi a ligação tão forte dele com o presidente que possibilitou a queda?

Todo mundo deu dinheiro. O empresário é o seguinte: quando ele vê quem vai ganhar, bota o dinheiro. Eles sabiam que era o PC Farias que articulava a campanha do Collor. Mas empresário não bota dinheiro por dentro. O empresário, por temer apanhar do candidato que vai vencer, dá financiamento igual pros dois. A partir do momento em que acha que um vai ganhar, vai dar mais para aquele que vai ganhar a eleição. É assim que funciona a política. É assim que funciona o famoso caixa dois. O PC Farias fazia o caixa dois que todo mundo faz até hoje. O caixa dois é vida na política. Você abre o jornal, todo dia tem caixa dois, o financiamento não declarado ao Tribunal Eleitoral.

Esse afastamento do PC Farias, hoje, seria possível acontecer? Se o Collor fosse presidente e tivesse como tesoureiro o PC Farias, mais uma vez, o afastamento dele da figura do presidente seria possível? Isso evitaria o impeachment?

Perto do Marcos Valério, que é o homem do caixa dois do PT, o PC Farias é um menino de procissão. Os números do PT, esses descobertos no 'Mensalão', são cem vezes maiores do que os números da época do PC. Porém, o Collor caiu e o Lula não, porque não sabia do que acontecia com o financiamento de campanhas. No entanto, caíram três ministros, o presidente do PT, o tesoureiro do PT, dirigentes de estatais, mas não chegou a ele. No caso do Collor, ele não tinha proteção. Pegou direto no peito dele.

Por que não houve o interesse em chegar até o Lula? Por que criaram uma proteção ao presidente? Quem tinha interesse em mantê-lo no governo?

Porque o Lula é um interesse paulista muito enraizado, muito bem composto, muito forte. No início, se tentou, mas eu me recordo bem de o próprio presidente do PFL e o presidente do PSDB, que são os partidos de oposição. Eles disseram que o Lula ia chegar sangrando na eleição. Eles disseram: “Deixa ele no desgaste, não vamos mexer.” Porque eles não podiam mexer. O Lula estava bem com essa elite econômica nacional e de bem com a classe econômica popular. O Lula tem a habilidade de ajudar poderosamente as elites econômicas e de proteger o pobre. Coisa que o Collor não tinha naquela época.

Deputado, por que, mesmo com tantas acusações, o senhor permaneceu até o final ao lado dele? Quais os motivos que o levaram a ter convicção quanto à postura dele?

Porque eu vi que não havia corrupção no governo do Collor. Tanto que foram 101 processos contra ele e foram 101 absolvições. Não havia nada que provasse a corrupção do Collor. A proximidade com o tesoureiro da campanha ninguém pode negar.

Por que o Collor caiu e o Lula não? O Marcos Valério e o Delúbio fizeram o mesmo caixa dois para o Partido dos Trabalhadores, mas não derrubaram o Lula. Por quê?

Porque são valores muito maiores. É uma coisa muito mais clara para a opinião pública nacional. Eles descobriram banco, dinheiro para deputado, para presidente de partido. Todo mundo viu isso. Mexeram em contas públicas. Caíram três ministros. Por quê não se avançou? Porque haveria uma reação popular protegendo o presidente Lula e ele não estava mal com as elites econômicas nacionais. Ele tem o titulado 'povão', que é o poder do voto, a opinião e o poder que financia. Então, ele estava protegido. O Collor estava mal com todo mundo. Com a classe média, de quem ele tomou a poupança, com o poder econômico, que ele prejudicou. Ele quebrou monopólios. Ele chamava os carros de 'carroça'. Você imagina esses monopólios que eram três montadoras de São Paulo. O Lula vem de onde? Das montadoras de São Paulo. Hoje, por causa da abertura econômica feita pelo Collor, quantas montadoras tem esse país? Ele que abriu isso tudo. Contrariou quantos interesses de capital? Quando ele acabou com o dinheiro ao portador, com as aplicações que havia ao portador nas letras do Tesouro Nacional, 6 bilhões de reais ficaram lá e ninguém podia reclamar, porque não tinha o CPF, nem identidade. Quando ele obrigou que aquele dinheiro fosse declarado, essas pessoas não tinham como ir lá buscar. Quem perdeu não perdoa e quem aplica seis bilhões de reais gasta um bilhão de mobilização política, para jogar o cara no chão.

Durante o governo Collor, teve essa abertura econômica para o mercado estrangeiro que gerou uma maior oferta de produtos. Deputado, o senhor acredita que a estrutura de mercado criada na época ajudou o Brasil a hoje estar tão bem diante da crise financeira ou piorou, pois nossos investimentos passaram a estar mais ainda atrelados aos de outros países? Quais foram as falhas que hoje a economia tem e na época do Collor era diferente?

