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Rio de Janeiro, 23 de abril de 2024


Cultura

De Person para Person

Letícia Simões - Do Portal

21/11/2007

Para todos aqueles que batiam na TV para sintonizar na marra o 13 – quando João Gordo ainda apresentava videogames com cabras e ovelhas; muito antes de gêmeas e Cicarellis –, para eles Marina Person, hoje com 38 anos, era a apresentadora mais chique da MTV. Ela dava conta do Cine MTV. Volta e meia falava de um certo documentário, que nunca ficava pronto, sobre um tal de Luís Sérgio. Não um Luís Sérgio qualquer. O diretor de cinema Luís Sérgio Person. Oito anos depois, a MTV não é a mesma, e nem Marina. “Person” (foto), o filme, finalmente ficou pronto. E quem esteve no auditório do RDC – foi em outubro – pôde conferir.


Se tivesse que escolher a lição mais importante que seu pai lhe deixou, não seriam a câmera na rua ou o uso do plongeé – isso a cineasta Marina Person aprendeu na Escola de Cinema da USP –, mas as palavras que encerram “São Paulo S.A.”, de 1965, filme mais conhecido de Person: “Mil vezes recomeçar. Recomeçar de novo. Recomeçar.” Para Carlos (personagem principal de “São Paulo S.A.”), elas resumiam a impossibilidade do homem moderno em abandonar a cidade industrializada. Para Marina, são palavras libertadoras. Durante as montagens e remontagens do seu filme, manteve-as na cabeça: a única pessoa que poderia contar aquela história seria ela e mais ninguém.


A idéia do documentário – nunca pensou em fazer uma ficção – surgiu quando Marina ainda estudava na USP, no prédio da Avenida Lúcio Martins Rodrigues. O filme seria um curta, de uns 15 minutos, a ser entregue ao Ministério da Cultura por pura obrigação (ela havia recebido incentivo através das leis do MinC). Depois de feito, Marina percebeu que tinha muito mais a ser explorado.


Em 1998, fez a primeira entrevista. Numa outra, com Millôr Fernandes, registrou: “As pessoas dizem que o passado não muda. Mas isso é a maior bobagem. O passado muda o tempo todo.” Marina questiona, por exemplo, a exaltação do passado. “Quando uma pessoa morre, suas qualidades sempre acabam ficando mais exaltadas. Eu cresci ouvindo histórias fantásticas do meu pai e a minha busca era tentar achar o que estava por trás daquilo”, diz.

Busca. Durante todo o debate no RDC sobre “Person”, essa foi a palavra mais repetida pela cineasta. Busca pelo pai – que morreu quando Marina tinha 7 anos e sua irmã, Domingas, 4. Busca por si mesma: “Criou-se na minha cabeça uma coisa muito perturbadora: todas aquelas pessoas tiveram uma convivência muito mais íntima com meu pai do que eu tive. O filme é a minha busca, entender quem ele era, para, assim, me entender”.


Para criar um clima mais intimista com os entrevistados, Marina preferiu não filmá-los em estúdios. Também não repetiu depoimentos. Foi tudo em Super-16, na casa das pessoas. Além das entrevistas, usou filmagens pessoais em Super-8, 35mm preto-e-branco, 35mm colorido e fotos. Ao longo de oito anos foram muitas as descobertas – por exemplo, imagens do enterro de Person, descobertas por Amir Labaki (que está escrevendo uma biografia sobre ele) em 2003. O arquivo pessoal da família, que vinha sendo guardado há anos, foi aberto apenas para o filme. Por ser uma família de cineastas – dona Regina Person é documentarista –, havia muito material filmado e fotografado.

Essa abundância de registros provocou uma confusão na cabeça da irmã mais nova. Marina conta que ela não consegue distinguir o que é memória e o que construiu em cima das fotos e das histórias que ouviu ao longo do tempo. No início, decidiu que não iria participar – era muito dolorido. A cineasta acabou por convencer a jornalista e, ironicamente, a personagem que mais se destaca no filme é Domingas.

Curioso é que, quando fala de sua relação com Person, ela usa o pronome possessivo: “Meu pai.” Mas para falar do cineasta, do mito, ela se refere a ele na terceira pessoa: “O Person tinha uma preocupação estética muito diferente da do Cinema Novo. Suas influências foram o Neo-realismo italiano e a Nouvelle Vague, um rigor técnico que não tinha nada a ver com o que a turma do Glauber fazia – câmera na mão, idéia na cabeça.” Ela diz reconhecer a importância de Glauber e companhia, mas considera que a obra de Person também deveria estar à altura do reconhecimento internacional – porém, isso não acontece. “Talvez seja pelo fato de que eles eram um grupo, talvez pela personalidade exuberante do Glauber”, fala.


“Na faculdade é que eu fui entender a importância do Person para o cinema brasileiro”, observa. E teria sido Marina influenciada pelos pais a escolher o cinema como profissão? “Definitivamente”, ela responde. A cineasta-apresentadora-atriz diz que está satisfeita com o resultado do filme. Ele primeiro teve 150 minutos, depois 60 e, hoje, a versão final tem 75. Seu próximo projeto é um longa sobre crescer em São Paulo nos anos 80. “Person” é o fim de um ciclo, que vinha há dez anos, quando filmou o curta, de procuras e descobertas. É hora de partir para a outra – recomeçar.