De sapato branco, calça caqui, blusa polo azul, Gabriel encontra o amigo Felipe. Cumprimenta-o um pouco sem jeito. Chegam Gabi, João Pedro e José Maurício. Os companheiros, todos com menos de um metro, concentram-se no saguão do cinema no Shopping Leblon, uma tarde chuvosa de 15 de julho. São crianças de 4 anos à espera de Harry Potter. “Só tem bebê nisso aqui”, supreende-se uma senhora. Os “bebês” dominam as sessões vespertinas da estreia mundial do novo filme da franquia inglesa. Quando a tarde avança, entram os adolescentes.
O primeiro filme da série foi lançado em 2001, essas crianças não eram nascidas e o protagonista Daniel Radcliffe tinha 11 anos. Hoje o ator que interpreta o bruxo (não mais bruxinho) em Harry Potter e o Enigma do Príncipe tem 20 anos - com uma fortuna avaliada em 15 milhões de libras (R$ 48 milhões) - e seu personagem no penúltimo filme da saga tem 16. E, aos 16 anos, Harry dá seu segundo beijo. Flui o romance com Gina, interpretada pela atriz britânica Bonnie Wright, de 18 anos. Não passa de um simples beijo, mas para a estudante Laila Hawrylyshynde, de 15 anos, "já era hora".
- Finalmente eles se beijam! - comenta ela, ao ver o filme
Noutra passagem que indica o crescimento do bruxo, Harry é lembrado de fazer a barba. A cena marcou o estudante Rafael Conodit, de 18 anos:
- Assisti a todos os filmes, de certa maneira cresci com Harry. É natural que o personagem cresça também. - diz Rafael, com a barba feita.
Pai e filha comentam o filme no fim de sessão. O pai é sincero: “Não entendi nada”. A filha acha um absurdo e tenta explicar. O gerente do cinema Cícero Carlos explica:
- Harry Potter é diferente de qualquer outro filme. Não há um público específico, na verdade são seguidores, de idosos a crianças.
Até o jornal do Vaticano, L'Osservatore Romano, rendeu-se ao fenômetro: “é o melhor filme da série”; “estabelece uma divisão clara entre aqueles que trabalham pelo bem e os que fazem o mal”. Embalado pelo marketing, o sexto filme da série carrega a expectativa de ultrapassar os US$ 800 milhões de bilheteria. "Esse é o filme", anima-se o estudante Antonio Andreasi, de 14 anos.
Prevista inicialmente para novembro de 2008, a estreia de Harry Potter e o Enigma do Príncipe foi adiada por imposição dos produtores americanos. Pode ter sido uma boa estratégia: nas 12 primeiras horas em cartaz, o filme arrebatou U$ 22,2 milhões, batendo um recorde histórico, segundo a revista Variety.
Pouco antes de começar outra sessão no cinema do shopping Leblon, a luz da bomboniere apaga para o desespero de um grupo de meninas. “Como assim, como vou ver o filme sem pipoca?”, reclama uma delas. O problema é solucionado e as meninas seguem satisfeitas com seus baldes de pipoca para assistir ao filme-pipoca. Tradição que dispensa magia. Harry Potter não é exceção.
Enquanto o blockbuster Harry Potter movimenta milhões e lidera o ranking dos mais assistidos, o Instituto Moreira Salles apresenta, de 18 de julho a 16 de agosto, a retrospectiva completa da obra do cineasta francês Jean Rouch (1917-2004). Considerado um “antropólogo-cineasta”, Rouch é um dos ícones do documentário moderno.
O cineasta Silvio Tendler, professor do departamento de Comunicação Social da PUC-Rio e ex-aluno de Rouch, é eloquente: o documentarista francês é fundamental na história do cinema. "Ele inovou e contribuiu para a formação de jovens cineastas", acrescenta Tendler. Ele não vê um antagonismo entre os filmes de Rouch e as bruxarias enlatadas de Potter:
- Os jovens devem ser contemporâneos deles mesmos. Filmes-pipoca geralmente fazem mais sucesso. Na década de 60, Rouch não era sensação. Não vejo antagonismo, é possível gostar de Harry Potter e assistir a Jean Rouch.
Miguel Pereira, também professor do curso de Cinema da PUC-Rio, discorda. Conta que só viu o primeiro filme da série. Não se sente atraído por Harry Potter. Considera literatura de segunda e filmes de qualidade duvidosa.
- Tem uma magiquinha boba que atrai os jovens. Filmes não são só efeitos especiais. Seria melhor que esses jovens estivessem lendo Monteiro Lobato em vez de se fantasiar para assistir a Harry Potter.
Os filmes da retrospectiva sobre Rouch serão exibidos em 16mm, formado original, e em cópias digitais. Alguns destaques são Eu, um negro (Moi, un noir, 1958), Jaguar (1954-67) e Petit à petit (1972). Também serão exibidos 14 filmes sobre o diretor. O Instituto Moreira Salles fica na Rua Marquês de São Vicente, 476, na Gávea. Os ingressos custam R$ 6 (R$ 3, meia) e há o passaporte de R$ 30 que dá direito a 12 entradas.
Veja a programação de julho:
18 DE JULHO
14h30 JEAN ROUCH 1: No país dos magos negros (Au pays des mages noirs. Níger, 1946-1947.