O Brasil hoje é uma economia moderna. O Collor abriu a economia. Na época dele, os impostos nacionais estavam em torno de 25% do Produto Interno Bruto (PIB). Hoje, estão em 40% do PIB. O Collor era maluco. O Brasil hoje tem 37 ministérios, com Collor eram 12. Ele enxugou o número de ministérios. Olha só o que o Collor fez. Quanta gente ficou com raiva dele? Quanto burocrata? No governo do Fernando Henrique, dobrou o número de ministérios e no do Lula triplicou para fazer acertos políticos. E isso tem um custo ao país, por isso tem que pagar 40% de imposto. Para manter mais gente com o seu imposto, mais prédio, mais água, mais comida, mais salário. E o Collor? O que fez? Cortou. Ele poderia ter feito um pouquinho menos, não trombado tanto. O sucesso da economia hoje foi implantado por ele. Irrigado pelo presidente Fernando Henrique e colhido pelo Lula com muita sapiência.

O senhor, que participou na defesa do ex-presidente Fernando Collor na CPI, poderia nos falar como tudo aconteceu? O Collor sofreu uma injustiça?

Ele foi eleito com a maior votação que Alagoas já deu para alguém. Ele passou o sofrimento de cair da presidência do Brasil. Isso aconteceu em um processo brutal de linchamento público, impiedoso. Eu participei da CPI e vi que toda a Constituição foi rasgada. Foi um processo sem lei. Não havia lei que regulamentasse o processo do crime de responsabilidade. Nós havíamos acabado de promulgar a Constituição nova e ela revogou a antiga lei de responsabilidade. Não tinha um processo onde o Collor pudesse se defender. O Ibsen Pinheiro, que era presidente da Câmara dos Deputados, baixou um ato normativo em cima da perna. Não tinha lei e não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia combinação legal. Isso é o princípio sagrado do Direito. Para Collor, não valeu isso. Um crime sem lei estabelecida e sem um processo pra ele saber como se defender. Ele foi linchado, foi derrubado. Não tinha defesa. O soco entrava direto na cabeça dele.

Qual foi o erro do Collor na época? Você afirmou que ele era jovem demais para comandar uma nação. No que ele errou? O que ele não soube dosar?

O Collor amadureceu. Ele é um cara sofrido. Hoje, o Collor é um cara encanecido, envelhecido. Ele tem 60 anos e já está encanecido, fruto da coça que tomou. Ninguém é santo, mas ele não era o Satanás que pintaram. Eu até ousaria dizer que Collor é um estadista, mas o estadista, além da obra, tem que ter o estado de espírito de um estadista. Naquela época, ele não tinha o estado de espírito estadista. Ele era muito impetuoso. Isso não existe na vida pública. Faltava nele a têmpera, o equilíbrio de um estadista. O Collor é uma obra inacabada, um estadista nas ações dele de governo, sim, mas na medida, não. Ele errou no peso da mão, na força. Ele não teve tempero. Foi muito impulsivo, apesar de estar certo no caminho, foi rápido demais. Ele sofreu um golpe.

O senhor é famoso por tomar iniciativas polêmicas e dizer coisas que incomodam muita gente. O que o senhor quis dizer quando falou durante a CPI do mensalão que o José Dirceu despertava seus insitintos mais primitivos?

Isso é uma coisa que não queria nem ter falado. Mas, na época, era ódio, coisa infantil. Eu peço até perdão a Deus. Eu olhava para ele e tinha ímpeto de ódio, de atirar nele. Então, foi uma coisa que passou. Graças a Deus. Isso está superado, não tem mais. Os instintos eram os piores e graças a Deus estão no passado.

O povo voltou a escolher o ex-presidente para representá-lo no Senado. Isso pode ser um sinal de que ele teria chances de chegar à presidência novamente? O Collor seria, hoje, um bom presidente para o Brasil?

Seria um grande presidente, porque não teria mais condições de errar. Ele já conhece o erro. Ele tem que passar por isso. Eu digo pra ele sempre, como amigo. A melhor maneira dele passar uma borracha nisso, seria recompatibilizar com a opinião pública. Ou seja, enfrentá-la. Como ele vai enfrentá-la? Numa eleição nacional. Vai apanhar, vai ser insultado, vão xingar. Muitos farão assim. Outros vão bater palma. Se ele quiser ser candidato a presidente pelo PTB, o partido está aberto. Esse é o lado prático. Tem o lado do amigo. Uma eleição nacional é a maneira dele voltar mais rápido ao conforto do carinho da opinião pública. Ele tem que enfrentar a ira para depois ter o amor. Ele não vai errar, vai ser um grande presidente.

* Matéria produzida em sala de aula para a disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso, ministrada pela professora Carla Rodrigues.