Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


Mundo

Histórias de luz no fim do túnel

Felipe Machado e Gabriela Ferreira - Do Portal

12/11/2007

O cinema dinamarquês quer mudar o mundo através da educação das crianças. No país, de cinco milhões de habitantes, cerca de 30% do subsídio aos filmes são destinados ao entretenimento dos pequenos. No Brasil, esse índice está próximo dos 5%. Lá, o Ministério da Cultura ajuda a financiar a exibição e a produção dos trabalhos com o objetivo de desenvolver o conhecimento das crianças com filmes de impacto.

Filmes brasileiros como “Central do Brasil”, de Walter Salles, e “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles inspiraram muito cineastas da Dinamarca, mas a demanda por filmes infantis na mídia é dos dinamarqueses. Durante o 5º. Festival Internacional de Cinema Infantil estiveram na PUC-Rio os dinamarqueses Rumle Hammerich, diretor, produtor e roteirista, e Charlotte Glese, presidente do Centro de Filmes para Crianças e Jovens. Nessa entrevista, enquanto ele fala sobre como histórias centenárias fazem sucesso e tornam-se referência a cada geração que passa, ela discute a importância de fazer filmes para crianças.

Hammerich acredita no cinema como um veículo de transformação das sociedades, mas diz que não adianta mais tentar mudar através dos adultos. Hammerich, que faz cinema e televisão, é diretor de “O Jovem Andersen” (Unge Andersen, Dinamarca, 2005), filme que retrata a juventude de um dos mais importantes escritores da literatura infantil no mundo, o dinamarquês Hans Christian Andersen, autor de contos como “O soldadinho de chumbo” e “O patinho feio”. O filme conta a história da amizade do escritor, então com 17 anos, com um menino.

Como o avanço da tecnologia mudou os filmes para crianças e como elas reagiram a isso? O senhor vê diferenças na forma e no conteúdo nos filmes infantis ao longo do tempo?

Rumle Hammerich - Sim, vejo algumas diferenças particularmente grandes. Há alguns anos, os filmes para crianças eram meio bobos e eles deveriam ser muito simples. Gradualmente, a mídia foi se desenvolvendo, até porque pessoas como Steven Spielberg fizeram filmes muito bons para crianças, como o “E.T”. Depois disso, passou-se a tentar ser tão bom quanto ele. Ficou muito fácil fazer filmes, e talvez mais histórias possam ser contadas agora, porque qualquer um pode simplesmente sair e fazer seus filmes com uma câmera e um computador para editar. É um grande passo à frente e não somente para o cinema infantil, mas também para todos os filmes, essa nova coisa fantástica que aconteceu.

Mas isso não afetou a qualidade?

Rumle Hammerich - Sim, de certo modo. Muitos filmes que são feitos com equipamento barato são muito ruins porque não é tão difícil fazer um filme, mas é difícil fazer um bom filme, e deve-se pensar em deixá-lo simples, manter as histórias claras e entreter o público. É uma tarefa difícil. Algumas pessoas conseguem fazer isso desde o início, mas outras, como eu, têm que aprender e levam mais de 30 anos.

O senhor acha que filmes para crianças devem ter um contexto educacional, ético ou moral?

Rumle Hammerich - Deve haver alguma esperança para a vida, e isso não significa que pessoas não possam morrer, sofrer, ou algo parecido, mas ao final do filme deve haver um sentimento do tipo “luz no fim do túnel”. Não se pode deixar as crianças deprimidas porque elas são o futuro e devem olhar o futuro como uma oportunidade, e não como uma ameaça. Além disso, é mais importante saber por que as pessoas vivem do que por que elas podem morrer. O enorme poder que há nas crianças e no modo como elas acham soluções e como sobrevivem é realmente inspirador para mim. Se outras pessoas querem fazer outros filmes, tudo bem, mas acho que é mais interessante o motivo pelo qual as pessoas superam problemas do que por que elas morrem de problemas.

Por que, apesar da infância e da juventude ter mudado durante as gerações, alguns filmes e histórias antigas ainda fazem sucesso hoje entre crianças e jovens?

Rumle Hammerich - Porque cada geração tem os mesmos problemas ao passar de um estágio da vida para outro, como sair da infância para entrar na puberdade. É uma transição, e há outras, como deixar de ser jovem para ser adulto, deixar de ser criança para ter uma consciência. Há todas essas pontes psicológicas que devem ser atravessadas para o sujeito se transformar em uma pessoa completa. Uma vez sendo uma pessoa completa, já se pode morrer. Em toda geração pode-se fazer o mesmo filme, pois algumas coisas mudaram um pouco, mas, basicamente, são as mesmas questões. O primeiro amor, o primeiro grande inimigo, tornar-se livre dos pais, coisas como essa são as mesmas em todas as gerações.

O senhor está falando em características psicológicas...

Rumle Hammerich - É, exatamente. E você pode contar a história que tem sido contada desde a Grécia Antiga, sem ter nada de novo.

O senhor acha que a ligação entre essas crianças está no lado psicológico? É possível crianças de diferentes partes do mundo assistirem e entenderem um mesmo filme, como um filme seu?

