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Rio de Janeiro, 7 de maio de 2024


País

Desmandos vão acabar em pizza, alerta especialista

Suzane Lima - Do Portal

07/07/2009

 Agência Brasil

Os recentes desmandos no Congresso - contratações e castelo secretos, farra de passagens, contratos irregulares, nepotismo - representam mais do que alguns pontos extras no ranking da desmoralização. Com uma democracia consolidada há apenas 20 anos, as irregularidades podem atrair dúvidas sobre a legitimidade parlamentar, avalia o cientista político e professor da PUC-Rio, Ricardo Ismael. Em entrevista ao Portal PUC-Rio Digital, ele alerta: só um movimento suprapartidário será capaz de melhorar a imagem da instituição. Se acabar em pizza a sindicância aberta pelo presidente do Senado, José Sarney, para apurar os atos secretos supostamente produzidos pelo ex-diretor-geral Agaciel Maia, entre outros senadores, o peso político se tornará insustável, prevê o especialista.

Portal PUC-Rio Digital: Diante dos escândalos que estampam os jornais, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) chegou a afirmar que o Congresso deveria ser fechado. O senhor concorda com isso?

Ricardo Ismael: O desabafo causou uma recepção negativa, mas ele se corrigiu. Tenho certeza de que ele não queria dizer isso, a intenção dele era falar que, com o Congresso do jeito que está, não dá para continuar. Estamos longe de pensar em fechar o Congresso, mesmo com esses maus momentos. Na verdade, temos que tentar fortalecê-lo, pois o governo Lula tirou parte do poder do Parlamento com as Medidas Provisórias. Por outro lado, os deputados e senadores estão mais preocupados em conseguir cargos do que fiscalizar o Executivo.

Portal: O que deve ser feito para moralizar o Senado?

Ismael: Havia uma estrutura exagerada, com 181 diretores. Então houve uma iniciativa do presidente Sarney para contratar a auditoria da FGV, que já foi um começo para tentar enxutar a máquina administrativa. Mas isso é uma questão menor.O mais grave é que se tomou conhecimento de que nem tudo que é deliberado no Senado tem transparência para a sociedade. A crise vai tomando um rumo que, se o presidente do Senado abre sindicâncias mas ele também vai ser investigado, qual isenção ele tem para conduzir esses processos? Por isso entrou em ebulição a proposta de alguns partidos de afastar o presidente.

Portal: A reforma política é capaz de redimir a imagem política? Não há um certo oportunismo embutido nas propostas? Até que ponto será mesmo uma reforma?

Ismael: A reforma deve ser feita em 2011. Se for feita agora, será um golpe, porque é uma mudança em causa própria. Eles não estão pensando no povo, só querem assegurar que não haja renovação do Congresso. O financiamento público das campanhas políticas sem nenhum controle pode dar um estímulo a mais para a corrupção. Estão mentindo para o povo quando dizem que vai igualar os partidos. O voto em lista fechada não é uma postura republicana, porque impede que os eleitores escolham seus candidatos. Não vamos poder separar os bons dos maus políticos. Isso é a pior coisa que já apareceu. Acho que o primeiro ponto de uma verdadeira reforma política foi a fidelidade partidária. O mandato pertence ao partido: o eleitor vota de acordo com as bandeiras do partido.

Portal: Como deve ser feita esta reforma? Quais seriam seus elementos essenciais?

Ismael: Além da fidelidade partidária, há outros aspectos muito importantes. Deviam acabar com os suplentes, que muitas vezes são pessoas inexpressivas. Caso algo acontecesse com o candidato eleito, o segundo colocado deveria assumir. Acho também que devíamos criar uma legislação que proibisse as altas doações. A Justiça Eleitoral tinha de fazer uma parceria com a Receita Federal e fiscalizar os partidos para evitar o caixa dois. Devia ser obrigatória a apresentação dos doadores e o montante doado. Não há como fazer a fiscalização se a Justiça Federal não estiver aparelhada. Temos que articular a teoria e a prática à realidade do país.

Portal: E quanto à lista fechada? 

Ismael: Se a lista fechada for adotada, as pessoas vão se alienar (politicamente) ainda mais. A lista é extremamente danosa para a escolha dos candidatos, porque, mesmo num partido mais à esquerda, só as cúpulas serão beneficiadas. A realidade é que há um monte de políticos com medo de não ser reeleito em 2010 por causa desses escândalos.

Portal: As investigações abertas e a (improvável) saída de Sarney seriam suficiente para controlar a crise?

Ismael: Há uma estratégia do Sarney de tentar levar para a opinião pública uma versão de que no final das contas essa crise é institucional, uma questão do Senado, e que ele vai tomar providências, seja instalando sindicâncias, seja contratando a FGV. Isso era no início, mas quando se percebe que parte das várias irregularidades cometidas nos últimos anos no Senado favoreceu a família Sarney, a pergunta é: isso também será investigado? Qual é a punição para o próprio presidente do Senado? E a pergunta mais complicada: Com o Sarney à frente do Senado, essas sindicâncias serão conduzidas de maneira isenta, as pessoas vão investigar a fundo, mesmo que o comprometa?