16h00 JEAN ROUCH 2: Os mágicos de Wanzerbé (Les magiciens de Wanzerbé, Níger, 1948
18h00 JEAN ROUCH 3: Eu, um negro (Moi, un noir, Costa do Marfim, 1957-1958.
20h00 JEAN ROUCH 4: Mammy Water (Gana, 1953-1956.
19 DE JULHO
14h00 JEAN ROUCH 5: Jaguar (Níger - Gana, 1954-1967.
16h00 JEAN ROUCH 6: Eu, um negro (Moi, un noir, Costa do Marfim, 1957-1958.
18h00 JEAN ROUCH 7: A pirâmide humana (La pyramide humaine, Costa do Marfim / França, 1959.
20h00: JEAN ROUCH 8: Crônica de um verão (Chronique d’un été, França, 1960.
21 DE JULHO
14h00 JEAN ROUCH 9: As viúvas de 15 anos (Les veuves de quinze ans, França, 1964.
16h00 JEAN ROUCH 10: Abidjan, porto de pesca (Abidjan, port de peche, Costa do Marfim, 1962.
18h30 JEAN ROUCH 11: Senhor Albert, profeta (Monsieur Albert, prophete, Costa do Marfim, 1963.
20h00 JEAN ROUCH 12: Saída das noviças em Sakpata (Sortie des novices a Sakpata, Benin, 1959-1963.
22 DE JULHO
14h00 JEAN ROUCH 13: Seca em Simiri (Secheresse a Simiri, Níger, 1974.
18h30 JEAN ROUCH 14: Yenendi, os homens que fazem chover (Yenendi, les homme qui font la pluie, Níger, 1951.
20h00 JEAN ROUCH 15: Sigui 67 - A bigorna de Yougo (Sigui 67: L’enclume de Yougo, Mali, 1967.
23 DE JULHO
14h00 JEAN ROUCH 16: Sigui 70 - Os clamores de Amani (Les clameurs d’Amani, Mali, 1970.
16h00 JEAN ROUCH 17: Sigui 72 - As tangas de Yame (Sigui 72: Les pagnes de Yame, Mali, 1972.
18h00 JEAN ROUCH 18: Daouda Sorko (Níger, 1967.
20h00 JEAN ROUCH 19: Horendi (Níger, 1972.
24 DE JULHO
14h00 JEAN ROUCH 20: Sigui síntese (Sigui synthèse, Mali, 1981.
16h30 JEAN ROUCH 21: Pouco a pouco 1: África em Paris (Petit à petit 1: Afrique sur Seine, Níger / França, 1968-1972.
18h00 JEAN ROUCH 22: Pouco a pouco 2: cartas persas (Petit à petit 2: lettres persanes, Níger / França, 1968-1972.
20h00 JEAN ROUCH 23: Pouco a pouco 3 : a imaginação no poder (Petit a petit 3: l’imagination au pouvoir, Níger / França, 1968-1972.
25 DE JULHO
14h00 JEAN ROUCH 24: Pouco a pouco - versão curta (Petit à petit, version courte, Níger / França, 1968-1972.
16h00 JEAN ROUCH 25: O enterro do Hogon (L’enterrement du Hogon, Mali, 1973.
18h00 JEAN ROUCH 26: Dionisios (Dionysios, França, 1984.
20h00 JEAN ROUCH 27: Cocorico! Monsieur poulet (Níger, 1974.
26 DE JULHO
14h00 JEAN ROUCH 28: Babatu, os três conselhos (Babatu, les trois conseils, Níger, 1975.
16h00 JEAN ROUCH 29: A caça ao leão com arco (La chasse au lion à l’arc, Níger, 1958-1965
18h00 JEAN ROUCH 30: Arquitetos de Ayorou (Architectes d’Ayorou, Níger, 1971.
20h00 JEAN ROUCH 31: Funerais em Bongo: o velho Anaï 1848-1971 (Funerailles a Bongo: le viel Anaï, 1848-1971,Mali, 1972.
29 DE JULHO
14h00 JEAN ROUCH 32: Loucura ordinária de uma filha de Cham (Folie ordinaire d’une fille de cham, co-realização de Philippe Costantini França, 1987/
16h00 JEAN ROUCH 33: Liberdade, igualdade, fraternidade e então... (Liberté, égalite, fraternité et puis après... França, 1990.
18h00 JEAN ROUCH 34: Ispahan - carta persa (a mesquita do Xá em Ispahan) (Ispahan: lettre persane - la mosquée du chah a Ispahan, Irã, 1977.
20h00 JEAN ROUCH 35: Cinemáfia (Holanda, 1980.
30 DE JULHO
14h00 JEAN ROUCH 36: Vestibular ou casamento (Bac ou mariage, Senegal, 1988.
16h00 JEAN ROUCH 37: Enigma (Itália, 1986.
18h00 JEAN ROUCH 38: Eu cansado em pé, eu deitado (Moi fatigué debout, moi couché, Níger, 1997.
31 DE JULHO
16h00 JEAN ROUCH 39: Damouré fala de Aids (Damouré parle du SIDA, Níger, 1992.
20h00 JEAN ROUCH 40: Homenagem a Marcel Mauss: Taro Okamoto (Hommage a Marcel Mauss: Taro Okamoto, Japão, 1974.