Rumle Hammerich - Não tenho certeza se pessoas de lugares diferentes entenderiam o mesmo filme do mesmo jeito, pois nos filmes dinamarqueses vejo uma série de pequenos detalhes. Mas se a história é simples e boa, como “um menino é sozinho, tenta achar um amigo, é difícil, mas no fim ele consegue”, todos podem entender, porque todo mundo se sente sozinho e abandonado de vez em quando. No Japão, há a tradição da pintura, mas todos os estudantes pintam os mesmos motivos, como uma ponte, mas alguém é muito bom e faz uma ponte quase que viva. Esse é o modo como você pode contar a mesma história de maneiras diferentes e alguém pode ser melhor em contar que outro. É mágico.

Vê-se que, culturalmente, os contos de fadas são sempre ligados às crianças. E recentemente o filme “O Labirinto do Fauno”, por exemplo, utilizou-se da fantasia para contar uma história bem dramática para adultos. O senhor acha que contos de fadas são interessantes para adultos também?

Rumle Hammerich - Não vi o filme, mas gostaria muito de ver. É uma questão de direção e de quem conta a história. Se a pessoa é capaz de chamar a atenção, e, se está querendo entreter somente as crianças, pode não ser interessante para adultos. Mas, se está contando uma grande história porque vem do coração, e quer que todo mundo ouça, como se estivesse numa roda contando para um velho, uma criança e uma mulher, poderá contar se tiver o talento para fazê-lo. Todos podem entender contos de fadas juntos e isso é muito legal. Se seus pais lêem um conto de fada para você, eles verão um significado diferente na história do qual você verá como uma criança. Isso funciona em várias gerações e terá resultados diferentes da história. Os pais talvez achem que uma história seja triste e a criança verá por outra perspectiva.


O senhor disse que seus contos de fadas favoritos eram dos irmãos Grimm. Conhece o filme sobre eles?

Rumle Hammerich - Não, não assisti e ouvi que não é muito bom. É sobre os dois irmãos não é? Não vi, mas gostaria de ver.


Presidente do Centro de Filmes para Crianças e Jovens, Charlotte Glese explica os motivos que levaram a investir no cinema infantil, bem como o comportamento e a reação do público-alvo.

 Por que a senhora quis fazer parte desse projeto?

Charlotte Glese - No começo eu era uma consultora de filmes no Instituto Dinamarquês de Filmes, decidindo quais seriam apoiados. Fiquei cinco anos no instituto, o contrato acabou e decidi, com o gerente do instituto, que deveríamos fazer algo especial para a nova geração em termos de cinema. Por isso, criamos um novo centro de desenvolvimento para crianças e jovens. O Ministério da Cultura estava voltado para a construção de uma geração de filmes e eu queria fazer parte disso.

Como a senhora acha que a tecnologia pode influenciar as crianças? Ela pode ser prejudicial?

Charlotte Glese - Cada vez que uma tecnologia surge, os adultos ficam desesperados. É um novo desafio. Foi assim desde que veio o videogame, depois a internet. Vai ser sempre assim. A tecnologia ajuda no crescimento das crianças. Temos que orientar as nossas crianças para que não se percam nos lugares incorretos da internet. Eles têm que achar a melhor forma de lidar com isso, porque é um fenômeno inevitável. E é um sucesso para a sociedade. Não podemos fazer nada contra.

Quase são os principais assuntos dos filmes dinamarqueses?

Charlotte Glese - Bom, o que pretendemos sempre tratar nos filmes para as crianças são histórias sobre o cotidiano, pode ser uma história simples. Filmes sobre ambiente familiar nos Estados Unidos são muito quadrados. Os nossos tratam sobre relações pessoais, de família, divórcios, relações entre amigos de uma forma original. O objetivo é que eles usem a imaginação e tragam isso para a realidade. Temos que tomar cuidado quando fazemos filmes para crianças. É necessário ter bom senso.

A senhora acha que abordar um tema difícil para as crianças, como o câncer, por exemplo, pode ser tão chocante para elas a ponto de fazer-lhes mal?

Charlotte Glese - Não, eu acho que o filme é uma mídia para mostrar diferentes tipos de vida. É um modo de expor os problemas que outras pessoas têm, que podem ser os mesmos que os meus ou até piores. É um meio de fazer sentir. É uma possibilidade de fazer o artístico lidar com a realidade. Ele faz você chorar, rir, pensar, abrir seus olhos, seu coração. E isso é muito importante, pois cria um sentimento em cada espectador. Estamos mais abertos ao fato de que certas crianças podem ver certos tipos de filmes com conteúdo mais pesado e outras não. Depende.

Por que fazer filmes para crianças? O objetivo é mudar o mundo?

Charlotte Glese - Sim, esse é o objetivo. Porém, se isso não for possível, podemos começar com pelo menos uma parte do mundo, o mundo de seus amigos, o seu mundo. O que devemos fazer é respeitar a infância, pois as crianças são indivíduos como nós, criar conteúdos diversificados e originais, ter ambição artística e fazer produções de alto valor. É um desafio construir boas histórias. Não precisam ser tantas histórias, mas boas histórias, e com variedade cultural.