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Rio de Janeiro, 20 de abril de 2024


Cidade

A polêmica dos muros

Luigi Ferrarese - Do Portal

30/07/2009

EMOP/Governo do Estado

Assim que o Governo do Estado do Rio de Janeiro anunciou a construção de eco-limites em torno de favelas, a polêmica se instaurou. Diversas entidades e personalidades mostraram-se fortemente contrárias à proposta. O escritor português José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura, comparou o projeto aos muros de Berlim e da Palestina. O discurso oficial é de que o único objetivo é evitar a devastação de áreas ambientais. As principais críticas fazem referência a um suposto caráter segregacionista do projeto. O objetivo seria transformar as favelas em guetos.

– O programa pouco contribui para a questão ambiental. A conceituação fala em restringir o crescimento das favelas. Falar em meio-ambiente sensibiliza as pessoas, mas o muro é repressão – atacou Lourenço César da Silva, do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré.

Santa Marta, em Botafogo, foi a primeira comunidade atendida pelo programa. Ao custo de R$22 milhões, o plano incluiu a construção de um bondinho para levar os moradores à parte alta do morro, evitando que eles precisassem enfrentar os mais de oitocentos degraus da subida. As casas foram ligadas a redes de água e esgoto. Vias de acesso e áreas de lazer foram criadas. Pouco mais de cem barracos de madeira foram derrubados, com realocação de seus donos para outras moradias no local.

O ponto mais polêmico do projeto do Santa Marta é a construção de um muro de concreto armado de três metros de altura. Segundo o engenheiro José Carlos Pinto dos Santos, diretor da Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro (EMOP), sua função é separar a comunidade de um depósito de lixo que havia se formado, provocando mau cheiro e causando risco de deslizamento.

José Carlos garante que grande parte da rejeição popular se deve à má propaganda feita sobre o programa, divulgado meramente como cercamento de favelas. Segundo ele, no planejamento elaborado para a Rocinha, por exemplo, dos R$ 21 milhões, apenas 10% serão destinados à construção de muros. O restante se refere a obras que incluem a pavimentação de ruas e a criação de um parque ecológico de dez hectares, com espaço infantil, quadra poliesportiva e áreas de ginástica.

O fato é que a imagem do muro erguido no Santa Marta ficou na memória da população. Com o anúncio de expansão do projeto para outras áreas, criou-se a ideia de que o governo quisesse apenas cercar as favelas. Contribuiu para isso o fato de o programa, apresentado como ecológico, afetar somente comunidades carentes.

- Em outros pontos mais nobres, teriam sido utilizados os mesmos métodos? – questiona o defensor público Alexandre Mendes, do Núcleo de Terras e Habitação.

Essa impressão é reforçada quando são analisadas as comunidades que fazem parte do programa. De cerca de oitocentas favelas no Rio de Janeiro, apenas treze foram incluídas. Dessas, doze estão localizadas na Zona Sul. Áreas de maior relevância ecológica, com problemas mais sérios a serem sanados, como o Parque Ecológico do Mendanha, foram deixadas de lado.

O projeto prevê a derrubada de moradias que se encontrem dentro de perímetros de preservação ecológica. Uma das opções que seus donos têm é o ressarcimento em dinheiro, para que possam buscar um imóvel novo. No entanto, a avaliação desse valor não leva em consideração o terreno ocupado, apenas a benfeitoria construída. A justificativa oficial é de que a área é invadida.

- Há pessoas que moram ali há 30, 40 anos. Como eles não têm direito ao terreno? – contesta Valério da Silva, coordenador do Programa Terra e Habitação da Fundação Bento Rubião.

A polêmica iniciativa, ainda que tenha caráter ambiental, está enraizada na questão da moradia. Segundo a Fundação Bento Rubião, há um déficit de oito milhões de imóveis no Brasil. Solucionar esse problema é chave para que se tenha sucesso na preservação ambiental. Para isso, é preciso superar uma visão preconceituosa e distorcida a respeito da formação de favelas, de que seus moradores escolheram o local como opção para não pagar impostos e contas de água e luz.

- Essas pessoas moram ali para abastecer o mercado de trabalho, não para ter vista para o mar – explica o deputado federal Alessandro Molon, professor da PUC-Rio.

A questão primordial é o transporte. Não tendo acesso a um serviço de qualidade a um custo razoável, a população de baixa renda não tem opção a não ser morar perto do local de trabalho. Como as áreas mais nobres, que demandam uma grande quantidade de empregados com salários baixos, não possuem nenhuma reserva de espaço para moradias de baixo custo, a alternativa possível é alocar-se em favelas.

- A especulação de imóveis é elemento fundamental para que a população de baixa renda vá para estes locais degradados. O espaço que resta inabitado é visto como produto imobiliário – afirma Valério.

As intenções do poder público aparentam ser legítimas. O projeto inclui vários aspectos além da construção de muros. No entanto, a maneira como está sendo conduzido suscitou dúvidas quanto à sua legitimidade. Cabe ao governo identificar as falhas e aprimorá-las. Fica o apelo de Lourenço César:

- O Rio de Janeiro foi feito para o encontro, por mais que queiram fazer dele uma cidade partida.