Portal: Para evitar um rompimento na articulação com o PMDB para as eleições 2010, o presidente Lula enquadrou o PT, ordenando que o partido rejeitasse o pedido de licenciamento de José Sarney. Quais consequencias desta intervenção?

Ismael: As negociações envolvendo o apoio ao governo Lula e, principalmente o apoio do PMDB a candidatura da Dilma, estão sendo colocadas à mesa. O senador Sarney, quando se viu acuado, percebeu que tinha um trunfo na mão para usar nesse momento. Ele sabe que o Lula, o PT e a Dilma precisam do PMDB para tentar vencer a eleição de 2010. Isso foi o que o senador Renan Calheiros fez há dois anos, quando também estava na iminência de ser cassado e ele acabou sendo salvo pelo PT e pelo governo Lula. Sarney procura usar a sua influência no PMDB para tentar colocar à mesa uma espécie de alerta: se sair desmoralizado do Senado e sem o apoio do PT e de Lula, ele pode complicar as negociações para a aliança do PT com o PMDB. Isso levou o presidente Lula a fazer a defesa.

Portal: A perspectiva de uso político da CPI da Petrobras também indica que a eleição já começou? 

Ismael: A oposição quer que a CPI funcione. Só que há um impasse: até agora a base do governo não indicou o relator e o presidente. Na prática, o recesso começa dia 18 de julho, então eles estão segurando a CPI, mas a oposição está cobrando a instalação.
Essa questão da CPI está sendo usada no diálogo entre Sarney e o presidente Lula para avisar que, se por acaso o PT deixar de apoiá-lo no Senado, Sarney pode instalar a CPI.

Portal: Como um ex-diretor como o Agaciel Maia conseguiu ficar tanto tempo no poder, e mesmo depois de ter saído, continua tendo tanto poder? Como o atual sistema político permite que haja essa troca de favores entre os parlamentares?

Ismael: A gente tem de reconhecer que existe um problema nessa estrutura administrativa do Senado. É um problema antigo, não é algo que começou agora em 2009 com o Sarney. Existem três problemas crônicos no Senado. Em primeiro lugar, o grande número de funcionários. Há também o fato de que muitos dos funcionários do Senado entraram sem concurso público, por indicações políticas. A maioria dos funcionários deveria ser concursada. Temos de admitir que 150 diretores são um escândalo. Não há necessidade de uma instituição como o Senado, que não é tão complexa assim, ter tantos diretores. Se as sindicâncias condenarem só funcionários e inocentar senadores, haverá uma injustiça, porque ninguém pode acreditar que 500 atos secretos foram feitos sem o conhecimento dos senadores. Por isso, Sarney só afastou o Agaciel temporariamente. Há uma grande chance disso virar pizza, de não haver nenhum tipo de punição para funcionários importantes como o Agaciel e o João Carlos Zoghbi (ex-diretor da Secretaria de Recursos Humanos).

Portal: A crise representa uma prévia das eleições de 2010?

Ismael: Nós estamos em um período pré-eleitoral. Eem todo acontecimento que ganhe uma repercussão, a gente vai se observar atuações voltadas para as urnas do próximo ano. O PT vai levar para a opinião pública que o problema é do Senado, que a crise não é do Sarney, que se deve tentar fazer uma investigação para tentar melhorar a instituição, mas poupando o Sarney. E a oposição está aproveitando o episódio para tentar associar a candidatura de Dilma ao Sarney, sabendo que isso traz um prejuízo político para ela.

Portal: Há como prever quem o PMDB vai apoiar nas próximas eleições?

Ismael: Não tem como prever. Só no Congresso Nacional nós temos dois PMDBs. Se olharmos para os estados, fica pior ainda, porque o PMDB de cada estado é diferente.
O mais provável é que o PMDB fique dividido a tal ponto de deixar que os governadores escolham quem vão apoiar. O PMDB é um capítulo à parte dessa eleição, porque é difícil saber o que vai acontecer em 2010. Há uma chance de o partido apoiar formalmente Dilma, talvez por isso Lula e Dilma estejam pagando um alto preço político.

Portal: A reclamação dos parlamentares em relação à imprensa tem fundamento?

Ismael: Durante sete anos o governo Lula tentou estabelecer uma certa pedagogia contra a mídia, dizendo que a imprensa brasileira é “udenista”, golpista, quer dar o golpe. Na verdade o PT mudou muito, porque quando era da oposição se serviu muito da mídia. Agora que ele está no governo, muda de posição, passa a demonizar a imprensa numa estratégia de tentar fazer com que as pessoas não levem em conta o que a mídia está dizendo. O governo apoia o jornalismo chapa-branca, por outro lado critica e procura desmoralizar a imprensa que é independente do governo. Há uma estratégia deliberada de demonizar a mídia que iguala Lula a Hugo Chavéz. Eles fazem isso porque não conseguem controlar a pauta dos jornais, eles não conseguem controlar as cabeças dos jornalistas. Eu acho que esse é o episódio mais desabonador do governo Lula e do PT.