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Rio de Janeiro, 23 de abril de 2024


Cidade

Malhando João Buracão

Gabriela Roméro - Da sala de aula

04/03/2009

 Reprodução

Rara é a criança que nunca teve uma boneca de pano à qual (ou a quem) dedicava grande parte da sua atenção e cuidados. Porém, nenhuma delas foi convidada para conhecer o prefeito ou passear pela cidade, a não ser pelas mãos de sua dona. Com João Buracão foi bem diferente.

Criado por um borracheiro de Marechal Hermes, o boneco com tamanho e formas humanas foi a alternativa encontrada para chamar atenção do governo para um buraco na rua. Logo apelidado de João Buracão, sua foto, que o mostrava pescando na cratera, foi publicada em fevereiro na primeira página do jornal Extra. No dia seguinte, o problema foi resolvido pela Cedae. Assim, começava a fama do boneco manifestante, que chegou a ser recebido pelo prefeito Eduardo Paes.

O sucesso de João Buracão é inegável. Desde seu “nascimento”, já visitou diversos buracos espalhados pelo estado do Rio. Porém, sua fama também lhe rendeu problemas. Levado pela equipe do Extra para uma manifestação contra o calçamento precário em São Gonçalo, Buracão foi roubado por homens a serviço da prefeita do município, Aparecida Panisset. No mesmo incidente, repórteres do jornal foram agredidos. O caso teve repercussão e a prefeita se viu obrigada a pedir publicamente desculpas pelo ocorrido. O boneco foi devolvido e chegou a ser homenageado pela Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro.

Por que, então, João Buracão, um boneco como os outros, virou uma celebridade com privilégios raros a um cidadão comum? É verdade que a ideia insólita merecia menção da mídia, ainda mais se levado em conta que sua confecção e exposição pública trouxeram um retorno positivo para a sociedade. Entretanto, há exageros.

O jornalismo acaba quando João Buracão deixa de ser tratado como boneco e passa a ser tratado como pessoa influente. A brincadeira com seu poder de mobilização é engraçada, mas tem limite. Cabe à mídia relatar e analisar acontecimentos, não criá-los. Menos que a credibilidade, isso põe em dúvida o dever e a fronteira do jornalismo. Além disso, com o poder que exerce sobre a opinião pública, a mídia cria situações despropositadas, como a recepção de Buracão pelo prefeito.

Um viés inusitado para problemas cotidianos cabe em qualquer periódico. É claro que para um jornal popular como o Extra é uma aposta especialmente inteligente, pois traz ao leitor a questão de forma mais informal. A fama de um herói como João Buracão pode e deve ser relatada, mas não fomentada por um meio de comunicação.