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Rio de Janeiro, 7 de maio de 2024


País

O amor nos tempos do Collor

Thiago Castanho de Carvalho - Da sala de aula

03/09/2009

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No dia 17 de dezembro de 1989, Milton Cunha de Melo depositou a cédula na urna e saiu da zona eleitoral feliz por poder fazer sua parte na escolha do presidente da República. Aos 43 anos, ele votou para presidente pela primeira vez. Era a primeira eleição presidencial aberta no país, depois de 29 anos de jejum.

“Era como um trem entrando de novo nos trilhos”, afirma. Ligado a um sindicato e ao Partido dos Trabalhadores desde a época de sua fundação, Milton escolheu votar em Luiz Inácio Lula da Silva para assistir a uma forte guinada à esquerda no Brasil, após tantos anos de ditadura militar. Mas ele via o trem voltando aos trilhos não apenas por isso. Com um emprego seguro na Casa da Moeda, havia juntado uma razoável quantia de dinheiro na poupança. Não era muito, mas o suficiente para pagar o casamento com Lurdes Maria Lemos, mãe de dois dos seus quatro filhos.

Na manhã de 16 de março de 1990, Carlos Ribeiro Gonçalves se arrumava para mais um dia de trabalho em seu escritório de advocacia no Centro do Rio. Sua esposa estava saindo de seu confortável apartamento em Ipanema para levar o neto pequeno ao extinto Tivoli Park. Uma manhã promissora para Carlos, como todas daquela época, quando o porvir no horizonte nacional parecia mais brilhoso para ele. Livre da ditadura militar e do perigo vermelho incorporado por Lula nas eleições de 89, o Brasil de Carlos só poderia dar certo. E, conforme ele lembra muito bem até hoje, nada estragaria aquela manhã se a empregada doméstica não estivesse ouvindo a televisão em volume muito alto, quando apareceu o pronunciamento feito pelo presidente Fernando Collor de Mello. Naquele dia, brasileiros como Carlos e Milton assistiram ao anúncio do confisco de dinheiro de poupanças e contas corrente de pessoas físicas e jurídicas.

“Esse cara apareceu como uma esperança. Ele se anunciava como o caça-marajás”, lembra Carlos. Com satisfação, votou em Collor para presidente da República. Escolheu um candidato que prometia pôr fim aos altos funcionários corruptos das estatais do governo militar e, principalmente, um líder contra o avanço de Lula e da esquerda.

Também não se percebia a inclinação de Collor à direita mais extremada da época dos militares porque, apesar do apoio que recebia dessas forças políticas, ele não pertencia aos partidos descendentes diretos da ARENA. Era filiado ao miúdo Partido da Renovação Nacional (PRN), cuja origem se perdia em uma obscura árvore genealógica. Além de tudo, Collor aparecia na propaganda como jovial e inteligente, um homem moderno capaz de tirar o Brasil do atraso deixado pelos carrancudos militares. “Lembro de vê-lo se exercitando e lutando caratê com o Vladmir Putin”, recorda Carlos.


A queda

O candidato de Milton havia perdido o segundo turno das eleições de 1989 para Fernando Collor de Mello por uma diferença de apenas 4 milhões de votos, número considerado pequeno para o país. Porém, Collor havia vencido em todos os estados, exceto Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

Com o anúncio do confisco, Milton e Lurdes decidiram adiar o casamento. “Não tinha mais jeito né?”, pondera Lúcia. “A situação ficou ruim para todo mundo”.

Milton não se surpreendeu tanto com a medida adotada pelo “rival político” no poder. “Eu já esperava coisa muito ruim, mas nada que me afetasse tão diretamente”, afirma. “E, muito além do confisco, teve coisa bem pior no governo dele”.

O homem que se dizia caçador de marajás acabou caçando órgãos e empresas estatais como parte de uma reforma administrativa odiada pela oposição. Abriu o mercado brasileiro a importações, congelou preços, iniciou privatizações e promoveu a pré-fixação de salários.

Sem o apoio de grande parte da população brasileira após o confisco, o governo Collor começou a sofrer diversas acusações de corrupção. Em 13 de maio de 1992, a revista Veja publicou uma reportagem em que Pedro Collor acusava o tesoureiro da campanha do irmão de ser o chefe de um esquema de corrupção, com loteamento de cargos públicos, cobranças de propina e tráfico de influência. Além disso, o tesoureiro Paulo César Farias foi acusado de abrir contas fantasmas para transferir dinheiro público desviado ou arrecadado como propina. Segundo investigações da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) aberta para apurar o caso, gastos da casa oficial do presidente eram pagos com dinheiro de empresas de PC Farias.

O relatório final da CPI constatou que as contas de Collor e do tesoureiro PC farias não haviam sido afetadas pelo confisco e pedia, por fim, o impeachment do presidente. Esse relatório final foi aprovado por 16 votos contra apenas cinco.

Imensa mobilização popular, midiática e política acabaram levando ao afastamento do presidente em 2 de outubro de 1992. Julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), perdeu também os direitos políticos por 8 anos. O ex-presidente chegou a pensar em suicídio na época, conforme contou ao Fantástico, em uma entrevista de 2005.


O trem de volta aos trilhos e o retorno do presidente

Após a decepção com Collor, Carlos votou em Fernando Henrique por duas eleições e, depois, em Serra e Alckmin. Sempre contra Lula. Vê com maus olhos o recente retorno de Collor à política, já que, em 2007, o ex-presidente foi eleito Senador de Alagoas e, em 2009, se tornou presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado Federal. “Esse cara vai vir pra presidente de novo”, profetiza. “E, agora, ele vai vir com apoio do PT e do Lula. Vai até se dizer socialista para agradá-los”.

Quanto ao casamento de Lurdes e Milton, acabou não acontecendo nem na gestão do vice-presidente Itamar Franco, que assumiu o poder após o impeachment de Collor. Tampouco durante a era FHC. E, mesmo quando o candidato de Milton ganhou as eleições, em 2002, não houve casório. “O tempo foi passando”, explica Milton. “O Collor tem menos culpa nessa história. Não casamos depois dele porque o Milton é enrolado... Ou ficou me enrolando!”, rebate a mulher, com sagacidade feminina. “Ele ficou com trauma de casamento e desconta em mim”, teoriza Lurdes, na verdade, segunda mulher de Milton.

Mas Milton acredita que, desta vez, o trem está realmente entrando nos trilhos. Livre dos tucanos e de Bush, seu mundo parece mais seguro. “Com Lula e Obama no poder, o mundo e o Brasil ficam mais tranqüilos”, garante. Milton e Lurdes parecem acreditar que a época seja mais propícia para casamentos, porque definiram, em decisão irrevogável, que até o fim de 2009 o casório vai acontecer. Será uma cerimônia simples, só no civil, com a presença de parentes e amigos mais próximos.

* Matéria produzida em sala de aula para a disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso, ministrada pela professora Carla Rodrigues.