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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Cultura

O olhar de Custódio Coimbra

Letícia Simões - Do Portal

22/11/2007

Imagine a cena: o então presidente Fernando Collor, no meio dos escândalos que acabariam provocando o seu impeachment, participa de uma festa. Você, fotógrafo, é chamado para cobrir essa festa. Em determinado momento, um garçom passa pelo presidente. Nada demais? Custódio Coimbra, fotógrafo do jornal “O Globo”, aproveitou a deixa e montou a cena em sua cabeça. Se o garçom passou, certamente iria voltar – e, nesse momento, Custódio conseguiu a imagem: a cabeça de Collor na bandeja. Tentou publicar a foto, mas... “não condizia com a política do jornal”, ele diz. E ela acabou engavetada. Hoje faz parte de seu arquivo pessoal.

Com 53 anos, há 18 no “Globo”, ele tenta se esconder atrás dos óculos: é extremamente tímido. Avisa aos alunos da PUC, concentrados no Auditório Padre Anchieta no início de novembro, que sempre fica nervoso para falar – bem diferente de quando está fotografando. Afinal, a máquina o permite ficar atrás de alguma coisa. Gagueja um pouco, cruza os braços, descruza, continua a sua história: hoje, ele acredita que aquela foto tenha virado algo maior, algo histórico. Aliás, para ele, toda foto tem o seu valor documental. “A fotografia é o meu ponto de vista sobre uma realidade”, disse. Rendeu-se à máquina digital há três anos e já tem 85 mil fotos no computador. Difícil seria catalogar todas as imagens registradas desde os 11 anos – quando herdou dos irmãos um laboratório de fotografia: “No meu tempo, havia uma espécie de ‘clube de fotografia do bairro’, preparado por meus irmãos e mais um grupo de amigos. Com o tempo, eles cansaram – e eu acabei herdando o laboratório e uma câmera Yashica.”

Custódio – que veio à PUC convidado pelo professor Paulo Rubens, de Fotojornalismo – sempre gostou de tocar violão. Fazia algumas músicas, apesar de achar que aquilo não daria em nada. Mesmo assim, tentou uma faculdade de Música. Antes, tinha passado por Engenharia – influência da família – e depois ainda cursou Belas Artes e Ciências Sociais. Não concluiu nenhuma. Começou a carreira profissional na “Última Hora”, também passando pelo “Jornal do Brasil”, nos anos 80. Em 1989, foi chamado pelo jornal “O Globo” para ajudar na transição da fotografia em preto-e-branco para a colorida. “Há diferença entre ser um fotógrafo no ‘JB’ e no ‘Globo’?”, um aluno pergunta. Custódio reclama do padrão do “Globo”, que hoje em dia busca muito as agências internacionais. No “JB”, ele conta, tinha mais oportunidade de fazer a foto: se ela fosse bonita, entrava no jornal. Também falou sobre ditadura. Trabalhou numa revista alternativa e, só assim, podia fotografar passeatas, manifestações políticas – e publicar. Sua transgressão era justamente fotografar o proibido. Na “Última Hora”, jornal de linha sensacionalista em sua época, teve de conhecer todas as delegacias da cidade - o que, ele afirma, lhe valeu muito. O profissional se adapta.

Surge a questão sobre o que seria mais importante – fazer a fotografia ou ajudar alguém. Custódio responde sem pestanejar. Era 1985, velório de Tancredo Neves, quando ainda trabalhava no “Jornal do Brasil”. Uma multidão acompanhava o cortejo e rompeu o portão. A polícia militar decidiu intervir e o resultado foi um pisoteamento que provocou a morte de sete pessoas. A reação imediata dele foi buscar o ponto mais alto para fotografar a confusão que se formava: o próprio portão. Ao mesmo tempo em que registrava tudo – as fotos foram publicadas em diversas agências de notícias internacionais –, ajudava as pessoas. Para ele, não existe a história de que a busca pela foto perfeita impeça o profissional de ajudar alguém. “Antes de sermos fotógrafos, somos seres humanos”, ele diz.

O tema é controverso. Os alunos – estudantes de Jornalismo, na grande maioria – levantam as mãos, ávidos. “Você não acha que há muito oportunismo no fotojornalismo?”, “Você se permite alterar a cena que está vendo para fazer uma foto melhor?”, “Há manipulação?”. Custódio pede calma. Uma boa fotografia, diz ele, é aquela em que o fotógrafo limpa os excessos e deixa apenas o essencial. “O oportunismo está em quem vê”, responde. “A beleza, seja na dor, seja na alegria, é a boa foto.” E fecha o tema dizendo que não há manipulação – há uso das lentes. Custódio não é um purista: sempre que possível, adora ver o efeito das lentes sobre a realidade. O leitor do “Globo”, porém, costuma não gostar: acha estranho e manda cartas reclamando.

Mas tudo bem: quando fotografa para si, ele usa sua máquina – película –, demora quanto quiser, e a foto fica como ele bem entende. Para o jornal, é câmera digital e agilidade. Essa demanda por agilidade, inclusive, fez surgir o fenômeno do fotógrafo amador: aquele que está no local exato, na hora certa, com um celular ou uma câmera caseira, fotografa e a imagem vai parar no jornal. E completa: “Para o leitor, é melhor ver uma foto mais quente. Mas a boa foto sempre terá seu espaço”.